Em plena olímpiada, uma exposição comove os britânicos com a história de um cientista injustiçado. Há cem anos nascia Alan Turing, pioneiro da computação morto tragicamente na esteira de uma investigação preconceituosa sobre conduta sexual.

Este ano comemora-se o centenário de nascimento do inglês Alan Turing, homenageado por uma concorrida exposição no Museu da Ciência de Londres. O que parece a princípio uma celebração doméstica tem, na verdade, contornos mais grandiosos: o pouco conhecido Turing está por trás de todos os computadores em ação no mundo. Ao formalizar os conceitos de algoritmo e computação, em um aparelho concebido teoricamente, esse matemático deu um empurrão fundamental no desenvolvimento da ciência da computação.

Turing nasceu em Londres em 23 de junho de 1912. Aos 24 anos já se destacava pela concepção de uma “máquina universal” – conhecida depois como máquina de Turing – cujo funcionamento lógico já pressupunha memória, estados e transições. Ela é a base de todo computador digital em uso. O conceito tornou possível o processamento de símbolos que fazem a ponte entre a abstração de sistemas cognitivos e a realidade dos números, um tema de especial interesse para os pesquisadores da inteligência artificial.

As habilidades de Turing o levaram a trabalhar, durante a Segunda Guerra Mundial, na equipe do centro de decifração de códigos do governo britânico (conhecida como Ultra), em Bletchley Park. Ali, o matemático criou uma série de técnicas e máquinas para quebrar os códigos da Marinha nazista.

Uma delas, um aparelho eletromecânico conhecido como Bombe, decifrou milhares de mensagens encriptadas pela máquina Enigma, usada pelos alemães. A atuação de Turing e sua equipe mereceu um elogio público do primeiro-ministro Winston Churchill feito na presença do rei George VI: “Foi graças à Ultra que ganhamos a guerra.”

Escândalo e vergonha

Depois do fim do conflito, em 1945, o matemático foi trabalhar no Laboratório Nacional de Física e no Laboratário de Computação da Universidade de Manchester, desenvolvendo aparelhos e programas de computação. Também deu uma contribuição importante para o campo da biologia matemática, escrevendo uma monografia sobre as bases químicas da morfogênese e antecipando em alguns anos a existência de reações químicas oscilantes fora da situação de equilíbrio.

Enquanto isso, sua vida pessoal entrava em ebulição. Homossexual discreto, Turing iniciou uma turbulenta relação com um técnico da Universidade de Manchester, Arnold Murray. O pesquisador se aproveitou da intimidade com o cientista para ajudar um cúmplice a Patrocínio: arrombar a casa do namorado. Após denunciar o assalto à polícia, o matemático viu o foco da investigação transitar da invasão da sua residência para a exploração da sua própria conduta sexual.

Em 1952, o homossexualismo era classificado como atentado violento ao pudor no Reino Unido. Uma condenação poderia colocar Turing na prisão. O cientista optou, então, pela castração química, tomando uma série de injeções de hormônio. As consequências desse tratamento lhe foram devastadoras, tanto física quanto mentalmente.

Turing teve de deixar a Universidade de Manchester e também foi impedido de trabalhar para o governo britânico. No dia 7 de junho de 1954, foi encontrado morto em sua casa, em Winslow, envenenado por uma dose de cianeto. O motivo do envenenamento, acidental ou provocado, é tema de discussão até hoje, mas a versão oficial foi de suicídio.

O homossexualismo só deixou de ser crime pelas leis britânicas em 1967. A partir daí o legado de Turing começou a ser resgatado. Em 2009, o primeiro-ministro Gordon Brown fez um pedido de desculpas póstumo, público, ao pioneiro, citando sua “contribuição excepcional” para o fim da guerra. “A dívida de gratidão que lhe é devida torna ainda mais horrível o tratamento desumano que lhe foi dado”, disse Brown. “Pedimos desculpas. Você merecia algo muito melhor.”