No imaginário humano, Marte já havia passado de planeta com uma civilização rival da nossa a um mundo desértico e estéril, sem água nem atmosfera capaz de suportar vida. Mas as expedições científicas enviadas para lá estão mudando novamente o nosso conceito sobre o planeta vermelho. A mais recente novidade veio no fim de setembro, em uma conferência de imprensa promovida pela Nasa, a agência espacial americana: existe água na forma líquida em Marte. Ela é salgada e corre apenas no verão, mas deixa marcas visíveis da sua ação no solo.

A descoberta faz de Marte o primeiro corpo celeste, além da Terra, a abrigar com certeza água nesse estado. A existência de água já havia sido constatada no planeta em estudos feitos a partir de imagens de satélite e de robôs como o Opportunity, da Nasa. A partir desses dados, a agência construiu uma hipótese sobre a história da água em Marte, segundo a qual a substância teria sido abundante por lá 3,8 bilhões de anos atrás. Nessa época, a atmosfera marciana, muito mais densa, possibilitava temperaturas mais altas, o que permitia a existência de água líquida.

A intensa atuação do vento solar na atmosfera, porém, teria reduzido a densidade atmosférica, e o ar passou a escapar para o espaço. Com isso, a pressão diminuiu, as temperaturas caíram e, em consequência, a água foi sumindo da superfície. Há 2 bilhões de anos só restava um pequeno mar perto do polo norte do planeta; 1 bilhão de anos depois , a água em estado líquido havia praticamente sumido da superfície. Restaram grandes extensões de gelo nos polos e uma porcentagem insignificante (0,01%) de vapor d’água na atmosfera.

A novidade anunciada pela Nasa em setembro, abordada em uma pesquisa publicada pela revista Nature Geosciences, refere-se à análise de dados coletados pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter, que desde 2006 orbita Marte para estudar a história da água marciana. Segundo o trabalho, em quatro locais avaliados – leitos de cerca de 100 metros de comprimento e menos de 5 metros de largura – há estrias com sais minerais hidratados (que contêm moléculas de água na sua composição). Na cratera Hale já haviam sido detectados esses sais, provavelmente uma mistura de clorato de magnésio, perclorato de magnésio e perclorato de sódio. Sua presença na água permite que ela só congele a -23ºC.

Diferenças sazonais

Imagens de alta resolução revelaram que as estrias surgem nas encostas da cratera durante as estações quentes de Marte, alongam-se e depois desaparecem nas estações frias. O comportamento diferente ao longo das estações indica que a água líquida faz essas estrias. Uma equipe internacional de cientistas criou um método para analisar essas imagens e chegou a duas conclusões: 1) há sais hidratados nos quatro locais estudados; 2) não existem sinais de sais nas áreas em volta das estrias. Portanto, afirmam, há uma relação entre as estrias, os sais e o fluxo de água líquida. “A detecção de sais hidratados sobre as encostas [e não em torno] significa que a água tem um papel crucial na formação dessas estrias”, afirma o líder da equipe, Lujendra Ojha.

A descoberta reforça a hipótese da existência de vida, mesmo que microscópica, em Marte. Ela também dá mais segurança a uma expedição tripulada ao planeta, pois os astronautas poderiam obter água ali, mesmo que em condições complexas. “A viagem a Marte ficou ainda mais fascinante”, comemorou o diretor de ciências planetárias da Nasa, Jim Green, na conferência de setembro. O entusiasmo tem bons motivos para se expandir, lembra o astrofísico inglês Chandra Wickramasinghe mencionando outras recentes descobertas que sugerem a existência de água líquida em Encélado (lua de Saturno) e Plutão: “No contexto cósmico, o nosso sistema planetário é um lugar pequeno e tende a ser intimamente interligado. A existência de água por toda parte significa vida por toda parte.”

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