Aquela tradicional foto do bebê recém-nascido ao lado do rosto da mãe e do pai, em prantos, dentro da sala de parto pode ser uma bela lembrança para muitas famílias, mas não para a de Camila Andrietta: “Nem consigo mais olhar pra essa foto”, confessa a produtora multimídia, paulista, 32 anos. Ela prefere nem lembrar da cesárea desnecessária pela qual passou e dos procedimentos-padrão que levaram o menino João para longe, por seis horas, sem ao menos passar por seu colo. “Quando o bebê começou a dar indícios de que ia nascer, o médico me disse que ele estava entrando em sofrimento, e então partimos para a cesárea.”

Tamanho foi o trauma e a dor de Camila ao perceber ter sido enganada que, na segunda gravidez, se informou melhor e decidiu contratar uma doula, a acompanhante profissional que dá apoio emocional e físico antes, durante e após o parto.

Com Leila de Oliveira, doula e professora de pilates, Camila aprendeu a respirar e a relaxar e fortaleceu as partes do corpo que precisava para facilitar a gravidez e o parto. “Foi graças a isso que aguentei 30 horas de trabalho de parto.” Além da doula, que não faz procedimentos clínicos nem instrumentais, Camila se cercou de uma obstetra e um pediatra humanizados para garantir que a cesárea fosse a última opção para o nascimento de Antônio, hoje com três meses.

O caso de Camila não é uma exceção. Hoje no Brasil é preciso buscar muito reforço para garantir o direito ao parto normal, principalmente no sistema privado de saúde. O Brasil tem a maior taxa de cesárea do mundo. Segundo o Data SUS, em 2010, 52% dos nascimentos foram feitos por meio de cirurgia – muito acima dos 15% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Nesse contexto, a figura da doula vem se impondo. Existem registros da atuação de doulas há mais de 30 anos, de forma voluntária. Os cursos formais começaram há apenas 12 anos e eram muito esporádicos. Atualmente, acontecem por todo o Brasil mensalmente, com turmas de até 25 alunas. “O papel da doula é oferecer à parturiente uma experiência como protagonista desse processo”, expõe Ana Cristina Duarte, obstetriz, instrutora em capacitação de doulas e coordenadora do Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (GAMA), em São Paulo. “Calculamos que sejam cerca de 300 profissionais no País. Nos Estados Unidos são 3 mil”, compara.

As doulas ainda encontram resistência na sociedade e, principalmente, no sistema privado de saúde. Algumas maternidades particulares dificultam, a ponto de inviabilizar, a entrada delas nas instituições. Não é de se estranhar que esses hospitais apresentem taxas de cesariana maiores que 90%. A realidade nos hospitais públicos brasileiros é um tanto melhor, em torno de 30% a 40%.

“Costumo ir a uma consulta médica com a gestante, para me apresentar. Muitos ginecologistas nem sabem o que uma doula faz”, conta Luciana Carvalho, pedagoga, professora de ioga, educadora perinatal, doula e estudante de obstetrícia na Universidade de São Paulo – a única do País a oferecer esta graduação.

Além de praticar com as “doulandas” posições para amenizar dores, maneiras de reequilibrar o corpo, concentração e combate à ansiedade, Luciana trabalha as questões emocionais do parto. “A grande preocupação é com a dor. Afinal, vivemos numa cultura do medo, da cesárea, da medicação. Às vezes a mulher tem todos esses bloqueios e as famílias e seu meio social também. Eu trato de “empoderar” a gestante para que ela não seja uma mera expectadora da própria experiência na hora do parto”, diz Luciana.

Joana Imparato, paulistana, 31 anos, bailarina e figurinista, assumiu o controle do seu parto do começo ao fim. Quando começou a perder líquido amniótico, compensou a situação com a ingestão de muito líquido, pouco esforço, monitoramento constante – da doula, da obstetriz e do laboratório – e o apoio do marido que ficou o tempo todo ao seu lado.

Joana aguardou uma semana até as contrações começarem para fazer o parto de Joaquim em casa. “Não queria ir para o hospital e correr o risco de ficar com os pés amarrados na posição tradicional, ou de ter a barriga forçada pela enfermeira para expulsar o bebê, ou de sofrer uma episiotomia (corte entre a vagina e o ânus), e depois ver o cordão umbilical cortado antes de ele parar de pulsar.” Esses são procedimentos comuns em cesáreas. Confiantes desde o princípio, Joana e o marido Rodrigo esbarraram em muitos questionamentos. A família dele mostrou grande resistência ao ouvir falar de parto humanizado e a mãe dela precisou ser cientificamente convencida.

A produtora de conteúdo para internet Heloísa Viana, 31 anos, também teve que realizar um longo processo de persuasão da sua família. “Mostrei muitas informações para os meus pais e irmãos. Tornei claro que minha opção por doula, obstetriz e parto domiciliar era consciente, não por rebeldia, nem coisa de hippie, ou para seguir uma moda. Por ter tido cesárea eletiva, ou seja, desnecessária, no parto anterior, da Ana, eu queria menos intervenção possível na vez da Maria.”

Como em 2010 o Conselho Federal de Medicina passou a recomendar que os médicos não façam partos domiciliares, e como as doulas não fazem procedimentos clínicos, nesses casos outra figura é necessária: as enfermeiras especializadas em obstetrícia e as obstetrizes, que podem realizar partos normais, mas não instrumentais. “A presença da doula Cristina Balzano foi a mais significativa para mim”, diz Heloísa. “Ela me acalmou, fez massagem, sugeriu posições e, mesmo tendo que ir para o hospital, me senti respeitada o tempo todo e vi que ela deu espaço para o meu marido.”

Abaixo as cesáreas
A atividade das doulas foi oficializada pela última Classificação Brasileira de Ocupações publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em 31 de janeiro. O próprio Ministério da Saúde lançou, em 2011, a Rede Cegonhas para promover o parto humanizado, com mais respeito pela mulher. Outra ação do governo para reduzir o percentual descomunal de cesáreas no Brasil foi reunir o Ministério da Saúde, o Conselho Federal de Medicina e a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) em uma comissão que está criando as Diretrizes Básicas para Induções de Cesariana.

“Os percentuais altos de cesárea são culpa do médico, da paciente e até do governo. Em alguns casos falta estrutura em cidades do interior, por exemplo, que não têm anestesista de plantão, o que induz à marcação de uma data para garantir a segurança do parto”, expõe João Steibel, ginecologista e obstetra, presidente do grupo para definição das diretrizes. Steibel destaca que a Febrasgo é favorável às doulas, mas não aos partos domiciliares. “Os partos funcionam muito bem com elas ou um familiar. Quando entrou em vigor a Lei do Acompanhante (promulgada em 2005), eu achei que poderia atrapalhar o trabalho da equipe. Mas deu-se o contrário.” O obstetra defende que é preciso humanizar o hospital para a instituição ficar parecida com uma casa ou deixar a casa mais próxima do hospital. Na Holanda, Austrália, Nova Zelândia e Inglaterra, o parto domiciliar é estimulado e pago pelo governo, que desloca a equipe para a casa da parturiente, mas nem sempre a ambulância é acionada.

“O papel da doula é ajudar a mulher a relaxar durante o trabalho de parto. É um conforto e um apoio emocional. Não tem como atrapalhar o trabalho do médico. Já está comprovado que reduz a necessidade de fármacos e intervenções. Eu sempre recomendo. Mais de 90% dos partos que faço são com doulas e meu índice de cesárea é de 10%”, conta a ginecologista e obstetra humanizada Andrea Campos. Ela explica que a cesárea é mais arriscada do que o parto natural, mas para médicos e hospitais é mais cômodo porque é previsível.

Os planos de saúde não limitam práticas desnecessárias como cesarianas. Também não existem políticas para punir cesáreas desnecessárias. Para completar o panorama adverso aos nascimentos, procedimentos de higienização dispensáveis são aplicados mesmo no caso de bebês saudáveis.

Mariana de Mesquita, presidente da Associação de Doulas de São Paulo (Adosp) e estudante de obstetrícia, explica que a passagem pelo canal do parto tem uma função de estimulação. A Organização Mundial de Saúde não recomenda tirar o recém-nascido da mãe para aspirar suas fossas nasais, pingar nitrato de prata nos olhos e passar sonda no ânus para confirmar se o esfíncter está aberto. “Calma aí! Os bebês precisam de um tempo para fazer o check-in no mundo”, brinca. Para realizar esses processos invasivos, a mulher é separada do bebê. “Quando a mulher está sozinha, é tratada como carne. Ela se sente horrorosa, enganada e incapaz de protagonizar o próprio parto.”

A artista plástica Anne Rammi, de 33 anos, se sentiu justamente assim. “Não consigo chamar de parto o nascimento do meu primeiro filho, Joaquim. Na 38a semana, o obstetra me disse que minha placenta estava madura e o bebê estava morrendo. Como eu não sabia que não era verdade, agendamos a cesárea. No hospital fui tratada como passageira de companhia aérea. Fiquei sedada e mal participei dos 15 minutos que levou a operação. Meu marido não pôde me tocar. O bebê foi “amparado” pela equipe médica. O obstetra não respeitou o tempo de maturidade do meu filho. Isso não é forma de nascer”, desabafa Anne Rammi.

Um ano e meio depois, quando engravidou pela segunda vez, Anne contratou a doula Maíra Duarte. Ela e o marido, superparticipativo, contaram com seu apoio durante as 48 horas de trabalho de parto. Para ela – e com certeza para muitas outras –, o preço que pagou pelo parto cesariano convencional foi muito mais caro do que o dinheiro pago à doula e ao parto humanizado.