O custo de uma guerra é incalculável. Como estimar quanto valem milhares de vidas, ou a saúde física emental dos sobreviventes, ou os prejuízos materiais e humanos nos países atingidos pelo conflito? Muitos podem alegar que, diante de uma ameaça como Hitler, o desembolso é o que menos importa. Mas sempre é bom ter alguma medida do esbanjamento em meio à insânia – ela pode, pelo menos, inibir os sonhos bélicos de governantes que vivem com o dedo no gatilho.

Foi o que Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia em 2001, execonomista- chefe do Banco Mundial e professor da Columbia University, decidiu fazer em 2005 a respeito da Guerra do Iraque. Naquele ano, ele e Linda Bilmes, professora de economia em Harvard, notaram que, numa estimativa do Escritório de Orçamento do Congresso americano, o conflito iniciado em 2003 havia consumido até então cerca de US$ 500 bilhões. Stiglitz e Linda acharam o valor tão baixo que se puseram a investigar o tema. O resultado foi um artigo publicado em janeiro de 2006 no qual eles elevaram os gastos para algo entre US$ 1 trilhão e US$ 2 trilhões (uma estimativa conservadora, ele admite hoje).

Em resposta, o presidente George W. Bush declarou que seu país não ia à guerra baseado nos cálculos de contadores ou economistas. Outros críticos frisaram que Stiglitz e Linda haviam olhado apenas para os gastos, e não para os benefícios da guerra.

A dupla resolveu então ir mais fundo na pesquisa e, depois de meses lidando com números intencionalmente nebulosos ou ocultos, chegou a um número assombroso, exposto no livro The Three Trillion Dollar War (lançado em fevereiro pela Allen Lane): as operações no Iraque e no Afeganistão deverão custar aos Estados Unidos mais de US$ 3 trilhões, e outros US$ 3 trilhões ao resto do mundo – uma estimativa ainda conservadora, diz Stiglitz.

Talvez mais importante do que os valores seja a metodologia criada por Stiglitz e Linda para chegar a tal resultado. Eles descrevem o processo, detalham custos e conseqüências de decisões míopes de orçamento. Com isso, criaram um grande painel do esbanjamento no Iraque e no Afeganistão, no qual se misturam uma compreensível confusão e uma preocupante má-fé.

Até fevereiro, as operações militares americanas (sem considerar itens como os futuros tratamentos dos feridos) custavam, por dia, mais do que os 12 anos em que os EUA combateram no Vietnã e o dobro do que lhes custou a Guerra da Coréia. Os americanos só gastaram mais na II Grande Guerra: US$ 5 trilhões (valor atualizado) num conflito em que 16,3 milhões de militares lutaram durante quatro anos em vários locais do mundo. Cada tropa daquela época consumiu, em valores atuais, US$ 100 mil; cada tropa no Iraque custa quatro vezes mais.

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A cada mês os EUA gastam US$ 16 bilhões (o orçamento anual da ONU) no Iraque e no Afeganistão, além dos US$ 500 bilhões de despesas regulares anuais do Departamento de Defesa. E, assim como em países não desenvolvidos, muito dinheiro é desviado no caminho, incluindo o Departamento de Defesa (no qual há dez anos não se faz uma auditoria rigorosa).

A DESINFORMAÇÃO é artigo comum nesse caso e, para exemplificálo, Stiglitz e Linda citam a operação deflagrada em janeiro de 2007 no Iraque. Segundo a administração Bush, a iniciativa custaria US$ 5,6 bilhões. Um exame mais atento, porém, mostrou que o valor se referia apenas às tropas de combate, e por um período de quatro meses. Nele não estavam incluídos os gastos com as tropas de apoio (entre 15 mil e 28 mil pessoas), com as indenizações por morte dos militares ou com o tratamento dos feridos (em vez da equação tradicional de um morto para cada dois feridos, essa guerra mostra um para cada 15). Além disso, Stiglitz e Linda descobriram que a lista oficial de feridos contém um truque: ela só apresenta os feridos em combate. Quem se machucou em treinamento, queda de helicóptero ou ficou doente vai para uma lista não divulgada de “feridos durante operações de nãocombate”. Quem é tratado no campo de batalha não vai para lista nenhuma.

Como o Department of Veteran Affairs, encarregado de cuidar dos feridos, trabalhou desde os primeiros anos desse conflito com orçamentos preestabelecidos e ainda atende veteranos da Guerra do Vietnã, seus recursos são insuficientes para a enorme demanda vinda do Oriente. Muitos desses combatentes não têm outra alternativa a não ser os serviços de saúde particulares. O cálculo de US$ 3 trilhões considera todos esses custos – inclusive o tratamento, pelos próximos 50 anos, de veteranos com os piores ferimentos já vistos pelos cirurgiões militares em suas carreiras.

Cada vez mais impopular (acima, manifestação antiguerra em Washington), a guerra tem o efeito perverso de criar um número enorme de feridos (à direita, veterano paraplégico) cujo tratamento consumirá fortunas durante anos.

Os exemplos da “completa inconsistência intelectual” na condução da guerra e seus efeitos na economia são incontáveis, ressalta Stiglitz. Só em 2006 veículos com blindagem resistente a minas substituíram os Humvees, cujo motor não é blindado – um descuido que custou a vida de 1.500 americanos, além das perdas materiais. Empresas iraquianas que poderiam atuar na reconstrução do país foram preteridas em favor de organizações americanas – o que, num serviço de pintura, elevou o preço de US$ 5 milhões para US$ 25 milhões. (A propósito, a Halliburton – que Dick Cheney dirigiu antes de se tornar o vice-presidente de Bush – recebeu pelo menos US$ 19,3 bilhões em contratos por serviços no Iraque, a maioria sem licitação.) Medidas econômicas tomadas por Paul Bremer (o primeiro chefe da Autoridade Provisória de Coalizão) expuseram totalmente as companhias iraquianas, habituadas a uma economia fechada, à livre concorrência – o que levou várias delas a fechar as portas, deixando mais gente sem trabalho. Por seu lado, as empresas americanas contratadas, na ânsia de aumentar seus lucros, importaram mão-de-obra mais barata de países como Nepal e Filipinas. Resultado: atualmente, um de cada dois iraquianos está desempregado.

BUSH BAIXOU os impostos enquanto ia à guerra, e isso tem um efeito desastroso, explicam Stiglitz e Linda. Os americanos ficaram sem noção do custo do conflito e, para sustentar as despesas, o governo foi atrás de empréstimos externos – que acarretam gastos de US$ 200 bilhões por ano em juros, o que em 2017 deve agregar ao gasto geral mais uns US$ 3 trilhões. Como o dinheiro vem de fora, principalmente da China, pode-se dizer, segundo Stiglitz, que os chineses estão financiando a guerra de Bush.

O petróleo é um capítulo à parte. Se um dos motivos para atacar o Iraque era garantir muito óleo a preço barato e, assim, custear a guerra, o tiro saiu pela culatra: o valor do barril foi de US$ 25 para mais de US$ 100, para alegria apenas dos países exportadores e das empresas petrolíferas. Esse aumento significa para os EUA um gasto adicional de US$ 25 bilhões por ano somente em importações – sem contar o impacto disso nos orçamentos de famílias, cidades e estados. A conta dos países industrializados da Europa e da Ásia também aumentou em US$ 1,1 trilhão. Mas o efeito mais dramático está nos países em desenvolvimento: segundo um estudo da Agência Internacional de Energia em 13 países africanos, o aumento “teve o efeito de baixar a renda média em 3% – mais do que contrabalançando todo o incremento na ajuda externa recebida por essas nações nos últimos anos e criando o cenário para outra crise nesses países”.

Os imensos gastos com armas (soldado vistoria lança-foguetes) incluem desperdícios como o dos Humvees, veículos cujo uso inadequado levou 1.500 soldados à morte.

Eis aí uma parte dos gastos impostos pela guerra ao resto do mundo. O estudo de Stiglitz e Linda contém vários outros: a destruição da economia iraquiana, as dezenas de milhares de iraquianos mortos, o custo de absorver milhares de refugiados imposto aos países vizinhos, os militares mortos e feridos de outros países da coalizão liderada pelos EUA… A esse respeito, Stiglitz mostra-se bastante incisivo: “Isso é parte da economia global. Você faz um erro dessa ordem e ele afeta as pessoas em todo o mundo.”

Como sair desse imbróglio? A eleição presidencial de novembro nos EUA será decisiva para a economia mundial, avalia Stiglitz. Para o economista, o país deve deixar “rapidamente, e de maneira digna” o Iraque, investindo algum dinheiro lá para os iraquianos reconstruírem seu país, e ter uma quantia pelo menos suficiente para desempenhar um papel responsável no mundo. Em seu livro, ele e Linda listam 18 pontos essenciais para orientar como conduzir e custear uma guerra daqui para a frente – um deles, por exemplo, é constituir uma taxa de guerra, a fim de que os cidadãos percebam quanto estão gastando com essa empreitada.

STIGLITZ OBSERVA: “Enquanto estávamos preocupados sobre armas de destruição em massa que não existiam no Iraque, elas de fato existiam na Coréia do Norte. (…) E enquanto estávamos lutando no Iraque, o Afeganistão ficou pior, o Paquistão ficou pior. Porque estávamos lutando batalhas que não podíamos vencer, perdemos batalhas que poderíamos ter ganho.” Basta ver o que o dinheiro gasto nessas ações poderia ter feito pela sociedade para ver quantas batalhas mais importantes estão sendo perdidas.