Salamandra-de-fogo (Salamandra salamandra)

 

Ambystoma laterale, salamandra que vive nos EUA e no Canadá

 

Eles são campeões na capacidade de adaptação, mas mesmo assim estão em perigo. Os anfíbios apareceram na Terra antes dos dinossauros, há 360 milhões de anos, sobreviveram a eles, viveram sob climas diferentes, superaram catástrofes naturais e continuaram a se multiplicar enquanto outros ramos da vida se extinguiam. Mas, agora, parece que estão perdendo a luta pela permanência no planeta. Populações e espécies desse grupo de animais vêm escasseando, estão sob ameaça de extinção ou até mesmo desapareceram. Segundo dados da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês), divulgados em novembro do ano passado, os anfíbios são a classe de vertebrados mais ameaçada de extinção.

s números constam da Lista Vermelha da IUCN, considerada a avaliação mais conceituada e séria sobre o estado dos organismos que vivem na Terra. Das 47.600 espécies que fazem parte da lista, cerca de 18 mil correm sério risco de extinção, e dessas nada menos do que 30% correspondem a anfíbios. Das 6.200 espécies desse grupo relacionadas na Lista Vermelha, por volta de 1.900 estão em perigo de extinção – 33 das quais no Brasil. “No mundo, 37 já foram extintas e duas não vivem mais na natureza, sendo representadas por apenas alguns indivíduos em cativeiro”, conta a bióloga Vanessa Verdade, da Universidade de São Paulo (USP). “No nosso país, a única espécie considerada extinta é a Phrynomedusa fimbriata (perereca-verde).”

 

 

No topo, a africana rã-de-olhosgrandes (Leptopelis vermiculatus), e abaixo, dendrobates pumilio, perereca venenosa da América Central

 

Para quem vê sapos, rãs e pererecas – os anfíbios mais conhecidos como bichos asquerosos e repugnantes, que não despertam a mesma simpatia que os micosleões- dourados e as ararinhas-azuis, pode parecer descabida a preocupação com o declínio ou a extinção desses animais. Quem pensa assim comete um engano. Eles são importantíssimos para a preservação do meio ambiente.

 

 

 

 

Os anfíbios são um grupo de vertebrados que se divide em três ordens: anuros (sapos, rãs e pererecas), urodelos (salamandras) e gimnofi onos (cecílias ou cobras-cegas). Em alguns ecossistemas eles fi guram como os vertebrados mais abundantes. São predadores de insetos, peixes, aves e mesmo pequenos mamíferos, enquanto servem de alimento para muitos outros grupos de animais. Sua ausência poderia interromper o funcionamento da teia alimentar em qualquer ponto, levando ao desequilíbrio ecológico e a perdas de outras espécies. Sem eles, também aumenta o número de mosquitos transmissores de doenças, como o da dengue, o Aedes aegypti. “Além disso, os anfíbios são bons indicadores ambientais por serem extremamente sensíveis e sofrerem os efeitos da degradação dos hábitats naturais mais cedo do que outros organismos”, explica a bióloga e herpetologista Paula Cabral Eterovick, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). “Assim, o que está acontecendo com eles serve de aviso para nós”, diz Paula.

ESTÃO EXTINTAS 37 ESPÉCIES DESSES ANIMAIS; 2 SOBREVIVEM EM CATIVEIRO

 

Tão importantes quanto a indicação de desequilíbrios ambientais são os benefícios diretos que esse grupo de animais pode trazer ao homem. Eles representam um estoque ainda pouco divulgado de produtos farmacêuticos novos. Centenas de substâncias químicas já foram isoladas da pele de anfíbios, algumas das quais estão sendo utilizadas no tratamento de queimaduras e de várias doenças. “São conhecidos compostos produzidos por anfíbios com atuação bactericida e fungicida e outros que podem ser utilizados como anticoncepcionais, contra males cardíacos e úlceras gástricas, e como controladores de pressão arterial”, diz Vanessa. “Sem os anfíbios, perde-se qualidade ambiental e a cura potencial de muitos males humanos.”

Acima, Cruziohyla craspedopus, sapo nativo do Brasil e de países andinos, á esquerda, Deandrobates reticolatus, tipo de perereca venenosa encontrada no Peru, e a Rã venenosa da família Dendrobatidae típica do noroeste da América do Sul

 

DESTRUIÇÃO DE HÁBITATS, CHUVA ÁCIDA E INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES EXÓTICAS ESTÃO ENTRE OS FATORES QUE CAUSAM O DECLÍNIO OU A EXTINÇÃO DE ANFÍBIOS

 

O desaparecimento dos anfíbios não começou ontem, no entanto. O problema foi discutido pela primeira vez no I Congresso Mundial de Herpetologia, realizado na Inglaterra, em 1989. Ali, cientistas de diversos países relataram suas observações a respeito da diminuição de algumas populações desses animais. “O fenômeno está ocorrendo praticamente no mundo inteiro”, explica Paula. “A maior parte dos casos, no entanto, tem sido registrada em regiões tropicais montanhosas.”

De acordo com o herpetologista Sergio Potsch de Carvalho e Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), hoje os casos mais comuns de diminuição de populações ocorrem nas Américas, na Europa e na Austrália. “O fenômeno é mais acentuado na Austrália e nas Américas, principalmente na América Central e no Caribe”, afi rma. “Relatos de declínio são mais frequentes em espécies de médio e grande porte e que vivem em grandes altitudes.”

 

De cima para baixo, O sapo-garimpeiro (Dendrobates tinctorius) vive no Brasil, Ambystoma tigrinum, salamandra da América do Norte, Rã venenosa da família Dendrobatidae, típica da América do Sul, Rã-arborícola-de-white (Litoria caerulia), nativa da Austrália

 

Aos poucos, o esforço da comunidade científi ca internacional para determinar o que tem provocado o declínio (ou mesmo a extinção) de muitas espécies de anfíbios começa a dar resultados. “Há diversas causas possíveis”, diz o biólogo Andrés Merino-Viteri, da Pontifícia Universidade Católica do Equador (Puce) e autor de uma tese sobre os motivos do desaparecimento, em seu país, de algumas espécies de anfíbios dos Andes. “Entre elas estão a destruição de hábitats, provocada pelo homem, e a chuva ácida, causada pela poluição do ar; inseticidas, herbicidas, fungicidas e resíduos industriais são outros fatores que agravam o problema. A introdução de espécies exóticas em ambientes onde vivem anfíbios também é uma das causas da diminuição e extinção de sapos, rãs e pererecas.”

Mais recentemente vem ganhando importância nessa história outro vilão: o fungo Batrachochytrium dendrobatidis, cuja proliferação tem sido favorecida pelo aquecimento global. Ele já foi detectado em todos os continentes, menos na Antártida, e está por trás do declínio de dezenas de espécies de anfíbios no mundo. “Hoje começamos a entender como o fungo é capaz de matar os anfíbios”, diz Vanessa. “Ele causa uma doença chamada quitridiomicose, que altera a capacidade da pele de fazer o balanço de íons. As concentrações no sangue se alteram e o animal acaba morrendo de ataque cardíaco.”

 

Rã-de-olhos-vermelhos (Agalychnis callidryas), típica da América Central

 

Um dos objetivos dos cientistas que investigam as causas do declínio na população de anfíbios é reverter esse fenômeno, embora não se saiba se isso é possível. “Infelizmente, ainda não há muito que se possa fazer, pois as doenças e o clima não são controláveis por completo”, lamenta Merino-Viteri. “Em alguns casos, só é possível proteger os ecossistemas e, em outros, mais extremos, manejar populações de anfíbios em laboratório, onde se podem curar doenças e mantê-los em condições ambientais adequadas.” Para o especialista, o certo é que é preciso investir mais em pesquisas, até que se consiga entender o que está acontecendo. Só assim será possível tentar reverter a situação ou mitigá-la.

 

Rã-dourada-do-panamá (Atelopus zeteki), nativa da América Central