Observar atentamente a pintura de Frida Kahlo (1907-54) ajuda a compreender seu sofrimento. Suas telas representam a fragilidade física e emocional de uma mulher cuja arte nasceu da dor, além do engajamento corajoso que se tornou símbolo da luta feminista. Obcecada por traduzir sua identidade mexicana e terceiro-mundista em uma arte de raízes, Frida pintava com sentimento sanguíneo e exacerbado, transformando em expressão de arte suas conturbadas emoções.

Seu marido, Diego Rivera (1886-1957), ao contrário, tinha o ímpeto dos pintores revolucionários comunistas, que, armados de pincéis, retrataram em enormes murais nacionalistas as lutas de classes, da libertação do proletariado e da saga indígena.

À esquerda, Diego e Frida num bom momento (repare a foice e o martelo no vestido). Acima, o popular Museu Frida Kahlo, na Cidade do México, onde Frida nasceu, casou-se e morreu. À direita, a pintora retratada como deusa asteca num mural do marido.

A obra de ambos reflete uma história de amor vivida entre temperamentos fortes e libertários e ainda o desafi o de expressarem suas naturezas de maneira dramática. Por isso é que a pintura de Frida e de Diego perturba o olhar dos observadores que se sentem tocados por esses artistas.

“O casamento da pomba com o elefante”, definiu a mãe de Frida, quando Diego Rivera, o maior nome da arte no México, se uniu a sua filha, em 1929. Ele, com 43 anos, era gordo e feio; ela, aos 22, era magrinha e tinha saúde frágil, devido a uma poliomielite contraída na infância e um grave acidente aos 18 anos, quando voltava da escola em um ônibus. No desastre, Frida quebrou a coluna vertebral em três lugares, sua perna direita sofreu 11 fraturas e o pé foi esmagado. O osso da bacia partiu- se. Mas não se deixou abater. Na convalescença tornou-se pintora.

Um ano após o acidente, quando Diego pintava seu primeiro mural, Frida foi procurálo na Cidade do México para mostrar um quadro e pedir sua opinião. Diego encorajou-a e imediatamente se apaixonou. “Eu pinto o que vejo; você, o que vai dentro do seu coração”, confessou, orgulhoso da amada, sem compreender como tanta agonia e poesia cabiam em uma pintura “ao mesmo tempo dura como aço e fina como asa de borboleta”.

Começou, então, um relacionamento tão apaixonado quanto turbulento, pontilhado de infidelidades, separações e reconciliações. Frida era sedutora, explosiva e tirana. Ai de quem se metesse em seu caminho. Devido ao acidente, nunca pôde dar filhos ao marido. Sabia que Diego era um dom-juan, mas sofreu ao saber que mantinha um longo caso com sua irmã – com a qual teve seis filhos. Na lista de amantes de Diego estavam atrizes como Maria Felix, Dolores del Rio e Paulette Goddard.

A “pomba” e o “elefante”: Frida Kahlo e Diego Rivera na década de 1930.

Frida também não era fiel. Além de compartilhar a bela Maria Felix, levou para a cama homens famosos, entre eles o líder revolucionário russo Leon Trotsky, exilado no México. O marido pintor, porém, era sua paixão. Os dois divorciaram-se e voltaram a casar-se, em 1940. Várias vezes a pintora tentou o suicídio.

Ambos respiravam arte, cultura e revoluções. A paixão viveu grandes momentos na Casa Azul, no bairro de Coyoacán, onde o casal morava, hoje transformada em um museu que mantém acesa sua história mítica. Ver os cavaletes, móveis, objetos, livros, fotos, a cozinha colorida onde Frida criava banquetes com pratos mexicanos, regados a tequila e acompanhados de mariachis, o jardim de cactos, seus vestidos e adereços exuberantes que evocam suas raízes astecas e maias, além dos oito sofridos coletes ortopédicos, que ela também pintou, é conhecer um dos ângulos mais vibrantes da Cidade do México.

Em um mural no Palácio Nacional, Diego representou Frida como uma deusa asteca. Na porta do estúdio dele, a pintora deixou escrito um poema íntimo que diz: “Diego mi-amante, mi-amigo, mi-madre, mi-yo, mi-universo”.