Um painel de peritos da Comissão Internacional de Bio­ética (IBC, na sigla em inglês), que a Unesco reuniu em Paris, em outubro, recomendou a proibição temporária da “edição” genética da linhagem germinativa humana (as células que têm o potencial de gerar gametas, isto é, células reprodutivas como espermatozoides e óvulos) e sugeriu um amplo debate público sobre mudanças genéticas do DNA humano.

No fim da reunião, os 36 membros do grupo, composto por cientistas (entre os quais está o brasileiro Volnei Garrafa, coordenador da Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília), filósofos, advogados e ministros de governo, publicou o relatório “Atualizando Sua Reflexão sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos”, no qual afirma que “a terapia genética pode ser um divisor de águas na história da medicina e a edição do genoma é, sem dúvida, um dos empreendimentos mais promissores da ciência para o bem da humanidade”. Mas adverte que “esse desenvolvimento parece exigir precauções especiais e levanta sérias preocupações, sobretudo se a edição do genoma humano deve ser aplicada à linhagem germinativa e, portanto, introduzir mudanças hereditárias, que poderiam ser transmitidas às gerações futuras”.

Recentes avanços abriram a porta para o mapeamento genético e testes para doenças hereditárias, a terapia genética, o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas médicas e a possibilidade de clonagem e “edição” genética para fins medicinais e não medicinais.

“As intervenções no genoma humano deveriam ser admitidas apenas por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e sem representar alterações para os descendentes”, diz o IBC, argumentando que a alternativa “prejudicaria a dignidade inerente, e portanto igual, de todos os seres humanos, e renovaria a eugenia”.Segundo o IBC, os avanços em genética tornam os “bebês projetados” uma possibilidade cada vez maior e estimulam cientistas e bioeticistas a um debate público mais amplo sobre o poder da ciência para mudar geneticamente embriões humanos em laboratório de modo a controlar traços herdados, tais como aparência e inteligência.

Poder de escolha

Uma nova técnica, a CRISPR-Cas9, permite aos cientistas inserir, remover e corrigir o DNA de forma simples e eficiente. Ela mantém a perspectiva de tratar ou mesmo curar moléstias como doenças falciformes, fibrose cística e alguns tipos de câncer. Mas a edição da linhagem germinativa também pode alterar o DNA, determinando, por exemplo, a cor dos olhos de um bebê.

Uma análise da legislação global e das práticas relativas à mudança genética, publicada pela Universidade de Hokkaido (Japão) em 2014, mostrou que 29 dos 39 países analisados proibiam a edição da linhagem germinativa humana. Em 25 países, a proibição foi juridicamente vinculativa. Outros quatro tinham diretrizes sobre o tema, enquanto as regras nos dez restantes foram consideradas ambíguas.

O relatório também adverte contra o perigo oculto dos testes genéticos do tipo “faça você mesmo”, dizendo que os consumidores que testam seu DNA usando os chamados kits “Direto para o Consumidor” (DTC, na sigla em inglês) comprados online precisam de aconselhamento médico e genético para compreender os resultados e agir a partir deles. Esses kits estão disponíveis aos consumidores para fazer testes médicos e não médicos, tais como testes de ascendência étnica. O comitê sugeriu uma regulamentação clara e informações para os consumidores sobre esses testes. “

(…) O papel das autoridades públicas é essencial para promover campanhas destinadas a informar os cidadãos sobre a base científica real ou infundada de testes DTC e elevar a consciência apropriada”, afirma o IBC.

Os estados membros da Unesco adotaram em 2005 a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos para lidar com questões éticas levantadas por mudanças rápidas em medicina, ciências da vida e tecnologia. A Declaração afirma que o genoma humano é parte do patrimônio da humanidade e descreve as regras a observar para respeitar a dignidade humana e as liberdades fundamentais.

No início de 2015, pesquisadores chineses anunciaram que haviam alterado pela primeira vez o DNA de embriões humanos incapazes de maior desenvolvimento, enquanto cientistas britânicos solicitaram o direito de modificar embriões geneticamente, como parte de uma pesquisa mais ampla. Os cientistas chineses alteraram um gene aberrante que causa uma doença no sangue com risco de vida.

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