Trem de peregrinos durante um feriado islâmico, em Tongi, Bangladesh. O país é o sétimo mais densamente povoado do mundo e um dos mais ameaçados pelas mudanças climáticas: em um território de 144 mil km2 (equivalente ao do Estado do Amapá) vivem 164 milhões de pessoas.

Se o gênio da lâmpada de Aladim aparecesse para o economista carioca Sérgio Besserman Vianna, presidente da Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura do Rio de Janeiro, e concedesse a realização de um desejo em prol da sustentabilidade do planeta – um apenas -, o pedido seria o seguinte: “Acesso à informação e ao conhecimento sobre planejamento familiar para mulheres. Não há nada mais capaz de mudar o mundo do que a consciência das mulheres sobre o número de filhos que desejam criar.”

Não por acaso, uma mudança global será deflagrada por um filho que deverá nascer em 31 de outubro de 2011, na Índia. Nesse dia, os demógrafos do Population Reference Bureau, em Washington, projetam a chegada de um menino especial, filho de uma família pobre do Estado de Uttar Pradesh: o sétimo bilionésimo habitante do planeta. Todas as estatísticas convergem: o país tem o maior número de nascimentos no mundo – 27 milhões por ano -, a zona rural de Uttar Pradesh é o seu motor demográfico e a incidência natural de nascimentos por sexo, na região, favorece os meninos. Em 2018, a Índia deterá o controvertido título de país mais populoso do mundo, à frente da China.

Paul Ehrlich

Biólogo da Universidade Stanford, Estados Unidos.

Não haverá uma estrela guia no céu para anunciar a importância simbólica desse nascimento. A ultrapassagem do limiar de 7 bilhões vem sendo aguardada com expectativa por todos os demógrafos que já leram as previsões de Thomas Malthus (1766-1834), o economista britânico que, no fim do século 18, advertiu que o crescimento exponencial da população mundial não poderia ser sustentado pelo crescimento aritmético da produção de alimentos – lançando a ameaça de uma grande crise de abastecimento à frente.

Graças a Malthus, a economia ganhou a alcunha de “ciência lúgubre” (dismal science) e o público logo se acostumou com previsões furadas. O genial Malthus errou feio ao subestimar o poder da inovação tecnológica que expandiu a produção de maneira inimaginável. Mas acertou ao sugerir que o mundo não é elástico. O planeta não dispõe de recursos infinitos para sustentar um crescimento ilimitado. Jogar essa carga de insustentabilidade nas costas da inventividade humana também é arriscado, sobretudo quando a população aumenta 80 milhões a cada ano.

A noção de limite sugerida por Malthus – ou “capacidade de suporte”, em linguagem moderna – levou outro economista britânico, Kenneth Boulding (1910-1993), 100 anos depois, a comparar a Terra não a um trem, mas a “uma astronave com recursos limitados, rodando em torno do Sol”, e a ironizar: “Quem acredita que o crescimento exponencial pode durar para sempre num mundo finito é louco ou economista.”

Piscina pública em Suining, em Sichuan, na China. A política compulsória de redução da natalidade derrubou a taxa de fecundidade de 6 filhos por mulher, em 1960, para 1,5 filho em 2009.

Profetas do apocalipse

Todas as gerações tiveram o seu profeta do apocalipse demográfico. Mas a grande crise não chega e a contagem aumenta, ano após ano, atualizando a pergunta recorrente: até quando? Não há limite? Quanta gente cabe no mundo? Afinal, há apenas 12 anos o planeta possuía 6 bilhões de habitantes. Há 100, em 1911, éramos somente 1,6 bilhão.

Sérgio Besserman Vianna

Economista, presidente da Câmara Técnica de Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Uma resposta à ansiedade pode ser “9 bilhões”. Segundo a ONU, a população mundial deverá estabilizar-se por volta de 2050, atingindo o equilíbrio entre nascimentos e mortes, com uma população entre 8 e 10,5 bilhões de habitantes – se não houver imprevistos. A melhor aposta é 9 bilhões, em 2045. Depois desse patamar os números deverão começar a diminuir, uma vez que o crescimento já estagnou na maioria dos países em desenvolvimento.

O problema será organizar 9 bilhões. Sete bilhões já dão trabalho. “É óbvio que, quanto mais gente existir, maiores serão os impactos ambientais e sociais”, diz o biólogo Paul Ehrlich, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, autor de um clássico malthusiano pessimista, de 1968, The Population Bomb. “Hoje, a situação é muito, muito pior do que quando o livro foi escrito. Os 2 bilhões a mais até 2050 gerarão muito mais dano ambiental do que os últimos 2 bilhões agregados, porque os padrões de consumo são mais intensivos”, ressalta.

Mas o olhar pessimista também pode ser invertido e o crescimento demográfico ser visto como sinal de prosperidade. A mortalidade infantil declina e a expectativa de vida aumenta na maior parte dos países. “Há 100 anos, todas as mulheres que tinham filhos viam um morrer; nos livramos disso”, lembra Sérgio Besserman. O desenvolvimento tecnológico melhora a eficiência dos processos e abre fronteiras impensadas. Malthus não tinha como prever o efeito da globalização da batata e do milho americanos, que, conjugada à invenção do adubo químico, acabou com a escassez agrícola na Europa. O esgoto, o saneamento e o tratamento da água corrigiram a incubação de pestes e doenças nas cidades, como tifo e cólera. A higiene e os antibióticos elevaram a expectativa de vida europeia de 35 anos, em 1800, para 77 anos, em 2010.

Não apenas na Europa. Apesar da desigualdade do desenvolvimento tecnológico, depois da Segunda Guerra Mundial os antibióticos e a Revolução Verde ampliaram enormemente os poderes da medicina e da agricultura. A biotecnologia e os alimentos processados industrialmente tornaram os surtos de fome “nacionais” mais raros, mesmo ampliando o risco de epidemias, como a da vaca louca, em 1992. As últimas tragédias epidêmicas de fome foram em Biafra (sudeste da Nigéria), em 1969, e na Etiópia, em 1984. Além disso, o crescimento econômico vem aumentando a prosperidade dos países.

Nos últimos 20 anos, o Produto Interno Bruto mundial dobrou, passando de U$$ 30 bilhões em 1980 para U$$ 72 bilhões em 2009. Na China, 500 milhões de pessoas saíram da miséria em 25 anos – um fato inédito na história. A crise deflagrada pelo colapso do mercado de hipotecas nos Estados Unidos, em 2008, gerou desemprego e recessão nos países centrais, mas China, Brasil, Índia, Turquia, África do Sul e vários países da América do Sul estão vivendo um ciclo longo de aumento de bem-estar social. A ascensão dos países emergentes é um fato. O Banco Mundial prevê que os 400 milhões da “classe média” global de 2005 serão 1 bilhão em 2030. Em 2000, a ONU anunciou um novo termômetro dos tempos: o número de obesos supernutridos (1 bilhão) ultrapassou o de carentes desnutridos (800 milhões).

Cerca de 3,6 milhões de pessoas passam pela estação de metrô de Shinjuku, em Tóquio, diariamente. Graças à alta tecnologia, o maior aglomerado urbano do mundo dispõe de um eficiente sistema de transporte, com 293 estações e 328 km de extensão. Nas ruas, quase não há veículos. O congestionamento é de pedestres.

Dieta já

Com tanto crescimento, a espaçonave Terra está cada vez mais pesada. Junto com a prosperidade, a crise ambiental vem se agravando ao longo dos anos, acumulando colapsos de ecossistemas, efeitos colaterais nocivos da produção (“externalidades”) e mega-acidentes como Minamata (1956), Three Mile Island (1979), Bhopal (1984), Chernobyl (1986), Exxon Valdez (1989) e Golfo do México (2010). Um estudo sobre o impacto do desenvolvimento no ambiente realizado em 2003, o Millenium Ecosystem Assessment, analisou os últimos 50 anos de demanda por comida, água, madeira, fibra e combustíveis sobre 24 ecossistemas globais e concluiu: 4 melhoraram, 15 estão em sério declínio e 5 já estão em estado precário.

A ONG Global Footprint Network, do Canadá, criou o conceito de “pegada ecológica” para medir a capacidade dos ecossistemas de gerar recursos e regenerar resíduos. Os cálculos indicam que o consumo global ultrapassou a capacidade de regeneração do planeta em 1987 e, se continuarmos no ritmo atual, em 2050 a humanidade precisará de dois planetas. Para os ambientalistas, a demanda econômica está erodindo o solo, esgotando a água, poluindo a atmosfera e gerando montanhas de lixo cada vez maiores. A espécie humana talvez seja uma praga sobre a Terra.

Na África Subsaariana, a educação é precária e a fecundidade, alta.

Na Índia, a pressão demográfica torna recursos

naturais, como a água, escassos

Nada, porém, é mais inquietante do que a advertência dos cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) de que a emissão dos gases de efeito estufa derivados da atividade humana vem esquentando a temperatura do planeta “de maneira inequívoca”, desde a Revolução Industrial. A atmosfera do planeta está, hoje, abafada por um manto de 800 bilhões de toneladas de carbono, metano e outros gases, e a cada ano emitimos mais 6 bilhões. Se a expansão global continuar com o atual modelo econômico, em 2030 a temperatura média esquentará, agravando as mudanças climáticas já em curso.

 

Ideologia de câncer

No futuro congestionado de 2030 a questão será como reduzir a pobreza de 800 milhões de desnutridos (que, então, serão 2 bilhões) e expandir a infraestrutura de saneamento, saúde, habitação, transporte e energia, sem penalizar ainda mais o meio ambiente e esgotar os recursos naturais. Como produzir energia para 9 bilhões, energia renovável, sem queimar combustíveis fósseis e gerar efeito estufa?

Acima à esquerda, ondas de garrafas de refrigerantes em um mar de pet na cidade de Xian, em Shaanxi, na China. Ao lado, Lagos, na Nigéria, está a caminho de ser uma das maiores cidades do mundo em 2030, apesar da falta de infraestrutura urbana.

A mudança climática torna a questão demográfica uma prioridade. Como não há respostas fáceis e sobram preconceitos, até há pouco se evitava falar no assunto. Críticas à pressão demográfica despertam acusações de estatismo, racismo, colonialismo ou, no melhor dos casos, misantropia. Em geral, os políticos “de esquerda” acham que a superpopulação não é problema, e sim a má distribuição de recursos, e temem que a ameaça demográfica legitime o controle de natalidade dos mais pobres, baseada em critérios como cor da pele, religião e nacionalidade. Já os políticos “de direita” consideram que o crescimento da economia de mercado resolve tudo e se opõem à intervenção governamental, à contracepção, ao aborto e à educação sexual.

Makhtar Diop

Diretor do Banco Mundial no Brasil.

Ambientalistas mais realistas como o geógrafo norte-americano Jared Diamond e o inglês George Monbiot afirmam que o excesso de consumo é mais preocupante do que o de gente. Recursos para sustentar 9 bilhões existem, desde que mais bem distribuídos. Impossível, mesmo, é generalizar a todos o hiperconsumo dos privilegiados. A “pegada ecológica” de um norte-americano médio equivale à de 250 etíopes. Poucos esperam que os países emergentes “abram mão” das expectativas de consumo desfrutadas pelos ricos, mas os valores precisam mudar. Se todos os etíopes, brasileiros, chineses e indianos dirigirem automóveis e comerem carne como norte-americanos, o impacto será enorme. “Não é tarde para mudar padrões”, diz Sérgio Besserman. “Comer menos carne parece mais razoável do que dizer ‘tenham menos filhos’.”

Crítico acerbo do consumismo norte-americano, Paul Ehrlich considera o crescimento perpétuo “a ideologia da célula cancerosa”. Mas, embora a expansão populacional precise ser detida em todos os países, admite que “a expansão econômica é ainda necessária para os países pobres”. Ehrlich só lamenta que a tecnologia não tenha inventado dois produtos: “Precisamos da camisinha anticonsumo e da pílula do dia seguinte contra ressaca de shopping.”

 

O Japão tem a mais antiga monarquia ininterrupta do mundo, iniciada no século 6 a.C. Só em 1945 o imperador deixou de ser considerado divino. O casal real, o imperador Akihito e a imperatriz Michiko (no centro), tem dois filhos. O mais velho, o príncipe Naruhito (à esquerda do imperador), será o próximo rei. Num país com muito mais idosos do que jovens, a família real dá o exemplo, com dois filhos e quatro netos.

Poder materno

Por via das dúvidas, os países emergentes adotaram o planejamento familiar há muito tempo. A Índia foi o primeiro a instituir uma política de controle populacional, em 1952. Em 2000, o país lançou uma nova meta de redução da taxa de fecundidade: de 2,6 filhos para 2,1. Os chineses, que detêm 20% da população mundial, foram mais longe: em 1979 o regime maoísta instituiu programas coercitivos e reduziu a taxa de fecundidade de 6,0 filhos (em 1965) para 1,5.

Em democracias ou em ditaduras a alfabetização das mulheres é o fator decisivo. Quanto mais conscientes as mães, mais previdentes as famílias. Em Uttar Pradesh a taxa de fecundidade é de 3,5 filhos, mas no Estado indiano de Kerala ela caiu para 1,7, graças a investimentos em saúde, educação e alfabetização. No Irã a fecundidade caiu 70%, com o apoio do regime islâmico. No Brasil católico e democrático a taxa de fecundidade caiu 50%, espontaneamente. Os pobres sabem onde dói o calo.

Em contraste, onde a educação é deficiente a população prolifera. A África subsaariana sofre com taxas de alfabetização baixas e taxas de fecundidade altas, 5 filhos por mulher. No Níger, chega a 7 filhos por casal e a expectativa de vida é de apenas 50 anos. O Quênia baixou sua taxa de 8 filhos por casal, em 1960, para 4,6, em 2010. Mas, na Nigéria, os 158 milhões de habitantes deverão se tornar 326 milhões em 2050. Lagos, sua maior cidade, está a caminho do pandemônio.

Os filhos são uma estratégia de sobrevivência para os pobres: os que sobreviverem cuidarão das famílias. Em contraste, os ricos enfrentam o problema da falta de gente. No Japão, 30% da população tem mais de 65 anos. Na Itália, 26%. Quando há mais velhos que jovens, quem sustenta a sociedade? A Rússia tem taxa de fecundidade negativa, 0,6 filho por mulher, ou seja, morre mais gente do que nasce. O país corre o risco de desaparecer.

 

Corrida louca

A imprevidência jogou em nosso colo problemas formidáveis que podemos passar adiante lavando as mãos. Ou não. A humanidade demorou 50 mil anos para chegar à população de 1 bilhão em 1800; pouco mais de um século para chegar a 2 bilhões em 1930; 33 anos para chegar a 3 bilhões em 1960; 14 anos para chegar a 4 bilhões em 1974; 13 para chegar a 5 bilhões em 1987; 12 anos para chegar a 6 bilhões em 1999; e outros 12 para chegar a 7 bilhões em 2011. Estamos a caminho do formigueiro eletrônico. Se crescermos 1 bilhão a cada 12 anos, nossos problemas serão redobrados.

Deve ser mais fácil mudar o modelo de desenvolvimento do que sobreviver num mundo de 9 bilhões sem os serviços da natureza como ar respirável, clima bom, água potável, solo agriculturável, florestas e oceanos vivos. Algum silêncio também não seria mau. “Quando dizem que vai acabar o lítio da Bolívia usado nos computadores, não fico ansioso porque isso a tecnologia resolve”, diz Sérgio Besserman. “Mas a produção dos serviços que a natureza oferece, o clima, a biodiversidade e a água doce, não funciona assim. Não é preciso conhecimento sofisticado para ver que estamos degradando de maneira insustentável a capacidade do planeta de repor esses serviços.”

Xangai, na China, abriga 16 milhões de pessoas. Nos próximos anos, 600 milhões de chineses deverão se mudar de áreas rurais para áreas urbanas.

Nosso futuro em grandes cidades induzirá a aumento em escala das expectativas de consumo. Em 1975, havia três megacidades com mais de 10 milhões de habitantes; atualmente há 21, com população concentrada e exposta à “fabricação de necessidades” da publicidade. No mundo informatizado atual, 20% da população detém 80% do consumo, mas os 80% que subsistem com 20% do consumo são os que crescem aceleradamente. Quem ameaça o futuro: os que se multiplicam ou os que consomem? Quem mais contribui para as sociedades atolarem na corrida por uma sustentabilidade capaz de “atender às necessidades e aspirações do presente sem comprometer a capacidade de atender às do futuro”? Resposta: os dois, mas a gordura dos ricos pesa uma exorbitância.

Há tanta poluição demagógica quanto poluição real. Não há soluções fáceis. As liberdades comprimem-se em um mundo disciplinado pela expansão demográfica e recursos limitados e desigualmente distribuídos. Reduzir a pobreza e democratizar o acesso a padrões de consumo factíveis, expandindo a educação, a democracia e a infraestrutura econômica, não são desafios fáceis. Mas crescer por crescer só levará ao inchaço.

Texto: ricardo@planetanaweb.com.br

PATROCÍNIO:

Fonte: ONU, Departamento de Assuntos Sociais e Econômicos, World Urbanization Prospects – The 2009 Revision

Aproveite o bônus

A população brasileira está envelhecendo rapidamente, sem dispor de sistemas de previdência social e de saúde eficientes. A maioria dos idosos não pode pagar planos de previdência privados.

O Brasil está envelhecendo como país afluente, mas sem ter ficado rico. Em 1960 a taxa de fecundidade brasileira era de 6,0 filhos por mulher; em 2010 caiu para 1,9. A população crescia 3,2% por ano, mas em 2010 a taxa caiu para 1,17%. Muitas décadas de turbulência econômica induziram os 190,8 milhões de brasileiros do Censo de 2010 à opção por famílias menores. A continuação dessa redução voluntária deverá levará a crescimento zero em 2039, num país de 219 milhões de pessoas, e a partir daí a população entrará em decréscimo.

Comparado a outros países, o Brasil chegará ao futuro com um território rico de recursos, terra agriculturável, água e florestas, e com uma população altamente urbanizada (84% já vivem em cidades). Além disso, desfrutamos de um “bônus demográfico”: o número de pessoas em idade de trabalhar ainda cresce mais rápido do que o número de dependentes (crianças até 15 anos e idosos de 60 anos ou mais), o que aumenta a força de trabalho e turbina o crescimento econômico. O bônus, porém, só dura até 2020.

A partir de 2020, o envelhecimento da sociedade pesará muito. Um estudo do Banco Mundial, Envelhecendo em um Brasil Mais Velho, mostra que os atuais 19,6 milhões de brasileiros idosos (10,2% da população) poderão ser 64 milhões em 2050 (29,7%) – “números similares aos do Japão”, segundo o diretor do Banco Mundial no Brasil, o senegalês Makhtar Diop. Portanto, temos 20 anos para consertar o país e preparar a transição para uma sociedade envelhecida, na qual os gastos de saúde com idosos serão oito vezes maiores do que com crianças.

O desafio é tremendo, sobretudo diante do atual déficit da Previdência Social, de quase R$ 100 bilhões por ano. Com a demanda crescente por aposentadorias, o sistema gasta mais do que arrecada e o rombo aumenta. Há graves distorções entre as aposentadorias dos servidores públicos e as dos trabalhadores privados: os 24 milhões de aposentados do INSS (em geral 1 salário mínimo) geram R$ 42 bilhões de déficit, enquanto apenas 1 milhão de servidores aposentados (juízes, políticos, militares e funcionários aposentados com salário integral) geram R$ 52 bilhões.

Os impostos criados pela Constituição para sustentar a Previdência são desviados para outros fins, como é o caso da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Além disso, a sonegação é gigantesca: uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário mostra que a contribuição previdenciária é o imposto mais sonegado do país, à frente do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) e do Imposto de Renda. Só de dívidas, a Previdência tem R$ 400 milhões a receber. Se estivesse nos eixos, o sistema poderia ser superavitário e não deficitário.

A precariedade do sistema público empurra os brasileiros aos fundos de aposentadoria privada, cujos contribuintes passaram de 6,6 milhões em 2002 para 11,6 milhões em 2006. Mas é óbvio que nem todos podem pagar por planos privados.

“É importante defender a reforma e o saneamento da Previdência Social, sem calote nem perda de direitos, em vez de empurrar a população para transferir recursos para fundos de capitalização privada”, diz o economista Jorge Felix, do Núcleo de Pesquisas Políticas para o Desenvolvimento Humano da PUC de São Paulo, autor do livro Viver Muito.

O conserto da previdência caminha na direção contrária dos interesses do mercado financeiro, mas é evidente que pode ser solucionado – como a hiperinflação foi no passado. “Com políticas adequadas é possível envelhecer e se tornar desenvolvido ao mesmo tempo”, diz Makhtar Diop.

Mães esteios de família

Em 2007, 7 milhões de brasileiros voaram pela primeira vez de avião, um indicador claro da melhoria da renda do país. Elza Maria dos Santos, 41 anos, foi um desses. Pernambucana, Elza estudou até o quarto ano do ensino fundamental em Lajedo, onde nasceu, e, em 1986, deixou 6 irmãos para ir morar em São Paulo, recém-casada, com 18 anos.

Aos poucos, quatro irmãos acabaram vivendo na capital paulista – todos no bairro do Campo Limpo – e um quinto foi para Campinas. A família continua unida. Elza tem 15 sobrinhos. Só o casamento é que durou pouco. O casal se separou quando o filho, Rodolfo, tinha 7 anos. Elza criou o menino praticamente sozinha, trabalhando como empregada doméstica.

Hoje, mora num sobrado próprio no Jardim Rosana, que vive em obras, sempre melhorando. “Eu queria mais filhos logo depois do Rodolfo, mas não podia, porque dois, no começo, é muito caro. Gostaria muito de ter tido uma menina”, suspira. Como depois do ex-marido não apareceu um bom namorado candidato a pai, Rodolfo virou filho único. Mas entre os nove irmãos Santos só um tem quatro filhos; a maioria tem três e dois.

“As famílias hoje são menores porque as pessoas querem se ajeitar primeiro”, explica Elza. “O exemplo dos pais ficou para trás. É preciso contar com os imprevistos da vida e ser capaz de segurar a onda sozinha. Mas eu tenho nostalgia de família grande.” Elza gostou muito de viajar de São Paulo ao Recife em quatro horas, de voar e de ver as nuvens de perto. Desde 2007, já voou três vezes e pretende voar mais.