Para os adolescentes, ficar sem celular ou computador é o maior castigo. Muitos já preferem a internet aos automóveis.

Os jovens que participam do curso de verão da Putney Summer School, nos Estados Unidos, têm de deixar celular, laptop, tablet e qualquer outro aparelho de comunicação na entrada. Durante os 30 dias de estadia, o acesso à internet é limitado – dez horas semanais – e os fones de ouvido são banidos. Se quiserem ouvir música, devem conectar o MP3 a uma caixa de som, para que todos compartilhem. O intuito da política é induzir os alunos a interagir uns com os outros em vez de ficar isolados e imersos em uma tela eletrônica brilhante. Afinal, trata-se de um curso de verão. Os jovens vão lá para se divertir, conhecer culturas, gente diferente e fazer amigos.

Nos Estados Unidos é cada vez maior a preocupação com a intensidade da relação dos adolescentes com a internet e o celular, principalmente quanto aos limites de utilização desses meios de comunicação. Poder conversar com outras pessoas sem que a fronteira física atrapalhe é ótimo – uma conquista da modernidade. Mas para manter relações saudáveis, é preciso fazer um uso inteligente dos recursos tecnológicos e evitar os excessos da “dependência da conectividade”. Nesse ponto, a escola e, principalmente, os pais são responsáveis pela educação dos jovens.

O celular se tornou um item de consumo favorito da população. O Brasil é o campeão em vendas da América Latina. Desde 2005, o número de telefones móveis ultrapassou o de fixos nas residências brasileiras. Além do mais, o aparelho é o principal representante da convergência tecnológica, permitindo ligações, envio de mensagens SMS e acesso à internet.

Não por acaso, uma pesquisa publicada na revista Forbes revela que, desconsiderando os valores monetários, 46% dos jovens norteamericanos afirmam preferir o acesso à internet ao carro. Segundo Th ilo Koloswski, da empresa norte-americana Gartner, o celular se tornou um item essencial que confere status, liberdade e sociabilidade aos seus usuários, atributos antigamente oferecidos pelos automóveis.

Pais e filhos

Quem convive com adolescentes sabe que um dos piores castigos para eles é ficar sem celular e sem computador. Os jovens permanecem conectados aos amigos e à família 24 horas por dia, ligando, trocando torpedos e atualizando status nas redes sociais. De acordo com o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, na era da informação, a invisibilidade equivale à morte. Nessa fase marcada pela busca da identidade e da autonomia, é muito comum ver adolescentes imersos nesses meios de comunicação.

Mas para o que os jovens usam tanto o celular? A pesquisa “Uso de Celular na Adolescência e sua Relação com a Família”, envolvendo 534 jovens entre 12 e 17 anos de escolas públicas e particulares de Porto Alegre (RS), revelou que o uso mais frequente do aparelho é para se comunicar com os pais (90%) e com os amigos (79%). “É possível perceber que as relações virtuais estabelecidas pelo telefone celular acompanham as relações reais estabelecidas com família e grupo de amigos”, diz a psicóloga Fabiana Verza, especialista em terapia familiar e autora do estudo. As outras utilizações mais populares são vinculadas à coordenação do dia a dia, com funções de despertador e de agenda.

Em muitas famílias, o celular pode significar mais que um simples aparato tecnológico. Segundo o livro Adolescência & Comunicação Virtual, de Adriana Wagner, Fabiana Verza, Rosane Spizzirri e Caroline Eifler Saraiva, dar um celular de presente ao filho é um rito de passagem para uma nova fase do ciclo familiar. Se antes se dava a chave da entrada da casa como símbolo de confiança, liberdade e autonomia, hoje se presenteia o adolescente com um celular.

O aparelho também proporciona mais tranquilidade aos pais e aos jovens sempre que saem de casa. “Existe uma necessidade de monitoramento dos filhos pelos pais, principalmente em função da violência e da insegurança associada a ‘sair de casa’ na atualidade, e, nesse ponto, o celular pode ser um grande elo de ligação”, escrevem as autoras. Mas, cuidado! O aparelho não deve ser uma extensão do cordão umbilical. Ligações recorrentes entre pais e filhos podem indicar a existência de uma relação simbiótica pouco saudável e trazer à tona problemas na estrutura familiar.

Segundo Fabiana, o fácil acesso a outros recursos midiáticos via celular, como internet e messenger, também exerce um papel relevante na socialização do jovem. Para os mais tímidos, o celular é um facilitador social. Eles se sentem mais à vontade em ligar diretamente para os amigos, sem ter de falar com os pais deles e de trocar mensagens de texto, recurso que não exige olhar nos olhos. Desse modo, os mais tímidos conseguem se socializar melhor. Em outros tempos, isso não seria possível. Vale lembrar, obviamente, que esse meio de comunicação não deve substituir uma conversa presencial.

É importante ter em mente que a juventude de hoje, assim como a das gerações passadas, tem essencialmente as mesmas necessidades: vincular-se a um grupo, ter mais autonomia e consolidar uma identidade. O que muda é atender a essas necessidades na era da informação.

Atritos sociais

O celular pode ser um aliado da educação ou um problema da família. “Alguns pais se sentem desautorizados a interferir na relação entre seus filhos e a tecnologia, pois não têm certeza se isso é positivo ou negativo para o crescimento deles”, analisa Fabiana.

Mesmo não entendendo a tecnologia tão bem quanto os jovens, os pais não devem abrir mão de sua autoridade. “A tecnologia deve ser tratada apenas como um complemento nas relações familiares e um estímulo a mais para o desenvolvimento do filho”, diz a especialista. No contexto moderno, cabe aos pais criar novos meios para controlar o uso de celular e internet. Fabiana recomenda que se estabeleçam regras de uso, para que os jovens tenham noção de tempo e de prioridade na utilização.

COMO USAR CELULAR NA BANHEIRA

Por Emi Sasagawa

Uma pesquisa publicada pelo Ministério da Educação do Japão em 2009 indica que o celular está tomando conta da vida dos adolescentes do país. O estudo, resultado de entrevistas com 20 mil adolescentes em um mês, oferece evidência do uso abusivo do aparelho. No país mais conectado do mundo, 96% dos adolescentes entre 16 e 17 anos têm celular. Segundo o estudo, 25% dos alunos do ensino fundamental usam o aparelho durante as refeições e 50% dos alunos do ensino médio o usam durante o banho!

Além das funções mais comuns, os jovens japoneses usam celulares para ler shosetsu (novelas), contar passos, tocar piano e fazer compras. O problema é que o uso se tornou compulsivo. Segundo declarações do ministro da Educação, Hiroyuki Mantani, “os adolescentes japoneses mandam e-mails excessivamente”. A pesquisa indica que 7% dos jovens entrevistados mandam mais de 100 mensagens por dia.

As meninas inventaram uma linguagem de celular chamada gyarumoji, na qual usam emoji (emoticons) para se comunicar. Nos blogs, elas dão dicas de como se manter conectado, por exemplo, colocando o celular em um saco plástico para usá-lo na banheira.

A necessidade de sempre estar conectado criou uma sociedade de adolescentes obcecados por respostas imediatas. Segundo o estudo, 12,4% de alunos no ensino médio acham que um minuto é tempo demais para esperar por uma resposta. Quando as respostas demoram 30 minutos, a espera gera um alto grau de ansiedade.

No Japão, os celulares são chamados de keitai denwa (telefone portátil). Mas o antropólogo Mizuko Ito afirma que o conceito não pode ser traduzido com precisão. Mais que um simples celular, o keitai denwa é uma parte intrínseca da sociedade japonesa, de certo modo, uma extensão do ser. Os jovens decoram seus aparelhos cuidadosamente para refletir suas personalidades.

O apego excessivo produz consequências indesejáveis. A pesquisa indica que os celulares, além de gerar ansiedade, prejudicam o estudo e o sono e são instrumentos de cyberbullying. Ademais, com a comunicação eletrônica, os jovens encontram mais dificuldade para se comunicar verbalmente.

Em janeiro de 2009, o Ministério da Educação japonês tomou medidas para banir o celular no ensino fundamental e minimizar seu uso em aula no ensino médio. O país tecnologicamente mais evoluído do mundo sofre para encontrar o equilíbrio entre a vida real e a vida virtual.

Essa conversa é importante e pode prevenir futuras dores de cabeça, como contas caríssimas no fim do mês. Os pais devem ficar atentos caso o uso do celular interfira na produtividade do jovem na escola e em atividades extracurriculares e prejudique a interação com família e amigos, levando-o a um isolamento social.

 

Prozac virtual

Na Coreia do Sul, um dos países mais conectados do mundo, a dependência de internet e, sobretudo, de jogos de computador é um problema que já virou questão de saúde pública. O Brasil ainda não se aproximou desse nível, mas os especialistas andam atentos. Estima-se que por volta de 10% dos usuários de internet sejam “dependentes”. No Hospital das Clínicas de São Paulo já existe um grupo de apoio para quem tem dificuldade de se desconectar.

O celular facilita o namoro dos tímidos

“Os frequentadores são pessoas de classe média, com muito estudo, mais homens que mulheres, que abrem mão de tudo para estar na internet”, afirma Dora Sampaio Góes, integrante do grupo do HC. Para eles, o mundo real é mais sem graça, difícil e imprevisível. Nos jogos eletrônicos, o que acontece ao personagem não afeta a pessoa na vida, de modo que ela se sente mais segura em arriscar. “O jogo acaba sendo um Prozac virtual, um modulador de humor. A pessoa passa a ficar mais calma, mais centrada na internet, porque se desconecta do mundo real”, explica Dora.

A psicóloga alerta que a adolescência em si já é um fator de risco para a dependência, principalmente quando o jovem não tem uma vida social satisfatória nem apoio familiar. É essencial ficar atento caso a quantidade de tempo na internet ou a conexão a algum dispositivo de comunicação interfira nas atividades do dia a dia.

A tecnologia não é causadora da dependência. Nesse caso, geralmente o paciente já pode ter algum problema de ordem afetiva. “Não acho que a tecnologia em si seja o fator principal, mas favorece. Afinal, não haveria dependência de internet se ela não existisse. Porém, essa pessoa poderia ter algum outro tipo de transtorno do impulso”, afirma Dora. Os problemas que surgem como indicadores da dependência de internet são: depressão, fobia social, déficit de atenção e hiperatividade.

Outro fator que agrava o quadro é o barateamento da internet 3G. Segundo a Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), os acessos por essa tecnologia aumentaram 90% entre 2010 e 2011. “O 3G contribui muito para a dependência de internet e pode gerar maior dependência de celular.

No último caso, a pessoa não consegue desligar o aparelho nem parar de ver se há um torpedo ou e-mail novo”, diz Dora. Não por acaso, neste ano, o intuito é abrir, no HC, um grupo de apoio à dependência de celular. De modo geral, as dependências do telefone e da internet são parecidas, embora independentes.

O dependente de conectividade passa o dia inteiro ligado à internet, pondo em risco o emprego, burlando as normas da empresa, faltando à escola ou abrindo mão de atividades como academia, jantar com amigos, etc. “Com o celular, o estudante, por exemplo, vai à aula, mas só de corpo presente”, conta Dora.

– 29% dos internautas brasileiros entre 14 e 17 anos têm um smartphone

– Na Coreia do Sul, a Lei Cinderela estabelece que nenhum jovem pode jogar videogame durante a madrugada. A medida governamental é uma tentativa de combater o vício nos jogos de internet.

– 53% dos usuários de celular do Reino Unido sofrem de nomofobia, abstinência de celular (no mobile, em inglês)

– Nos Estados Unidos, os jovens preferem o celular a carros. Já dirigem menos que os da geração anterior, de baby boomers.

Para ter um relacionamento saudável com os aparelhos eletrônicos, é preciso manter satisfações fora da internet, como praticar um esporte, cultivar amigos e conviver com a família. O propósito das tecnologias de comunicação deve ser facilitar o contato com outras pessoas, complementando as relações já existentes.

Várias escolas estão adotando políticas sobre o uso do celular.

Nas escolas

Muitos professores estão preocupados com a hiperconectividade dos alunos. Mas especialistas alertam que não adianta proibir o celular em sala. Afinal, o aparelho pode vir silencioso nas mochilas e nem se perceber que o aluno está se comunicando com outros fora do ambiente escolar. “O ideal seria usar o celular como instrumento de apoio ao progresso de ensino”, afirma Maria Elizabeth Almeida, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Novas Tecnologias da Faculdade de Educação da PUCSP. Para ela, o celular só atrapalha o aprendizado porque não está devidamente incorporado às atividades pedagógicas.

No Colégio Bandeirantes, em São Paulo, o celular só é proibido na hora da prova. Em sala de aula, a decisão é do professor e cabe a ele usar a criatividade para elaborar atividades em que o aparelho seja um aliado do ensino. A coordenadora de psicologia educacional Cristiana Mattos Assumpção relata que em uma aula de biologia sobre hormônios um aluno esclareceu uma dúvida da sala se comunicando comunicando com a mãe via torpedo. A rapidez com que as informações podem ser acessadas é uma das vantagens. Em outro caso, uma professora de física utilizou um aplicativo de celular que monitora suas corridas diárias para auxiliar o aprendizado. “O contato dos professores e alunos nas redes sociais também é uma grande vantagem, pois aproxima a escola da sociedade e traz o cotidiano para a aula. Essa integração, em termos educativos, é muito importante”, ressalta Maria Elizabeth.

Mas as novas tecnologias e adolescência podem resultar em uma combinação problemática. Por isso, é importante uma conscientização sobre o uso. É típico da juventude testar os limites, e cabe aos educadores, pais e professores impô-los. “Desde 2007, damos o curso de ética e cidadania digital. São três aulas anuais em todas as séries. Discutimos os temas mais populares entre eles, como identidade, privacidade, autocontrole, bullying, uso responsável de celular e cuidado com a imagem”, conta Cristiana.

Os resultados não são imediatos, mas em longo prazo o colégio colhe bons frutos. Os professores perceberam que os alunos estão mais conscientes. Anteriormente, se expunham demais nas redes sociais. A conscientização sobre esse excesso fez com que compartilhassem informações com mais cuidado. Muitos ex-alunos tentam disseminar o conhecimento e levar o método para as faculdades. Outro tópico é ensinar o aluno a sair da superficialidade e pesquisar a fundo os assuntos. “Temos de mudar cada vez mais nossas estratégias para tornar o aluno mais participativo”, diz Cristiana.

Segundo Maria Elizabeth, um fator essencial para melhorar a integração com as novas tecnologias é a formação dos professores. “Eles precisam compreender as potencialidades e contribuir para o aprendizado”, ressalta. “A tecnologia em si não vai fazer a diferença. O aluno sabe usá-la para brincar. Cabe a nós convertê- la em algo educativo, sem torná-la chata”, conclui Cristiana. Todas as gerações precisam de orientação e a juventude atual não é diferente. “Tem gente que usa o Facebook para encontrar pessoas, e não para ficar atrás da tela. A ferramenta é legal, o que as pessoas fazem com elas é que gera problema”, finaliza Dora.