Populações isoladas em áreas remotas na Amazônia, no Nordeste e no Pantanal poderão ganhar uma alternativa aérea de acesso à internet. “Aeróstato Brasileiro de Banda Larga” é o nome técnico do equipamento que deverá dar impulso à difusão da rede mundial de computadores no interior, na verdade um balão de gás, equipado com transceptores (aparelhos para transmissão e recepção de sinais de rádio), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em Cachoeira Paulista (SP). O sistema já foi testado e aprovado e os primeiros aparelhos poderão começar a operar para valer no ano que vem. 

Posicionados entre 300 e 500 metros de altitude, os balões são presos ao solo por um cabo que servirá para levar energia elétrica aos equipamentos e que também funciona como tubulação de gás para manter o aparelho inflado. O cabo também serve para trazer o aeróstato ao solo para manutenção, atualização e modernização. Lá no alto, os equipamentos de comunicação transmitem o sinal de internet, que, dependendo da altitude do balão e da topografi a do terreno, pode cobrir uma área com raio de até 100 quilômetros. 

Chamado de Conectar, o projeto foi proposto pelo Inpe, com apoio da Telebrás, responsável pela estrutura de internet no país, e encampado pelo Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) do governo federal. Também estão envolvidos o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, localizado em Campinas (SP), e o Ministério das Comunicações, que coordena o programa e definirá onde e quando serão instalados os balões. O desenvolvimento dos produtos necessários ao Conectar está a cargo do Inpe e a fabricação em escala será repassada a empresas nacionais, entre as quais a Altave, de São José dos Campos, fornecedora dos balões.

Segundo José Ângelo Neri, pesquisador da Coordenação de Ciências Espaciais e Atmosféricas do Inpe e idealizador do projeto, o objetivo é levar os benefícios da internet para as populações que vivem longe dos centros urbanos. “A ideia é instalar os aeróstatos em todos os lugares onde não há acesso à rede”, diz. “Isso inclui áreas da Amazônia, do Nordeste, do Pantanal, da faixa de fronteira do país e de regiões que não tenham estrutura de internet.

A internet não é apenas uma rede social. Trata-se de uma maneira de ver as coisas, de fazer propaganda, de pagar os impostos e de levar educação e aula a distância.” O número de balões vai depender da extensão da rede pretendida. Na hipótese de oferecer cobertura aos 16,8 mil quilômetros de faixa de fronteira do país com balões de sinal de alcance médio de 100 quilômetros, seria necessária a a instalação de aproximadamente 168 balões, por exemplo.

Em novembro de 2013 o aparelho foi testado na presença do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e do então ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp. Neri desenvolveu o protótipo com um balão produzido pela Altave, usando equipamentos de comunicação de “prateleira”, ou seja, rádios, antenas e transmissores que podem ser comprados em qualquer loja. O aeróstato foi cedido para o experimento pela Altave, uma indústria aeronáutica fundada em 2011, dentro do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, ligado ao Comando da Aeronáutica, por engenheiros aeronáuticos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

De acordo com Neri, tornar o Conectar um serviço confi ável de acesso à internet exige o desenvolvimento de aparelhos e sistemas específicos para o projeto. “O balão é um artefato espacial, que funciona como um satélite, mas a uma altitude mais baixa”, ex-plica. “O que fi zemos até agora tem de ser aprimorado para funcionar no céu. Não se pode pegar um produto normal – um rádio ou uma antena, por exemplo –, feito para ser usado em estrutura fi xa, e colocá-lo num aeróstato. Não é possível, pois ele gira e se movimenta. Então, o rádio e a antena têm de oferecer uma cobertura independentemente desse movimento.”

À prova de rasgão

No caso desse item especifi camente, o desenvolvimento está mais adiantado. Os balões a serem usados na operação real serão praticamente iguais ao que foi empregado na demonstração em Cachoeira Paulista. O engenheiro Leonardo Mendes Nogueira, fundador, sócio e diretor da Altave, explica que ele é feito de um tipo de nylon conhecido como rip-stop, parecido com o usado em para-quedas. Sua principal característica está expressa no próprio nome. “Rip”, em inglês, signifi ca rasgão, e “stop”, parar. Trata-se de um tecido que não desfia quando rasgado, ou seja, os rasgões não se alastram. Por dentro, o balão é forrado por uma película de plástico, que o mantém cheio por mais tempo. “Esse material de que ele é feito confere segurança e maior tempo de operação ininterrupta sem aumentar o peso”, diz Nogueira. 

As outras partes do sistema também foram projetadas e fabricadas pela Altave. O suporte de carga, isto é, a gôndola ou “cesto”, por exemplo, é feito de alumínio aeronáutico (usado em aviões), que, além de fácil de instalar, permite a troca de equipamentos embarcados. O cabo de ancoragem, por sua vez, não só cumpre o papel de manter o balão preso ao solo como conduz dados para os sistemas de controle e os aparelhos bordo, além de servir como tubulação de gás e fio de alimentação de energia elétrica. O guincho é outro componente importante. “Essa é uma peça crítica”, afirma Nogueira. “Ela é responsável por suportar todos os esforços a que o aeróstato está sujeito, além de possibilitar a condução de eletricidade e dados.”

Também é recomendável que o equipamento seja fl exível, leve e de fácil manuseio e manutenção. “Por isso, desenvolvemos e patenteamos um dispositivo de ancoragem batizado de Altave Tuiuti, em homenagem à cidade onde um balão cativo foi usado pela primeira vez, durante a Guerra do Paraguai, em 24 de junho de 1867, sob o comando do Duque de Caxias”, conta Nogueira. “Ele tem as características recomendadas.” 

Além desses equipamentos, o sistema conta com acessórios como balizas de sinalização (para a segurança dos voos de avião) e dispositivo de deflação (para esvaziar o aparelho), exigidos pela legislação brasileira que trata desse tipo de artefato.

O balão já testado tem formato achatado, lembrando uma abóbora, e mede 5 metros de diâmetro por 3,5 de altura. Contando com a gôndola, que enfrentou ventos de 30 quilômetros por hora, chega a ter 9 metros de altura e a pesar 15 quilos. “Equipado com rádio e antena, o sistema elevou-se a 240 metros de altitude”, conta Nogueira. “Dá para ficar até cinco dias no ar sem nenhuma manutenção. Com o reabastecimento do gás (por meio do cabo de ancoragem), ele pode se manter no ar indefinidamente.” 

Já foram realizados três testes. No último, o sinal da internet (wi-fi ) foi transmitido da sede do Inpe, em São José dos Campos, para o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), em Cachoeira Paulista, por rede de alta velocidade. De lá, foi retransmitido ao aeróstato, ancorado numa picape estacionada na pista do Centro de Lançamentos de Balões do Inpe, a poucos metros do prédio do CPTEC, na frequência de 5,8 gigahertz. Os equipamentos embarcados no balão converteram esse sinal para a frequência de 2,4 GHz e o reenviaram para computadores instalados em três pontos no solo, um a cerca de 3 quilômetros, outro a 15 km e o mais distante a 43 km da picape. 

Durante os testes foi feita uma videoconferência entre os três computadores. “Queríamos demonstrar que era possível estabelecer múltiplas conexões com o sinal de internet transmitido a partir do balão”, diz Nogueira. “Conseguimos uma velocidade de transmissão de 5 Mb/s.” Após o teste, o ministro Paulo Bernardo elogiou o projeto como uma boa alternativa para levar a rede a comunidades isoladas. “Há regiões onde é praticamente impossível chegar com antenas convencionais e transmitir o sinal. Para esses locais trata-se de uma saída muito útil, muito importante para fazer o provimento de internet”, disse o ministro. 

Néri considera que a internet por balões tem potencial para colaborar consideravelmente com o Plano Nacional de Banda Larga. “Demonstramos que usando a radiofrequência, é possível atingir uma área de cobertura maior em comparação às torres convencionais”, acredita. “Assim, essa alternativa pode ser adotada com custo competitivo em relação às tecnologias existentes, além do sinal ser até melhor.”

Dirigíveis Google

As torres de eletricidade fixas no solo normalmente têm entre 50 e 70 metros de altura e, por isso, possuem alcance menor, além de ser mais caras e difíceis de instalar em áreas remotas. As plataformas nas quais os balões ficam presos ao chão podem apresentar problemas similares para instalação no meio da floresta amazônica. 

Por isso, Neri também contempla o uso de dirigíveis. “Eles podem ser levados com facilidade a qualquer ponto do país, ficando mais altos e parados no ar”, diz. “Com essas características, continuamos trabalhando para viabilizar outra alternativa à ideia.” 

Um projeto similar de uso de dirigíveis para levar internet e telefonia a áreas remotas está sendo desenvolvido mundialmente pela empresa Google. Batizada de Loon, a iniciativa da gigante mundial visa oferecer acesso à rede por meio de dirigíveis que se deslocam na estratosfera.

Ainda em fase inicial, a ideia foi posta à prova num teste piloto em junho de 2013, na Nova Zelândia. Os dirigíveis, que podem subir a 20 quilômetros de altura, proporcionam cobertura ampliada e acesso à rede com velocidade equivalente à do 3G. Representantes da Google já procuraram o governo brasileiro para apresentar o projeto. Embora não tenha descartado a possibilidade, o país prefere desenvolver tecnologia nacional e incentivar empresas brasileiras a fabricar os equipamentos. 

Dentro dessa mesma política, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, uma organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia com sede em Tefé (AM), a 600 quilômetros a oeste de Manaus,está desenvolvendo o projeto Aeróstato Remoto de Telecomunicação e Sensoriamento (Artes).

O objetivo é usar balões semelhantes aos do Inpe para potencializar a infraestrutura de torres já instaladas em Tefé e nas Reservas Mamirauá e Amanã, oferecendo serviços de telecomunicações e de inclusão digital a baixo custo às populações dessas unidades de  onservação. Nesse caso, o aeróstato ficará  ancorado em um ponto na região de atuação do Instituto Mamirauá, e será usado também para o monitoramento de rica biodiversidade da região.