Uma comunidade geocientífica de biólogos, arqueólogos, historiadores, meteorologistas e astrofísicos está mergulhando fundo no passado para examinar a velocidade com que ecossistemas e civilizações são capazes de se recuperar de eventos catastróficos. 

Inserida no Programa Internacional de Geociência (parceria entre a Unesco e a União Internacional de Ciências Geológicas), a iniciativa do Papel das Catástrofes Ambientais do Holoceno na História Humana proporciona uma visão mais completa da história antiga do Egito, reunindo os fatos que deixaram os faraós de joelhos há 11 mil anos e também permitiram ao país se recuperar deles. 

Com o crescente reconhecimento de que grandes eventos naturais, climáticos e ecológicos podem ter impactos globais bruscos, esse projeto é um momento oportuno para avaliar a sensibilidade da sociedade moderna em relação a ameaças naturais extremas. 

De acordo com a pesquisa, há cerca dee 11.300 anos o que hoje é o deserto do Saara estava salpicado de lagos. Havia uma diversifi cada vida selvagem de girafas, hipopótamos, leões, elefantes, zebras, gado e cavalos vagando em pastagens ricas em água que recebe riam dez vezes mais chuvas do que hoje.

Aproximadamente 9 mil anos atrás, grande parte do Saara estava colonizada por pastores. Eles prosperaram por mais de 3 mil anos, até que uma mudança no cinturão das monções, rumo a latitudes mais baixas, levou as chuvas potenciais para longe da África, gerando secas catastróficas. Os pastores do Saara se refugiaram no Sahel (a longa faixa de terra árida ao sul do Saara que cruza toda a África), nas terras altas saarianas e no vale do rio Nilo. Nesses lugares surgiram várias culturas africanas importantes, incluindo a do Egito faraônico. 

Sedentarismo

Os povos que se instalaram no vale do Nilo foram forçados a abandonar o pastoreio nômade por falta de chuvas de verão. Em consequência, adotaram um modo de vida agrícola. Pequenas comunidades sedentárias gradualmente se fundiram em grandes grupos sociais. 

Há 5.200 anos, o primeiro faraó, Menes, conseguiu unifi car o Alto e o Baixo Egito em um único Estado, com Mênfi s como capital, iniciando o Império Antigo. Um período longo de prosperidade se seguiu, caracterizado por abundantes inundações do Nilo, que produziram generosas colheitas de grãos.

Várias dinastias de faraós aproveitaram a prosperidade para lançar ambiciosos programas de construção de pirâmides com o objetivo de conceder a si mesmos um túmulo digno de sua categoria. Os soberanos impuseram autoridade sobre a população ao reivindicarem para si o poder divino de interceder junto aos deuses a fi m de assegurar que o rio Nilo inundaria a cada ano, uma aposta arriscada. 

A estratégia funcionou perfeitamente até 4.200 anos, quando as colheitas falharam por seis longas décadas. A redução das chuvas nas cabeceiras etíopes do Nilo, durante um prolongado ciclo do El Niño, provocou uma seca tão longa e grave que o rio podia ser atravessado a pé. Com os faraós impotentes para evitar a fome, os governantes regionais acabraram tomando o controle.

Foram necessários 100 anos para o Egito voltar a se reunifi car e pôr fi m ao século de caos político e social do Primeiro Período Intermediário. Com o retorno da estabilidade veio o Império Médio, em 2.000 a.C, com a ascensão do faraó Amenhemet I. A partir daí, os reis não cometeram o mesmo erro. Para evitar o destino de seus antecessores imprevidentes, desde então o país passou a investir maciçamente em irrigação e armazenagem de grãos.