Permafrost é uma palavra cujo significado é conhecido apenas por cientistas e ambientalistas, mas pode cair na boca do povo em um espaço de tempo relativamente curto. O motivo é que essa camada de terra, gelo e rochas, em tese permanentemente congelada, presente nas regiões árticas (ver quadro na página 37), também está sentindo o avanço do aquecimento global.

Além de inclinar árvores, rachar a pavimentação de estradas e colocar em risco obras de infraestrutura, a elevação das temperaturas nessas áreas causa uma enorme liberação de gases de efeito estufa (GEE), sobretudo metano, cuja capacidade de reter calor é 25 vezes maior do que a do dióxido de carbono.

O permafrost recobre 13 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a 25% das terras do Hemisfério Norte. No total, o ecossistema representa 20% da superfície emersa da Terra, espalhando-se pelo Ártico, sub-Ártico e Antártida. Por volta de 63% do território russo é ocupado por ele. O solo abriga restos de plantas e animais, acumulados ao longo de milênios. Com o degelo nos meses mais quentes do ano, esses materiais orgânicos começam a se decompor, injetando metano e dióxido de carbono na atmosfera.

Cientistas integrantes do Permafrost Carbon Research Network calculam que, nos próximos 30 anos, cerca de 45 bilhões de toneladas métricas de carbono originado do metano e do dióxido de carbono chegarão à atmosfera quando o permafrost degelar ao longo dos verões. O volume é equivalente à emissão global de GEE durante cinco anos por queima de combustíveis como petróleo, carvão e gás.

Por volta de 2100, os pesquisadores preveem um cenário ainda mais sombrio: daqui até lá, 300 bilhões de toneladas métricas de carbono deverão ser liberados do permafrost. Para Edward Schuur, da Universidade da Flórida (EUA) e membro do Permafrost Carbon Research Network, toda essa emissão significa um aquecimento entre 20% e 30% mais rápido do que o produzido apenas pela liberação de combustíveis fósseis.

Ressaltando a gravidade da situação, a Organização Mundial de Meteorologia anunciou, em novembro, que o calor mais acentuado em 2011 ocorreu exatamente nas regiões setentrionais onde se concentra o permafrost, principalmente na Rússia. Desde 1970, o Ártico vem se aquecendo num ritmo duas vezes maior do que o do restante do mundo. De acordo com Schuur, até mesmo o carbono aprisionado antes da aurora da civilização humana já está sendo liberado na atmosfera.

Nas regiões árticas como o Alasca, o degelo e a decomposição da matéria orgânica, como restos de plantas e animais, emitem vasta quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera

As florestas da taiga crescem e se decompõem sobre o permafrost. Seu degelo envia toneladas de gases de efeito estufa para a atmosfera. Abaixo, cientistas do Instituto de Estudos do Permafrost, em Yakutsk, na Sibéria, monitoram o solo.

Impacto duradouro

O degelo ártico no verão está mudando a profundidade do solo examinada pelos cientistas. Em áreas pesquisadas do Alasca o degelo ia de alguns centímetros a menos de um metro, mas agora observam-se derretimentos de até três metros. O permafrost pode se estender por centenas de metros abaixo da superfície, mas por enquanto o problema se limita aos níveis superiores.

No quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC), divulgado em 2007, a questão do permafrost nem sequer foi abordada. O assunto, porém, torna-se inevitável num momento em que a emissão de GEE não para de subir e a concentração de CO2 na atmosfera se aproxima perigosamente do nível de 400 partes por milhão (teto para que a elevação média de temperatura se limite a 2°C).

De acordo com a equipe de 41 cientistas do Permafrost Carbon Research Network, que publicou um estudo sobre o tema na revista Nature em novembro, as quantidades de GEE emitidas a partir do permafrost estão crescendo a cada ano. “Calculamos que o degelo do permafrost liberará a mesma ordem de magnitude de carbono que o desmatamento, se os atuais índices de desmatamento continuarem”, escrevem os autores no texto.

Para ressaltar a ameaça do permafrost, a professora Katey Walter Anthony, da Universidade do Alasca em Fairbanks, participante do grupo e coautora do estudo, divulgou mundialmente uma fotografia tirada no campus da universidade, na qual ateia fogo numa fresta de vazamento de metano em uma lagoa congelada no campus da universidade. As chamas se elevam até um ponto acima de sua cabeça. “Lugares com vazamentos como esse estão em toda parte. Estamos atingindo carbono antigo, que ficou armazenado no solo por 30 mil ou 40 mil anos”, disse ela.

 

Expansão para baixo

Permafrost, ou pergelissolo em português, significa solo permanentemente congelado, sendo o “permanente” definido como a continuidade, por dois ou mais anos, do registro de temperaturas abaixo de zero grau centígrado na superfície.

O principal fator formador de permafrost é o clima: nas áreas onde ele incide a temperatura média do ar é igual ou inferior a 0°C. Típico de altas latitudes, esse clima se caracteriza por invernos longos e gelados, com pequena precipitação de neve, e verões curtos, frios e relativamente secos.

Além de manterem o permafrost sólido, as baixas temperaturas impedem a decomposição de matéria orgânica e o movimento descendente de água. Nas áreas de temperatura abaixo de 0°C, uma parte do solo congelado durante o inverno não descongela ao longo do curto verão. Com isso, novas camadas de permafrost se formam e se expandem para baixo a cada ano, a partir do solo congelado no inverno. O resultado é que em algumas áreas há camadas de até mais de 700 metros de profundidade.

O congelamento e o descongelamento cíclico das águas subterrâneas situadas nas camadas superficiais fazem o solo se deslocar e se mexer, o que resulta em modificações estruturais consideráveis, um problema sério para a segurança e a construção de edifícios, estradas e obras de infraestrutura no Canadá e na Sibéria.

A previsão do Permafrost Carbon Research Network é dramática, considera o pesquisador brasileiro Jean Ometto, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Na realidade”, explica ele, “a estimativa de emissões do metano do permafrost nos próximos 30 anos baseia-se na premissa de que o aquecimento global é um processo contínuo e crescente.

Assim, parte do solo congelado nas regiões boreais descongelaria e a decomposição intensa da enorme quantidade de matéria orgânica liberaria uma quantidade muito grande de metano. Caso isso realmente aconteça, a concentração de metano na atmosfera aumentaria signifi cativamente, o que retroalimentaria o processo, provocando um maior aquecimento da atmosfera.”

Segundo a equipe do Permafrost Carbon Research Network, já entramos num ciclo de retroalimentação. Fatores determinados pelas emissões de combustíveis fósseis estão aquecendo o planeta. Isso faz o permafrost degelar, liberando mais GEE, o que incrementa a elevação de temperatura. “É importante controlarmos os níveis de emissões atuais para que o aquecimento global não extrapole os 2°C, em relação ao período pré-industrial. Se conseguirmos, parte do problema do degelo do permafrost seria contornada”, observa Ometto.

Mantendo-se o atual ritmo de emissões, entretanto, interromper o processo de retroalimentação será bastante difícil. A alternativa mais viável para amenizar a ameaça do permafrost, segundo Edward Schuur, é controlar as emissões originárias de combustíveis fósseis e reduzir o desmatamento – duas atitudes que a humanidade ainda reluta muito em tomar.