Com criatividade, empurrão governamental e antenas improvisadas, um dos Estados mais isolados do Brasil assumiu a vanguarda da inclusão digital. O Acre criou uma rede própria para a conexão amazônica.

 

Se há quem se impressione com o isolamento geográfi co de Cruzeiro do Sul, situada no extremo noroeste do Acre, na Amazônia, mais surpreso ficará ao saber que essa e as outras cidades do Estado estão cobertas por rede de internet wi-fi gratuita, sem restrição de horário, tráfego, tempo de conexão ou conteúdo. O programa estadual de inclusão Floresta Digital é a prova de que, além de contar com políticas de vanguarda na conservação florestal, o Acre está mais presente no  undo virtual do que muitas áreas metropolitanas do país.

Em 2009 o então governador Binho Marques (PT), tomou uma decisão simples e ousada. Abriu o sinal da internet, usado na área administrativa do Estado, para a população. Para viabiliazar o acesso, “o primeiro passo foi instalar antenas de transmissão do sinal nos prédios públicos, acima dos S 12 metros de altura, para cobrir um raio de 500 metros quadrados em volta”, conta Gilberto Viana, da Idea-RF Metro Design, consultoria que desenhou o projeto. A medida permitiu que muitos moradores e visitantes das cidades acreanas passassem a ter acesso grátis à internet sem fio. 

Além de franquear a utilização de celulares, laptops e tablets em áreas próximas aos pontos emissores do sinal, o maior diferencial da rede é que qualquer um pode instalar uma antena para captar o sinal em sua própria casa, escritório ou loja. Outros Estados, como Ceará e Pará, também têm projetos de inclusão social, mas restringem o acesso à internet a pontos específicos como telecentros, escolas, bibliotecas, praças publicas e orla marítima ou fluvial.

“Quando se trata da região Norte, é importante lembrar da escassez de serviços da iniciativa privada”, ressalta Carlos Rebello, coordenador de tec-nologias da informação e da comunicação (TICs) do governo. “Se o Estado não desenvolvesse um programa como esse, as pessoas ficariam reféns de uma internet cara e de baixa qualidade”, afirma. 

A rede estadual abriu o sinal para cobrir boa parte das áreas urbanizadas. Ela já dispõe de 516 prédios públicos conectados, 620 pontos de acesso entre bibliotecas, praças e pontes, 29 telecentros e 75 mil usuários cadastrados. Este ano, o Estado investiu R$ 12 milhões na iniciativa. “Para termos cidades digitais, é preciso oferecer acesso em qualquer lugar, a qualquer hora, por tempo ilimitado e sem restrição de conteúdo”, diz Viana.

Como todos os governos precisam contar com uma rede para questões administrativas, o mais comum é que sejam contratados links distribuídos para atender a cada prédio público. Mas, quando o governo está interligado por uma rede própria, é possível contratar um único link de grande potência a preço mais baixo. “Assim, se reduz um custo fixo, se obtém melhor qualidade de conexão e é possível abri-la gratuitamente para a população”, explica o consultor.

Raízes e redes
Em quatro anos a floresta cibernétiouca do Acre vem se tornando frondosa. Em novembro, a capital Rio Branco e duas cidades vizinhas, Senador Guiomard e Bujari, passaram a contar com um link de 1 gigabyte por segundo (Gbps). Essa potência é muito superior à soma dos dois outros links que o Estado contratava da provedora Oi até então, de 155 megabytes por segundo e 80 Mbps. A Eletronorte é a nova fornecedora da rede. Venceu a licitação oferecendo cada megabyte por R$ 60, por mês – um valor quase sete vezes menor aos R$ 400 pagos até então por megabyte, por mês. 

O milagre da multiplicação foi possível graças a uma mudança na legislação brasileira, em 2011, que passou a permitir à Telebrás usar as redes de fibra ótica das empresas do setor elétrico para transmitir dados. As transmissoras de energia sempre contaram com cabos de fibra ótica instalados ao longo dos linhões de eletricidade para controlar e monitorar subestações. Mas apenas quatro dos 40 cabos de um feixe ótico dão conta da tarefa. Agora, os ou optros poderão ser utilizados. “A Eletronorte leva a internet ultrarrápida de Brasília a Rio Branco. A partir desse ponto, como contrapartida, temos que disponibilizar metade da capacidade da nossa rede de rádio para ela, em todos os trechos pelos quais expandirmos o sinal”, explica Rebello.

Agora, o coordenador de TICs espera oferecer 1 Mbps de velocidade para os usuários do Floresta Digital na capital e arredores, principalmente a partir das 19h, quando toda a banda é disponibilizada para os cidadãos. No horário comercial, cerca de metade do link fica direcionada exclusivamente à administração pública. Antes, cada pessoa conectada contava, em média, com 400 Kbps na capital e arredores. 

Já no interior do Estado as cidades continuam sendo atendidas pelas fibras óticas da operadora Oi, a custo alto (cerca de R$ 3 mil por megabyte, pagos pelo Estado), com bandas variadas (veja o mapa à esquerda). Nessas áreas os usuários conseguem obter conexão 256 Kbps ou mais – o que é pouco, mas já é considerado como conexão rápida pelo governo federal, dentro do Programa Nacional de Banda Larga (PNBL).

Para expandir o link de 1 Gbps por todo o Estado, a rede do Floresta Digital pegará carona na adoção de rádio digital pela polícia. O projeto da Secretaria de Segurança do Acre e da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça, prevê até 2014 a construção de 36 torres de radiocomunicação (de 40 a 80 metros de altura) espalhadas pelo Estado, que serão aproveitadas pelo Floresta. Com o aumento da banda e da difusão, o Acre reservou mais R$ 400 mil para investir em antenas de distribuição do sinal.

“As chuvas na Amazônia são intensas – muita água e relâmpagos – e a energia é de péssima qualidade. Meu desafio hoje é atender a queda de serviço que isso causa em um prazo menor. Agora, em dezembro, vamos ativar parcerias com as prefeituras, para manter técnicos treinados pelo programa em cada cidade”, adianta Rebello. Hoje é preciso mandar o técnico da capital para o local em que houve a interrupção, o que pode levar dias. Ter um técnico já no local agilizará muito o processo.

À sombra
Atualmente, 18 dos 22 municípios acreanos estão cobertos por uma combinação de sinal de rádio com fibra ótica – seja vinda de Brasília pelo linhão da Eletronorte até a capital, seja oferecida pela Oi pelo Estado adentro. Mas, para chegar às quatro cidades virtualmente isoladas do Estado (Assis Brasil, Jordão, Marechal Thaumaturgo e Santa Rosa do Purus), a única alternativa do programa ainda é obter um link via satélite. Uma opção bastante cara, mas que já foi implementada na cidade de Jordão, onde a maioria dos cidadãos é indígena.

Na fase de testes do link por satélite, Rebello esteve na cidade e perguntou a alguns usuários o que achavam da conexão. “Uma das respostas marcantes foi: ‘Tá ruim, tá lento, mas tá bom pra caramba’. Porque, apesar de lento, permitiu a eles se comunicarem com o resto do mundo”, lembra.

Para Rebello e Viana, esse tipo de retorno dá energia para enfrentar os problemas e plantar mais sementes nessa e em outras florestas. “A escola estadual de Xapuri fez um acordo com os pais para os alunos mandarem as tarefas por e-mail. Com essa simples medida, caiu para menos de 1% a taxa de quem não faz o dever de casa. Em Feijó, produtores locais começaram a vender pela internet, no Mercado Livre mesmo, e depois se juntaram para criar uma página própria”, complementa Viana. 

Segundo o consultor, redução de custos, cidadania e acesso à informação são os principais argumentos para o governo investir num projeto de inclusão digital. “Isso se refl ete na melhoria do índice de desenvolvimento humano (IDH) da população”, aponta Viana. De fato, em 2013, o Acre apresentou o crescimento mais alto de IDH do Brasil. Atingiu a taxa de 63%, enquanto a média dos outros Estados fi cou em 46%. “Mas seria leviano atribuir tudo ao Floresta. O acesso à informação também faz parte do pacote, mas outras iniciativas, como investimentos em atividades que geram renda para a população, pesaram nesse resultado”, afirma Carlos Rebello. 

As ondas de internet são invisíveis, mas suas reverberações são aparentes, mesmo em meio à Floresta Amazônica. A proliferação de bambus, galhos e canos de metal pelas cidades acreanas, usados para sustentar as antenas de captação, mostra como os cidadãos estão aderindo ao programa. “É um caminho sem volta. A população se apropriou do projeto”, amarra Viana.