Se você só associa Amyr Klink ao mar, é hora de desembarcar dessa concepção limitada. Além de navegador, ele é economista, empresário (administra uma marina com 250 barcos que emprega mais de 250 pessoas) e um estudioso informal das cidades. “Meu esporte predileto é entender os países e as cidades, como eles nascem, crescem e se formam”, diz.

Com suas viagens e empreendimentos – são mais de 250 mil milhas navegadas e mais de 2.500 palestras, no Brasil e no exterior –, Klink desenvolveu uma percepção apurada a respeito de como a sociedade, a administração pública e o mercado poderiam funcionar melhor. Para ele, a crise atual é um momento interessante, porque “é nessas horas que começam a surgir soluções, na busca pela eficiência em todas as esferas”.

Numa manhã no CEO’s Family, evento organizado pelo Lide, grupo de líderes empresariais, no Guarujá, Klink conversou com a diretora de redação de PLANETA e deu lições valiosas de como tornar nossas vidas mais sustentáveis. Confira a seguir os melhores trechos dessa conversa.


Para o navegador, o ser humano é também o meio ambiente

 

Falta d’água

“Estamos num momento curioso porque ainda não assumimos o problema. É uma questão muito grave, de urbanismo, ética, política e, abraçando tudo isso, existe a crise econômica. Não sei até quando as pessoas vão engolir isso. As autoridades precisam assumir o problema e colocar o preço da água lá em cima. É injusto. Quem é mais pobre vai sofrer mais. Mas, como a água no Brasil é abundante e muito barata, as pessoas gastam à vontade. O preço é uma das maneiras de controlar o gasto. Em segundo lugar, temos que mudar o modo como utilizamos a água.

No barco, mantemos toda a água doce que usamos dentro de galões, assim é mais fácil medir quanto tem e economizar. Em São Paulo, pegar água da chuva é um problema, porque ela é altamente ácida, poluída, e o processo de tratamento não é simples. Mas temos que considerar. A dessalinização também é uma alternativa, mas demanda muita energia elétrica. As plantas de dessalinização trabalham com pressão e o custo elétrico é muito grande. Existem milhares de soluções interessantes.”

 

Energia nuclear

“Para estarmos preparados para crescer, temos de pensar na energia nuclear. É a mais limpa de todas. Dependendo do projeto, a planta pode resolver o problema de cidades com mais de 10 milhões de habitantes. Em grande escala, acho que não vamos escapar da energia nuclear. Não sou um entusiasta, mas, friamente pensando, em termos de impactos reais o risco é muito baixo. Se não acontecer um acidente, e se você fizer uma gestão conveniente dos detritos, é um negócio limpo pra caramba. Mas o local da nossa usina, em Angra dos Reis, foi uma péssima escolha. A região até hoje não tem rota de fuga. É um ponto vulnerável.”

 

Canais fluviais

“Infelizmente, os brasileiros têm essa adoração por carro, caminhão e estrada. Destruímos os principais polos naturais de navegação fluvial que o Brasil tinha – Rio de Janeiro, Olinda, Recife e Baixada Santista. Em vez de fazer pontes altas, para os barcos passarem por baixo, fizeram pontes baixas. Criaram-se várias áreas de exclusão – onde estão surgindo favelas. Essas áreas estão mortas, mas podiam ser um complexo de navegação maravilhoso, muito mais bonito do que o de Miami.”

 

O Sistema Cantareira

“Conheço muito bem a região. Tenho um amigo que mora lá e andamos muito de barco por ali. Acontece um problema interessante: o solo perdeu a permeabilidade. A chuva cai e não acumula. O lençol freático abaixou de maneira absurda, a tal ponto que todos os poços artesianos no entorno secaram. Houve uma modificação na densidade do solo por causa do lençol: ele se retraiu tanto que as piscinas estão rachando. Quem estava deixando as piscinas cheias para armazenar água está perdendo o líquido pelas rachaduras.”

 

Tratamento de esgoto

“O Japão era um país fedido em 1970. Não tinha como unificar o tratamento de esgoto. Eles desenvolveram um sistema capilar – cada casa, ou pequenos grupos de cinco casas, por exemplo, trata o próprio esgoto. Criaram um padrão para caixa de gordura e fossa aeróbica/anaeróbica. Hoje há um sistema todo de plástico – você não põe a mão na sujeira e não sente cheiro.”

 

Mobilidade

“Em Cingapura, já estão planejando o país para os próximos 50 anos. Daqui a 50 anos talvez não exista carro. Precisaríamos proibir totalmente a circulação de carros uma semana por ano em São Paulo, para entender o que pode acontecer. Depois aumentar essa experiência para um mês por ano. Nós estamos agredindo os usuários do metrô, do ônibus e também os motoristas de automóveis. Nada está funcionando. Está tudo superlotado. Temos que fazer uma nova rede.”

 

Sustentabilidade

“Associa-se demais o termo “sustentabilidade” à questão ambiental, mas a gente precisa entender que isso diz respeito à qualidade de vida das pessoas. O ser humano é um bicho que faz parte da floresta, ele também é o meio ambiente.”

 

Energia hidrelétrica

“A energia hidrelétrica é muito arriscada. O impacto ambiental é grande quando se criam novos reservatórios de água. O certo seria desmatar totalmente antes de criar uma represa, tirar toda a madeira, porque ela apodrece e, quando isso acontece, o desprendimento de gás carbônico é grande.”

 

Energia eólica e termelétrica

“O Brasil está com 25% da sua matriz eólica funcionando à base de gambiarra. As termelétricas existiam para suprir falhas, mas hoje estão mantendo a matriz do país funcionando. Atualmente, temos 25% da energia elétrica consumida no Brasil produzida por motores a explosão, queimando óleo diesel. Um absurdo! Os operadores de termelétricas estão apavorados. Eles foram contratados para produzir e trabalhar dois meses por ano e estão trabalhando o ano todo. Nas termelétricas, não estão dando conta de fazer as adaptações para os motores trabalharem tanto. São motores com pistão, que funcionam queimando óleo e soltando fumaça, trabalhando 24 horas por dia sem revezamento.”

 

Como economizar água em casa

“Aqui em casa (em São Paulo, no bairro de Moema), trocamos torneira, chuveiro e construímos uma cisterna de 10 mil litros, que gasta menos. Colocamos um dispositivo que faz barulho para você saber que está gastando água. Tem um efeito psicológico. Também temos um esquema de juntar água em caixote de plástico, balde, tambores.”

 

Mecanismo urbano

“O mecanismo urbano brasileiro é totalmente incongruente. Não temos códigos de obras nas cidades. Participei do júri de um programa internacional de sustentabilidade da Rolex, em Genebra, na Suíça. A conclusão deles em relação ao espaço é dramática: a única saída que vislumbraram é crescer as cidades para baixo, como o Canadá fez em alguns lugares por causa do frio. No Brasil não há uma única cidade pensando em um código de obra inteligente e padronizado. O problema que impacta tudo aqui é a eficiência. Meu esporte predileto é entender os países, as regiões, as cidades, como elas nascem, se formam, crescem. No Brasil, elas se formam errado por causa dessa política interna. Se você olhar criticamente a orla do Guarujá, vai ver que tem um desperdício brutal de inteligência, material e espaço. Toda a orla de Fortaleza é de alvenaria, que é muito mais cara que o vidro e tira toda a vista.”

 

Calçadas

“Percorri, no ano passado, dois mil quilômetros de calçada em Miami, de bicicleta. Era uma brincadeira para entender o equipamento urbano. Não existe lá uma peça fora do padrão: da guia do meio-fio, do plano da calçada, da parte da grama. No bairro de Moema, não dá para andar na calçada. Não temos um padrão urbanístico.”

 

Chuveiro

“A primeira coisa que devíamos parar de produzir é chuveiro elétrico. Por causa do consumo residencial que isso gera, somos piada no mundo inteiro. Em Fernando de Noronha, que é o lugar que mais tem vento e sol no planeta, construíram um porto para desembarcar óleo diesel a fim de acionar uma termelétrica por causa do pico de consumo de chuveiros elétricos no fim da tarde. Por que não tem chuveiro térmico de painel para aquecimento? Um crime! Chuveiro elétrico zero! Devia ser proibido. Gás e painéis de aquecimento térmico – que são uma solução barata – são as soluções para cidades como São Paulo. Na Suécia, eles montam os próprios painéis artesanalmente: compram coletores, fazem um rolo e colocam no telhado.”

 

Torneira

“A torneira de rosquear é um objeto totalmente imbecil. O conceito de torneira está errado: ela tinha que ser no pé. O painel da cozinha deveria ter um contador de vazão para sabermos nosso consumo diário. O índice médio internacional é de 120 litros por pessoa por dia. No Brasil, se consomem 140 litros e, no Rio de Janeiro, 240 litros por pessoa por dia. Tenho um sistema no barco que é uma bombinha americana de dupla vazão. Não é elétrica, tem uma mola e um pedal. Quando você pisa e solta o pé, sai água. Ela é confortável e precisa. Bombeia a nossa água doce que está no tanque, abaixo da pia. Com essa bombinha, eu lavo o mesmo volume de louça da minha casa com um sexto da água. Estou quase pondo em casa.”

 

Eletrodomésticos

“Precisamos trocar tudo o que funciona com motor de compressor – ar-condicionado, geladeira, etc.; colocar meta para os fabricantes: para tantos BTUs (sigla de British thermal unit, “unidade térmica britânica”, uma unidade de energia equivalente a 252,2 calorias) pode ter tantos quilowatts/hora; e colocar na porta da geladeira o consumo de energia elétrica anual e quantos quilowatts/hora ela custa.”

 

Reciclagem de óleo

“O brasileiro não tem disciplina para separar óleo de fritura, que é o que estraga tudo. Ainda hoje, 98% do óleo consumido no país vai para a pia. Por que não desenhar uma caixa de gordura que retenha esse óleo? Na caixa de gordura de plástico padrão, você colocaria uma bombinha e uma saída, encheria uma garrafa PET e depois venderia esse óleo. Na Europa, se eu for trocar o óleo do meu barco, só consigo comprá-lo se provar que tirei os detritos da embarcação. É um procedimento.”

 

Iluminação pública

“Tem que trocar tudo por lâmpadas de LED e acabar com as de filamento e gás, que consomem muita refrigeração. As lâmpadas de LED são muito mais eficientes. Eu tenho no meu barco. Mas, como custa 11% a mais, ninguém compra.”

 

Cidades de dieta

“Estamos no momento de fazer com que as cidades parem de se expandir. Elas precisam crescer qualitativamente e até diminuir. A cidade é um organismo vivo que não pode crescer continuamente. São Paulo é uma cidade obesa: ela está no limite da ocupação, do uso do espaço, da energia elétrica, da água, e já passou do extremo do tratamento de esgoto. Criar uma política urbana que estimule a incorporação e o crescimento, tentando acelerar a mobilidade, é uma loucura. Tinha que desestimular tudo isso. A capital paulista não pode crescer condensada, como o prefeito Fernando Haddad está defendendo agora: adensar todas as vias principais para facilitar o problema da mobilidade.


Com um sistema que tem no barco, Klink lava o mesmo volume de louça da sua casa com um sexto da água

Uma hora a cidade tem de amadurecer e crescer qualitativamente: se descentralizar. Mas estamos concentrando tudo. A urbanização caótica e desumana gera valor de um modo distorcido. Chicago é a cidade que me fascina. Eles querem destruir de 60 mil a 100 mil casas para construir centros culturais e espaços de lazer. Diminuir o número de habitantes para começar a ganhar qualidade de vida. São Paulo precisa de uma política mais inteligente. Começar a urbanizar as centenas de favelas. Não dá para remover. Mas continuamos a estimular a incorporação imobiliária, o crescimento urbano sem regras, e não há mais vias físicas para isso. Chega de incorporar em São Paulo, está na hora de diminuir. Precisamos estimular a desaceleração da cidade e estimular o crescimento qualitativo.”