Ao pôr o pé na Lua, em 1969, o astronauta norte-americano Neil Armstrong tornou-se o primeiro homem a pisar o solo de outro corpo celeste e, como tal, um herói da nossa raça. Mas sua missão envolvia uma tarefa bem mais prosaica, repetida por seus sucessores das missões Apollo: recolher rochas lunares e trazê-las para estudos. Os cientistas queriam saber não apenas detalhes da origem delas, mas também se havia ali vestígios de água, uma substância crucial para a pesquisa e a exploração espacial. A resposta, pelo menos de início, foi desanimadora: não havia nenhum sinal do líquido em nosso satélite.

Com o passar do tempo, porém, a certeza inabalável dos cientistas sobre a completa aridez da Lua foi dando lugar à dúvida. Suspeitava-se que zonas permanentemente livres da luz solar, como o interior de determinadas crateras nas regiões polares, poderiam conter gelo. A água também poderia estar presente no interior de rochas. Em 2008, pesquisadores norte-americanos que utilizaram o método de espectometria de massa de íons secundários (SIMS, na sigla em inglês) descobriram evidências de água em vidros vulcânicos lunares – rochas semelhantes a seixos depositadas na superfície da Lua após uma erupção vulcânica.

Para esclarecer a questão, os cientistas se mobilizaram. A Nasa, agência espacial norteamericana, desenvolveu um radar colocado na sonda indiana Chandrayaan-1, enviada à Lua ainda em 2008, e pesquisadores anunciaram em setembro do ano passado que os dados coletados pelo aparelho registraram a presença de pequenos filamentos de H2O (a fórmula química da água) em diversos pontos do solo lunar. Alguns dias depois, em 9 de outubro, um pequeno foguete da missão Lunar Crater Observation and Sensing Satellite (LCROSS), da própria Nasa, chocou-se contra a cratera Cabeus, de mais de 90 quilômetros de largura, localizada perto do polo sul do satélite. O calor intenso causado pela colisão fez com que grãos de gelo e outras substâncias congeladas por bilhões de anos evaporassem – um processo avaliado em seguida por outra nave, cujo destino também foi destroçar-se contra a Lua.

O resultado obtido pela LCROSS endossou os dados da Chandrayaan-1 e do SIMS: a Lua tem água, sim. As primeiras avaliações davam conta de um volume minúsculo. “É seguro dizer que não é um lago congelado com uma superfície perfeitamente congelada”, comentou em coletiva o cientista responsável pela missão LCROSS, Anthony Colaprete. “[A água] estaria provavelmente misturada na superfície.” A fim de dar uma noção do volume de líquido estimado, o pesquisador Lawrence Taylor, da Universidade do Tennessee (EUA), que trabalhou com os dados da Chandrayaan-1, fez a seguinte comparação para a BBC: “Se você tiver um metro cúbico de solo lunar, poderá tirar um litro de água dele.”

 

Lançada em 2008, a sonda Chandrayaan-1, primeira missão da Índia à Lua, levou sofisticados equipamentos para fazer um mapeamento completo das características químicas e topográficas da superfície do satélite. A imagem à esquerda, obtida por ela, mostra a incidência de água (identificada pela cor azul) nas regiões polares.

A novidade de uma Lua úmida não animou muito uma parte da comunidade científica. O físico norte-americano Robert Park, da Universidade de Maryland e um cético a respeito da utilidade de voos espaciais tripulados, declarou que a notícia significava “praticamente nada” em termos de esperanças futuras quanto a uma base ou colônia na superfície lunar.

Mas o quadro mudou de novo em 2010, e de maneira ainda mais surpreendente. Depois de analisar pelo SIMS o mineral apatita contido em rochas lunares e em um meteorito lunar recolhido no norte da África, uma equipe norte-americana divulgou em junho, em artigo na revista PNAS, que há pelo menos 100 vezes mais água em minerais do nosso satélite do que se imaginava antes. Segundo o líder do grupo, Francis McCubbin, do Carnegie Institution for Science, em Washington, o teor de água na Lua varia de 64 partes por bilhão para 5 partes por milhão.

Um importante componente do esmalte dos dentes e ossos, a apatita pode reter melhor a água do que o vidro vulcânico. McCubbin e sua equipe analisaram especificamente a hidroxila (um composto químico que contém um átomo de oxigênio e outro de hidrogênio) contida no mineral. As avaliações feitas resultaram num volume de água equivalente a cerca de 56.700 quilômetros cúbicos, ou 2,5 vezes o volume contido nos Grandes Lagos da América do Norte. “Se você pegasse toda a água que está dentro das rochas da Lua e a pusesse na superfície, ela faria uma camada de um metro de espessura cobrindo o solo”, afirmou o cientista à BBC.

A cratera Cabeus, situada a 100 quilômetros do polo sul lunar, onde a sonda norte-americana LCROSS descobriu água. Na página ao lado, concepção artística da jornada da LCROSS rumo à cratera.

Mas de onde viria a água lunar? Para cientistas como McCubbin, ela já estava presente no início da vida da Lua. Segundo ele, o satélite provavelmente foi formado após a colisão de um corpo espacial do tamanho de Marte com a jovem Terra, há cerca de 4,5 bilhões de anos. A Lua surgiu com a fusão e o posterior resfriamento dos fragmentos resultantes do choque. Naquela época, afirmou o cientista, a Lua possuía um oceano de magma. Nesse magma havia água, a qual provavelmente subiu para a superfície por meio da atividade vulcânica. As erupções eliminaram a maior parte dessa água, mas alguma coisa restou, observou McCubbin: “Gosto de usar a analogia de alguém que está tentando fazer cerveja sem álcool. Sempre vai sobrar um resto de álcool.”

 

Outros cientistas defendem que parte da água lunar não tem origem no próprio satélite, mas em cometas. É o caso de Jim Greenwood, da Wesleyan University, e de Lawrence Taylor. De acordo com eles, nos primeiros momentos da formação da Lua havia um grande número de cometas colidindo com ela. Como uma parte significativa desses corpos é constituída de gelo, Greenwood e Taylor consideram que os cometas que se chocaram contra a Lua lhe forneceram uma grande quantidade de água. Parte dela se manteve no satélite, armazenada no fundo de crateras não iluminadas pelo Sol.

Taylor e outros cientistas propõem uma terceira hipótese, mais ousada, para a água lunar, ou pelo menos para um reduzido volume dela: ela seria produzida diariamente, a partir do encontro do fluxo de hidrogênio ionizado levado pelo vento solar com o oxigênio contido em rochas do satélite. Dados obtidos pelas sondas Chandrayaan- 1 e Lunar Prospector (esta última lançada em 1998) mostraram indícios do que Taylor chama de “orvalho lunar”: uma pequena quantidade de água espalhada por toda a superfície do satélite. A variação diária da força do sinal de água captada pelas naves indica que, de alguma forma, essa água de superfície é produzida no amanhecer lunar, antes de ela ser evaporada pelas elevadas temperaturas do dia do nosso satélite (equivalente a duas semanas terrestres).

As notícias a respeito da presença de água na Lua surgiram na esteira de um renovado interesse científico pelo nosso satélite natural. Nosso satélite tem sido o objetivo de missões não apenas das potências espaciais de maior tradição (Estados Unidos e Rússia, a herdeira do espólio científico da União Soviética), mas também de emergentes na área: China, Índia e Japão. Enquanto os dois últimos têm vasculhado a superfície lunar a distância (os japoneses a partir de imagens de altíssima definição obtidas por sua sonda Selene, que entre 2007 e 2009 orbitou o satélite a 100 quilômetros de altitude), os chineses já se planejam com vistas a uma missão tripulada até a Lua – e, caso tudo corra conforme o previsto, serão os primeiros a chegar lá depois dos norte-americanos.

Por trás de todas essas pesquisas há uma ideia perceptível: o estabelecimento de uma base habitada no nosso satélite. Explorar o espaço a partir de lá seria mais fácil, sem os obstáculos representados pela atmosfera e pela gravidade da Terra – que, para uma decolagem, exigem motores muito potentes e enorme consumo de combustível. Construir uma base lunar, porém, implica saber como conseguir água – para abastecimento, para gerar o oxigênio necessário à nossa respiração e para preparar combustíveis destinados a foguetes.

Por isso mesmo, as novidades trazidas pelos cientistas parecem tão animadoras. “Se encontrarmos água em quantidade suficientemente grande, ela poderá ser usada como um recurso para a exploração humana”, havia dito o físico Gregory Delory, da Universidade da Califórnia em Berkeley, quando foram divulgados os resultados do choque da LCROSS contra a cratera Cabeus. O volume de água necessário realmente existe – e essa confirmação certamente vai abrir um novo capítulo na exploração do espaço pelo homem.

 

Da aridez à umidade

40 anos atrás, as primeiras análises das rochas trazidas pelas missões Apollo indicavam que a Lua não tinha água.

2008 foi o ano em que o uso da espectometria de massa de íons secundários nessas rochas mudou a perspectiva científica sobre o assunto.

650 milhões de toneladas de gelo estariam no polo norte lunar, de acordo com uma avaliação da Nasa feita em março.

-240ºC é a temperatura nos polos da Lua, o que permite que o gelo seja bem preservado nessas regiões do satélite.

56.700 quilômetros cúbicos de água estão contidos na apatita lunar, divulgaram cientistas norteamericanos em junho. O valor equivale a 2,5 vezes o volume de água dos Grandes Lagos da América do Norte.

 

As próximas missões

Chang’e – Iniciada em 2007, essa série chinesa de três sondas não tripuladas vai testar uma forma de pouso suave no solo lunar e explorar locais de alunissagem para futuras missões tripuladas. A segunda nave deve partir ainda este ano.

Gravity Recovery and Interior Laboratory – Essas duas naves gêmeas norte-americanas orbitarão a Lua a partir de setembro do próximo ano para mapear seu campo magnético à procura de indicações sobre a estrutura interior do satélite.

The Lunar Atmosphere and Dust Environment Explorer – Outra sonda da Nasa, deverá partir em 2012 para medir a densidade e a composição da poeira lunar e verificar sua variação mensal.

Luna-Glob 1 – Nave russa que entrará na órbita lunar em 2012 para estudar o interior do satélite e prospectar recursos minerais, com vistas à eventual instalação de uma base ali.

Chandrayaan-2 – Programada para 2013, essa missão conjunta russo-indiana planeja levar uma nave à órbita lunar e um veículo ao solo do satélite. Além de analisar a superfície lunar, a missão pretende avaliar novas tecnologias, tais como um sistema de imagens a laser.

Google Lunar X-Prize – Prevista para o fim de 2014, essa competição, com investimentos basicamente privados, pretende levar um robô a pousar suavemente na Lua, percorrer 500 metros e então

MoonRise – Ainda sem data programada (mas provavelmente concluída até 2019), essa missão da Nasa enviará um robô à cratera Aitken, no polo sul lunar, a fim de recolher rochas que podem ajudar a explicar a origem da Lua.

Texto: eduardo@planetanaweb.com.br