Diversos estudos indicam que as pessoas com laços sociais mais fortes tendem a ser mais felizes e saudáveis do que aquelas que se isolam. O porquê disso pode ter começado a ser descoberto a partir de uma pesquisa desenvolvida por neurocientistas da Universidade da Virgínia (Estados Unidos), publicada em julho na revista Nature. Eles detectaram em camundongos uma via por meio da qual moléculas do sistema imunológico relacionadas ao combate a infecções afetam a atividade cerebral e os déficits sociais.

Há poucos anos, ninguém pensaria em interações do gênero entre o cérebro e moléculas do sistema imunológico, já que, segundo os conhecimentos científicos dominantes, elas seriam impedidas pela barreira entre o sangue e o cérebro existente nos mamíferos. Em 2015, porém, pesquisadores da mesma Universidade da Virgínia revelaram que um tecido linfático oculto liga o sistema imunológico e o cérebro.

“Pensava-se que o cérebro e o sistema imunológico adaptável eram isolados um do outro, e qualquer atividade imune no cérebro era percebida como sinal de uma patologia”, afirma Jonathan Kipnis, chefe do Departamento de Neurociência da Universidade da Virgínia e um dos autores do estudo. “Agora, estamos mostrando não apenas que eles estão interagindo intimamente, mas que alguns de nossos traços comportamentais podem ter se desenvolvido por causa da nossa resposta imune a patógenos.”

Para o experimento, os cientistas usaram camundongos criados sem a função imunológica normal, conhecidos como camundongos SCID (sigla em inglês para a imunodeficiência combinada severa). Esses animais não demonstram nenhum impulso para interagir com outros camundongos quando as ocasiões para tal se apresentam. Ao monitorarem sua atividade cerebral, os pesquisadores descobriram um padrão de hiperconectividade no córtex cerebral associado à resistência social que demonstravam.

Segundo os autores da pesquisa, trata-se do mesmo padrão já constatado em seres humanos com autismo, demência e esquizofrenia. A conclusão é natural: o comprometimento do sistema imunológico pode interferir no comportamento social nos seres humanos. “Temos mais e mais evidências que ligam a disfunção imunológica à disfunção comportamental e neuronal”, diz o neurocientista Anthony Filiano, principal autor do estudo.

Hiperatividade inibida

Depois de testarem várias moléculas relacionadas à imunidade, os pesquisadores se concentraram no interferon gama (IFN-y), molécula associada à luta contra germes e bactérias invasoras. Quando os camundongos receberam o IFN-y em seu fluido cérebro-espinhal, passaram a interagir socialmente com outros ratinhos, graças à inibição da hiperatividade em seus cérebros que poderia prejudicar o comportamento social normal. O IFN-y, portanto, aparentemente ajuda a regular a conexão social, pelo menos em ratinhos – e, possivelmente, também em humanos.

De acordo com Filiano, a conexão entre o sistema imunológico e o cérebro que intensifica ou reduz o comportamento social pode estar ligada ao fato de que a organização social é importante para a sobrevivência, em aspectos como reprodução, proteção e busca de alimentos. Agrupar pessoas, porém, amplia o risco de infecção por moléstias contagiosas, e isso obrigou o organismo a desenvolver uma forma de reduzir esse risco. O IFN-y, aparentemente, cumpre essa função: fluindo na corrente sanguínea, ele avisa ao cérebro que, como está lá para combater infecções, não é peri­goso ficar perto de outras pessoas. “Pensamos que o interferon gama evoluiu para controlar de maneira mais eficaz essa resposta antipatógeno enquanto os organismos estão se agregando”, afirma Filiano.

As pesquisas no setor ainda estão no início, e há centenas de células imunes e moléculas do sistema imunológico relacionadas ao combate a doenças que podem ser investigadas com essa finalidade. “Moléculas imunes estão de fato definindo como o cérebro está funcionando”, afirma Kipnis. “Assim, qual é o impacto global do sistema imunológico no desenvolvimento e na função do nosso cérebro? Acho que os aspectos filosóficos desse trabalho são bem interessantes, mas ele também tem implicações clínicas potencialmente muito importantes.”

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