País minúsculo encravado entre a Alemanha, a França e a

Bélgica, Luxemburgo combina a paisagem bucólica de província à movimentação de um centro bancário internacional, que acolhe vizinhos e imigrantes de 160 países

A bandeira luxemburguesa tremula diante do Palácio Ducal, residência do grão-duque Henrique, soberano do país.

O Grão-Ducado de Luxemburgo atingiu seu objetivo como nação. Ele possui a maior renda per capita do mundo: 64.100 euros anuais (cerca de R$ 163 mil). É um país abastado, metódico e, para simplificar, em escala minúscula – tem apenas 2.586 km2. Tudo está sob controle e opera em moldes de primeiríssimo mundo. Como uma Suíça, os sistemas parecem funcionar com segurança e pontualidade.

Cheguei a questionar se realmente valia a pena conhecer essa nação miúda (a menor unidade federativa brasileira, o Distrito Federal, é 2,2 maior do que ela), cercada por Alemanha, França e Bélgica. Mas o desafio de um viajólogo é sempre encontrar alguma jóia escondida nos rincões do mundo. Por isso, fui atrás.

Luxemburgo me recebe com sol. O dia está lindo, com um raro céu azul. Decido passear pelo parque que divide a capital, a Cidade de Luxemburgo, em dois setores (Centro e Estação) e encontro duas mulheres caminhando. Gentilmente, interrompo a conversa para saber por que estão na cidade. A resposta é quase ríspida. “Eu jamais teria vindo aqui se não fosse por ela”, diz a suíça Ursula Beninger, apontando para sua amiga residente Kathia, já encabulada. “Existem tantos outros lugares mais interessantes no planeta”, conclui.A declaração cai com uma ducha de água fria. Não concordo com Ursula e argumento: conhecer Luxemburgo pode ser tão atraente quanto visitar qualquer outro país. Sua rispidez me incita a querer descobrir, ainda que em poucos dias, a essência e a identidade da capital do grão-ducado. Agradeço o diálogo e saio ao assalto de outras vítimas com uma nova pergunta: “Por que você gosta de seu país e desta cidade?”

“Gosto da natureza”, responde Tassy Dockendorf, uma jovem funcionária pública. “Nasci em Luxemburgo e tenho orgulho das áreas verdes que possuímos.” Descubro que 35% do país está coberto por florestas. Um bom exemplo é o bosque onde nos encontramos, ao longo do rio Alzette e seu afluente, Pétrusse. Os vales estão flanqueados por escarpas íngremes de até 100 metros de altura. A cidade, empoleirada lá em cima no topo dos rochedos, domina o cenário bucólico. Um perfeito cartão postal.

À esquerda, no alto: fiel reza no interior da Catedral Notre Dame, Cerca de 87% da população do país é católica. À esquerda: vista do Palácio Ducal ao entardecer. À direita: a antiga cidade fortificada domina o bairro Grund, abaixo.

Foi precisamente no cume do rochedo Bock que Sigfried, conde das Ardenas, edificou, em 963, o Castelo Lucilinburhuc (“Pequena Fortaleza”). O nome foi simplificado e passou a designar o povoado. Uma vila desenvolveu- se ao redor da fortificação, aproveitando sua localização estratégica e a proteção natural. A fortaleza também cresceu nas mãos dos invasores. Alemães, franceses, holandeses, belgas, austríacos e espanhóis dominaram, em diferentes turnos, o estado apelidado de “Gibraltar do Norte”. Essas conquis tas custaram ao grão-ducado uma grande quantidade de terras e o Luxemburgo de hoje é quatro vezes menor do que a nação do século 17.

Foi esse vaivém das potências européias que deu a Luxemburgo sua principal característica: a diversidade étnica. Hoje, os habitantes locais – os luxôs – dizem, orgulhosos, que convivem de forma harmoniosa com outras 160 nacionalidades.

O holandês Hans Fellner, radicado ali há mais de 30 anos, também considera que o cidadão de qualquer canto é bem-vindo no país. Dono de uma livraria de frente para o Palácio Ducal, onde reside o soberano, grão-duque Henrique, Hans relata que cerca de 40% da população é estrangeira. “Sem contar os 130 mil vizinhos que vêm trabalhar legalmente em Luxemburgo durante o dia”, diz. Isso significa que a Cidade de Luxemburgo, que possui apenas 70 mil residentes, vê sua população quase que triplicar no horário comercial.

Albert Chaltin é um dos que cruzam a fronteira de segunda a sexta-feira. “Aqui os salários são mais altos e pago menos impostos. Mas devo trabalhar um pouco mais, pois a semana é de 40 horas”, comenta o belga, que opera com seguros. Ele considera que o incômodo cotidiano de uma viagem internacional, mesmo se apenas de uma hora, compensa. “Não existem problemas sociais. Há uma grande estabilidade, a economia funciona bem e hoje o país é um dos pólos financeiros mais importantes da União Européia.”

O nicho principal de Luxemburgo são as instituições bancárias e o setor de seguros. O grão-ducado não chega a ser um paraíso fiscal, mas 155 bancos o escolheram como sede, empregando ali cerca de 26 mil pessoas. O país possui uma população de apenas 480 mil habitantes, porém emite mais de 800 mil cartões de créditos.

Importante centro bancário, o país, com apenas 480 mil habitantes, emite mais de 800 mil CARTÕES DE CRÉDITO

Na hora do almoço, a Praça Guilherme II, no centro, está cheia de vida. O sol e a temperatura amena de outono convidam os funcionários de escritório a respirar ar fresco. As cadeiras e bancadas estão tomadas por gente de todo tipo. Comem um sanduíche e conversam animadamente. Alguns utilizam seu laptop, pois a prefeitura da capital montou um serviço gratuito de conexão via internet sem fio. A iniciativa HotCity, instituída em julho de 2007, pretende mostrar que a Cidade de Luxemburgo oferece uma excelente qualidade de vida e está na crista da onda tecnológica.

Para a jornalista Joy Majerus, do Conselho de Imprensa de Luxemburgo, seu país possui muito charme. “Como é pequeno, conhecemos todo mundo. Não existe o anonimato. Não somos apenas um número, como em Nova York”, conta. Como grande parte da população, Joy domina o francês, o alemão e o luxemburguês, os idiomas oficiais. Ela explica que existem ali 14 publicações, de periodicidade diária e semanal. “Além dos três idiomas nacionais, a língua mais usada em Luxemburgo é o português”, diz ao saber minha nacionalidade. “Dois jornais semanais são impressos em seu idioma.”

EU JÁ HAVIA OUVIDO várias senhoras na rua conversando em português. Pelo sotaque óbvio, não eram brasileiras. A comunidade portuguesa formouse há quatro décadas, quando imigrantes chegaram ao grão-ducado em busca de trabalho e de melhores condições de vida.

Aquilino Silva Tavares Melo é um dos 70 mil portugueses que moram em Luxemburgo. Ele, como grande parte de seus compatriotas, trabalha na construção civil. Está no país desde 1980 e não quer retornar à sua terra natal. “A qualidade de vida é muito alta, o sistema de saúde é eficiente e gratuito. Tenho dois filhos e quero que eles terminem seus estudos aqui.” Aquilino recebe 15 euros por hora, equivalente a um salário mensal de R$ 6.700. Todos seus companheiros na obra também são portugueses.

No alto, à esquerda, Manuel Carlos Antunes mostra vagens colhidas em sua horta, próxima ao riacho Pétrusse; à direita, jovem alemã, com trajes folclóricos, em visita a parentes na Cidade de Luxemburgo. Foto maior: vista da ponte Stierchen, construída em 1450 sobre o rio Alzette.

Um pouco mais idoso do que Aquilino, Manuel Carlos Antunes é aposentado e recebe uma confortável pensão do governo, em troca de 35 anos de serviço prestado levantando prédios. Hoje ele dedica parte de seu tempo livre a uma horta estabelecida na encosta do parque ao longo do riacho Pétrusse. “Tenho 500 metros quadrados de terra e, depois do inverno, planto couve-flor, feijão, beterraba, cebola, alho e até morango”, afirma, sorridente. “Não chega a ser uma fonte de renda. Gosto de repartir a colheita com os parentes e amigos.”

Impressionado com as hortas no centro da cidade – em uma zona extremamente valorizada, mesmo se em declive –, peço a Manuel que me explique como funciona. “Devo pagar uma anuidade de 12 euros (R$ 30) e manter minha parcela bem cuidada”, conta. “Das 20 hortas dessa área, 13 estão nas mãos de portugueses. Gostamos de trabalhar na terra.” Essas encostas são utilizadas para a agricultura doméstica há 300 anos. Posicionadas de frente para o sul, as hortas recebem os raios do sol e estão protegidas do vento frio do norte.

MANUEL TEM TRÊS FILHOS e sete netos. Todos os membros de sua família mantiveram a nacionalidade portuguesa, mas nenhum quer deixar Luxemburgo. “Sinto-me em casa, pois hoje existe uma grande harmonia entre os locais e os imigrantes. Nós ajudamos a construir esse país”, relata Manuel, consciente do papel dos portugueses na economia do grão-ducado.

Como havia combinado com o livreiro Hans Fellner conversar um pouco mais sobre a vida cultural da cidade, subo a encosta e regresso ao centro histórico. “Vale a pena você visitar o Mudam, o novo Museu de Arte Moderna”, ele sugere. “Tem apenas um ano e é nossa grande esperança para dinamizar o movimento artístico.” Hans explica que um dos problemas do país é a falta de massa crítica. “Estamos no limite de um organismo funcional. Nossa universidade foi criada há poucos anos, pois não tínhamos um número suficiente de estudantes”, esclarece.

Haroldo Castro viaja como jornalista, fotógrafo e conservacionista. Luxemburgo foi o 136º país visitado pelo fundador do Clube de Viajologia.

Uma das críticas à Cidade de Luxemburgo é não possuir uma vida noturna mais ativa. “Dentro de poucas horas, quando os franceses, alemães e belgas regressarem a seus países e os residentes forem para suas casas, a cidade morre”, comenta Hans. “Às 19 horas, ela parece uma vila fantasma. Isso pode ser tedioso para os jovens.” De dia, Luxemburgo é uma capital cosmopolita; à noite, apenas um vilarejo de província.

Ao saber que pretendo escrever uma crônica sobre Luxemburgo, Hans me oferece um livreto intitulado Hello. “É um guia sobre nossa idiossincrasia. Contém entrevistas com 20 residentes – artistas, jornalistas ou arquitetos – que deram sua opinião sincera sobre a cidade. Fiz parte do projeto”, sorri.

Abro o capítulo que ele preparou e vejo sua descrição sobre a capital. “Venha nos visitar. Oferecemos um pouco de tudo. Em tamanho miniatura.” A Cidade de Luxemburgo pode até ser pequenina, mas soube ganhar o coração daqueles que chegaram dos quatro cantos do mundo.

Luxemburgo é um dos 222 países e territórios do Teste de Viajologia Mundial

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