Abaixo o QI – quociente de inteligência. Viva a inteligência múltipla. Os critérios para determinar se alguém é inteligente ou não mudam radicalmente. Howard Gardner, o papa da mente múltipla, aponta as características que, a partir de agora, irão diferenciar um gênio de um parvo. Na nova configuração que aos poucos assumem o mundo e a sociedade, esses novos padrões de inteligência irão determinar quem terá sucesso e alcançará a realização, e quem será excluído.

A mente sintética

É a que possui maior habilidade para coletar informações oriundas de diversas fontes e as sintetizar de maneira original e sensata

A mente disciplinada

É a mais “clássica”. Acolhe os estímulos que recebe e consegue individuar um campo particular no qual eles podem ser aplicados

A mente criativa

Cultiva novas idéias e formula perguntas insólitas, obtendo respostas inesperadas. Esta capacidade apenas pode ser alcançada após o desenvolvimento da mente disciplinada e da mente sintética

A mente respeitosa

É um modo de pensar que aceita as diferenças entre os indivíduos, se esforça para compreender os outros e colaborar com eles. É cada vez mais necessária em tempos de globalização

A mente ética

Procura compreender as características e os objetivos do trabalho ou ação aos quais ela se dedica. Avalia as necessidades e desejos relativos a esse trabalho ou ação, buscando ir mais além dos simples interesses pessoais

O século 21 pertencerá às pessoas capazes de pensar de modo múltiplo. Quem não conseguir desenvolver essa capacidade está destinado a sucumbir – profissionalmente e socialmente – num mundo onde a informação é superabundante, no qual, para se fazer a escolha justa, é necessário deixar-se guiar pela capacidade de síntese ou por uma intuição bem treinada.

Quem afirma isso não é um visionário qualquer. É Howard Gardner, o professor da Harvard University (EUA) que, há 20 anos, desmontou a idéia até então largamente aceita de que existia um único modo – o quociente de inteligência, QI – para medir a capacidade do cérebro humano. Por conta disso, Gardner ganhou um lugar fixo na lista dos cem intelectuais mais influentes do mundo, anualmente compilada pela revista Prospect.

Gardner acaba de lançar um livro que está fazendo furor em todo o mundo: Cinco Mentes Para o Futuro (Editora Artmed). Nele, o autor desenvolve a teoria de que, para se sobreviver no mundo atual, é necessário ser rigoroso e criativo ao mesmo tempo. A primeira das cinco abordagens mentais examinadas pelo professor norte-americano é a da “mente disciplinada”, a mais clássica entre elas, a mente que recolhe as várias informações e estímulos recebidos ao longo do tempo e depois as dirige e põe em prática num campo particular de atividade, exatamente o campo em que essa pessoa se distingue.

Logo após, vem a “mente sintética”, essencial na época da internet e da profusão dos canais de notícias: quem possui esse tipo de impostação mental coleta as informações, as seleciona e sintetiza de maneira original. A “mente criativa”, que vem em seguida, é aquela que cultiva novas idéias e é capaz de formular perguntas insólitas e de obter respostas inesperadas.

A seqüência continua com duas abordagens que Gardner define “não opções, mas sim necessidades” nos dias de hoje: a “mente respeitosa” – a maneira de pensar de quem aceita as diferenças, se esforça para compreender os outros e colaborar.

Howard Gardner revolucionou a psicologia cognitiva ao destruir o conceito de QI – quociente de inteligência.

Por fim, vem a “mente ética”, aquela que avalia as necessidades e os desejos da sociedade global, buscando atingir objetivos que vão além dos interesses pessoais. “Estou certo de que existem outros aspectos além desses, e que seria importante estudá- los, – explica o autor – mas esses cinco são aqueles que merecem ser enfatizados nos dias atuais.”

Em seu livro, Gardner explica as razões que o levaram a escolher essas cinco abordagens como fundamentais: “O mundo do futuro, com os seus mecanismos de busca, robôs e outros recursos informáticos, exigirá de nós a posse de capacidades que até agora eram apenas opcionais: para responder a essa solicitação, é preciso que comecemos a cultivá-las desde já.”

O recado destina-se especialmente aos professores e aos pais, mas vale para todos aqueles que pretendam, a partir de agora, escapar da mediocridade em termos de capacidade mental para se distinguir em algum setor do conhecimento humano em todas as áreas.

Escolas vão de mal a pior

Os métodos de ensino no Brasil – e, de modo geral, em quase todo o mundo – vão mal, muito mal. A maior parte dos recém-formados vai para o mercado de trabalho mal preparada. Para citar apenas um exemplo, na área do jornalismo, não são poucos os que saem das faculdades e chegam às redações mal sabendo conjugar verbos. Não dominar a principal ferramenta de trabalho do jornalista – no Brasil, a língua portuguesa – não é, porém, a maior dificuldade. Existe outra, bem pior: os recém-formados não sabem pensar. Eles têm dificuldade para construir um texto, ou até mesmo uma frase, que tenha começo, meio e fim. Nossa escola simplesmente não ensina raciocínio lógico.

As mais variadas razões são apontadas para esse descalabro educacional: a perda de autoridade dos pais e dos professores; o abandono dos métodos tradicionais de ensino de origem européia, que foram trocados pelos métodos norte-americanos; a quantidade excessiva de informações inúteis ou dispersivas fornecidas pela televisão e internet; a perda, de modo geral, da consciência de limites em todos os setores da atividade humana; a lassidão comportamental característica da nossa sociedade moderna. Claro, todos esses fatores contribuem para a má qualidade do ensino na atualidade. A causa principal, no entanto, parece ser outra: nossa escola não ativa a inteligência.

Já há 20 anos, em seu livro A Forma da Mente. Ensaio sobre a Pluralidade da , Howard Gardner advertia que a escola contemporânea no mundo ocidental tende a privilegiar a “inteligência convergente”, aquela forma de pensamento que não se deixa influenciar por lampejos da imaginação.

Como explica o jornalista italiano Umberto Galimberti, “essa escola coloca em absoluto segundo plano a ‘inteligência divergente’, típica das pessoas criativas, capazes de encontrar soluções múltiplas e originais porque, em vez de se contentarem com a solução pura e simples dos problemas, tendem a reorganizar os elementos, a refazer os termos das perguntas colocadas, até trazer à luz novas ideações”.

Construídos por inteligências convergentes (pergunta/resposta), os programas oficiais de ensino desencorajam abordagens ideativas e mortificam variantes criativas que, oportunamente cultivadas, são as únicas a assegurar o progresso do saber.

Howard Gardner retorna agora ao argumento para nos dizer quais formas de inteligência são necessárias para o futuro. A base é a “inteligência disciplinada” – a que transmite mensagens claras que permitam o discernimento entre o verdadeiro e o falso, o real e o fantasioso, o abstrato e o concreto, e que deve ser adquirida até os dez anos de idade. A boa escola primária é, assim, aquela que fornece à criança os códigos corretos de leitura do mundo onde ela vive.

Sobre a base da “inteligência disciplinada” implanta-se a seguir a “inteligência sintética”, capaz de organizar informações provenientes de diferentes fontes de maneira a se chegar a uma síntese unitária. Para o desenvolvimento e o treinamento da inteligência sintética, muito mais útil do que o “tema da aula”, no qual o estudante escreve tudo que lhe vem à cabeça, é o “resumo escrito” de uma página em cinco linhas, ou de dez páginas em uma página, para ser lido repetidas vezes em voz alta, de modo a se verificar a coerência do encadeamento e o sentido unitário.

Uma vez adquiridas a disciplina e a capacidade de síntese, é preciso estimular a “inteligência criativa”. Ela pode ser treinada não repetindo como um papagaio aquilo que o professor explicou, como comumente acontece nas nossas provas e exames, mas formulando- se perguntas não usuais e não previstas pelo contexto cultural comum, com a finalidade de estimular respostas inexploradas.

Cinco Mentes para o Futuro, recém-lançado em português pela Editora Artmed (http:// www.artmed.com.br), desvenda as cinco abordagens da mente do futuro.

Quando a pessoa se habitua a procurar soluções insuspeitadas, a inteligência criativa conduzirá naturalmente à “inteligência respeitosa”, desse modo chamada porque não teme e não se deixa bloquear diante das diferenças e da alteridade. Em um mundo globalizado, essa disposição mental é essencial, e o seu terreno de cultura é exatamente o relativismo.

É preciso, por fim, promover uma “inteligência ética”. Ela não se refere exclusivamente aos princípios da própria consciência ou, pior ainda, ao âmbito limitado dos próprios interesses, mas se encarrega das exigências da sociedade como um todo.

Ativando-se todas essas formas de inteligência, é possível que nossos jovens freqüentem a escola com mais interesse e entusiasmo. Claro, é preciso antes de tudo verificar se essas formas de inteligência estão presentes e ativas nos professores. Este é um complicador importante. Mas é também, sem dúvida, um critério que pouco a pouco será determinante para a escolha de qualquer membro de corpo docente.

Segundo Gardner, o importante é que todos, pais, professores e alunos tenham consciência de que, na nova configuração que pouco a pouco assumem o mundo e a nossa sociedade, esses novos padrões de inteligência irão determinar quem terá sucesso e irá alcançar a realização, e quem, simplesmente, será excluído.

Conselhos de Howard Gardner

“Os primeiros três tipos – mente disciplinada, mente sintética e mente criativa – formam uma seqüência lógica, cada uma delas constrói a sucessiva e são todas de natureza cognitiva. As outras duas – a mente respeitosa e a mente ética – estão relacionadas com as relações humanas, que são particularmente importantes num mundo onde, potencialmente, cada um de nós pode entrar em contato com todos os outros.”

“Todas essas capacidades podem ser desenvolvidas desde os primeiros anos da infância. Respeito e ética, para dizer a verdade, são necessidades e não opções. No que diz respeito às outras três, cada um de nós pode ser bom num tipo particular de mente, mas é sempre possível trabalhar para desenvolver os demais. É importante que os pais conduzam seus filhos no cultivo de todas essas abordagens, para que eles possam escolher, depois, em qual delas querem colocar mais ênfase.”

“É preciso estar atento a quem finge possuir um certo tipo de abordagem, mas mente. Por exemplo, é fácil desmascarar alguém que diz respeitar os outros, porém na prática respeita apenas os poderosos.”