Os primeiros carros do gênero deverão chegar ao mercado em 2015, nos Estados Unidos. Mas não será fácil criar um marco regulatório, com normas de trânsito e de pilotagem, para uma nova modalidade de tráfego.

Nas primeiras décadas do século XX, ter um automóvel era sinônimo de liberdade para ir aonde se quisesse, numa época em que poucas pessoas podiam se dar a esse luxo. Um século depois, a indústria automobilística é uma potência global, ter carro é corriqueiro e só a cidade de São Paulo, com 11 milhões de habitantes, possui 7 milhões de veículos registrados.

Com uma frota dessas não há melhoria no transporte coletivo urbano que dê conta de destravar o trânsito como nos velhos tempos. Daí a projeção de um outro sonho, restrito novamente a privilegiados: ter um veículo que trafegue por terra e ar, passível de ser guardado na garagem e decolar ou pousar sem necessidade de pistas. Em termos de sonho, não chegamos à era da família Jetson, mas estamos a caminho. 

“O benefício potencial de um carro voador prático é tremendo. Pelo menos 6% dos americanos desejam um, 19 milhões de pessoas”, afirma Carl Dietrich, presidente da empresa americana Terrafugia. Baseada em Massachusetts, a companhia está na dianteira do setor com o aerocarro Transition, criado em 2006, considerado apto para trafegar nos EUA, no ano passado, tanto pela Federal Aviation Administration quanto pela National Highway Traffic Safety Administration. 

O Transition chegará ao mercado em 2015 depois de mais testes. O veículo ainda exige pista curta para decolar, mas possui asas dobráveis e pode ser guardado na garagem. O conceito pressupõe rodar até um aeroporto, decolar (com um piloto e um passageiro), atingir 185 km/h de velocidade no ar e voar até mil quilômetros usando gasolina de 91 octanas (equivalente à gasolina premium brasileira). O preço, US$ 300 mil, equivale ao de um Cessna 172, o avião pequeno mais popular do mundo. O custo não chega a ser empecilho para os atuais 100 privilegiados da sua lista de pedidos.

Enquanto o Transition está sendo preparado para a estreia nos EUA – já que nenhum outro país autorizou seu uso –, a Terrafugia já planeja outra novidade avançada: o TF-X, um aerocarro híbrido dotado de asas e hélices dobráveis, desenhado para quatro pessoas (piloto e três passageiros). Seus atrativos são a simplicidade no manuseio e a facilidade para decolar verticalmente, como um helicóptero. Em voo, as hélices são recolhidas e um motor de 300 hp propulsiona o aparelho, que atinge a velocidade de até 320 km/h. O veículo deverá atender a preocupações especiais com segurança, como paraquedas de emergência e sensores automáticos para evitar tráfego aéreo, mau tempo e espaços restritos a aeronaves maiores. Mas ainda deverá enfrentar uma bateria de testes rigorosos e problemas regulatórios.

Segundo Dietrich, “aprender a operar o TF-X com segurança não tomará mais de cinco horas de um motorista mediano”. Prevê-se que o projeto fique pronto em 2025, a um preço unitário “comparável ao dos mais luxuosos carros atuais”, promete o executivo.

Mercado lento

Quem está mais próximo da Terrafugia no novo mercado é a PAL-V, da Holanda, que planeja lançar um carro-helicóptero em 2016. O modelo PAL-V One, com hélices dobráveis, pode levar o piloto e um passageiro à velocidade de 180 km/h tanto no ar quanto em terra, com autonomia de combustível para voar 500 km e rodar 1.200 km. O preço calculado é indigesto: 500 mil euros (cerca de US$ 676 mil). Apenas 45 unidades deverão ser postas inicialmente à venda.

“Não esperamos vender milhões, levará tempo para desenvolver esse mercado”, afirma o engenheiro- chefe Mike Stekelenburg. A aposta é comercializar 600 veículos por ano, por enquanto. Terrafugia e PAL-V investem num mercado que ainda não dispõe de regulação. Por enquanto, os projetos de aparelhos aparecem em peças publicitárias, voando sobre cidades ou campos verdejantes. Mas como seria se milhares de veículos desse tipo viajassem ao mesmo tempo rumo a um estádio de futebol ou um shopping center? Como organizar esse tráfego? Os pilotos precisarão de carteira de motorista e de brevê? 

Normas estritas do trânsito e de pilotagem terão de ser estabelecidas. Nesse sentido, cinco instituições de pesquisa da Inglaterra, Suíça e Alemanha já estão trabalhando no projeto myCopter, que conta com um subsídio de US$ 4,7 milhões da União Europeia: Universidade de Liverpool, Escola Politécnica Federal de Lausanne, Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique, Instituto Max Planck de Biologia Cibernética e Instituto de Tecnologia de Karlsruhe. 

O objetivo da iniciativa conjunta é estudar o ambiente de voo e preparar os indivíduos para conduzir os aparelhos, tornando a pilotagem o mais fácil possível. Para tanto, as instituições criaram simuladores e veículos aéreos de teste em terceira dimensão. Os resultados obtidos ajudarão a aprimorar a interface homem-máquina e compreender os problemas regulatórios, além de favorecer o surgimento de melhorias técnicas nas aeronaves.

“Nosso objetivo é desenvolver tecnologias que poderão ser usadas para formatar um novo sistema de transporte para viagens pessoais, na verdade uma nova modalidade de tráfego, levando em conta a expectativa dos usuários e a reação do público”, sintetiza Heinrich Bülthoff , do Instituto Max Planck. Dadas as condições precárias do trânsito em muitas cidades, doses extremas de cautela serão necessárias.