Pesquisadores da IBM norte-americana apresentaram em Nova York, em agosto, os dois primeiros protótipos de um novo tipo de chip de computador desenhado para emular as sinapses de percepção, ação e cognição dos neurônios humanos. Os chips neurossinápticos aumentam a eficiência das máquinas em várias ordens de magnitude, consumindo menos energia e ocupando menos espaço dentro dos computadores. Em longo prazo, eles induzirão à engenharia de máquinas de inteligência adaptativa, baseadas na análise de informação complexa e proveniente de múltiplas fontes sensoriais, capazes de se retroalimentar da sua interação com o ambiente.

Se tudo der certo, por meio de algoritmos e circuitos de silício, os novos chips replicarão parte da dinâmica biológica das sinapses nos neurônios humanos. Com eles inaugura-se a geração de computadores cognitivos capazes de encontrar correlações, criar hipóteses e “lembrar” de resultados, reproduzindo a “plasticidade sináptica” do pensamento, que aprende com a experiência. Atualmente na fase 2, o projeto se encerra com a fase 4 – sem data marcada para terminar -, que culminaria com a fabricação de um robô “inteligente”. Se tudo der certo.

Para tanto, os cientistas da IBM Research, liderados pelo engenheiro indiano Dharmendra Modha, líder do projeto SyNAPSE (sigla em inglês para Sistemas Eletrônicos Escaláveis de Adaptação Plástica Neuromórfica), trabalham combinando princípios de nanociência, neurociência e supercomputação, em parceria com pesquisadores de várias universidades norte-americanas (Stanford, Wisconsin- Madison, Cornell, Columbia e Califórnia-Merced) e com a Agência de Projetos Avançados de Pesquisa de Defesa (Darpa) do governo norte-americano, cofinanciadora do projeto.

“Esta é uma iniciativa importante para ultrapassar o paradigma de Von Neumann que preside a arquitetura de computadores há meio século”, disse Dharmendra Mohda à PLANETA. “No futuro, os computadores exigirão uma funcionalidade não contemplada pela arquitetura tradicional. Esses chips são um passo importante para a evolução das máquinas – de calculadoras para sistemas de aprendizado -, sinalizando o início de uma nova era de computadores para os negócios, a ciência e o governo.”

A sinapse humana é a base teórica da inovação. “A sinapse nada mais é do que a carga que passa pela junção do axônio de um neurônio (sua linha de saída) ao dendrito de outro (sua linha de entrada)”, explica Mohda. “Usamos a Lei de Hebb, que diz que ‘neurônios ativados simultaneamente intensificam a sinapse’, para adaptar o peso das mesmas. Trata-se de intensificar ou de diminuir as sinapses, em resposta a causalidades ou anticausalidades.”

O húngaro-americano John Von Neumann (1903-1957) criou a arquitetura clássica de computador, baseada em um programa de processamento de instruções sequenciais e uma memória armazenadora de dados, estabelecendo o esqueleto do primeiro grande computador digital eletrônico, o Eniac (Electrical Numerical Integrator and Computer), em 1946. Já o neurologista canadense Donald Hebb (1904-1985), criador da Lei de Hebb, foi um dos pioneiros no estudo da contribuição dos neurônios para o aprendizado humano.

Hardware x software Descontando-se o marketing da indústria – o famoso hype -, sabe-se que o cérebro funciona com uma rede de 100 bilhões de neurônios, que produzem 100 trilhões de sinapses. Uma complexidade dessa ordem apresenta mais mistérios do que respostas. Como a consciência emerge? Como as memórias são armazenadas? Por que dormimos? Essas questões continuam tão obscuras quanto sempre foram. Mas a ciência está avançando na investigação de como os neurônios e as sinapses alimentam a eficiência, o poder e a inteligência maleável do cérebro.

Desde os anos 1940 as redes neurais vêm sendo estudadas, junto com a modelagem matemática dos neurônios. Todo ano há congressos internacionais de informática sobre redes neurais. Na prática, as redes já inspiram a fabricação de máquinas fotográficas que disparam quando a pessoa fotografada ri e de sistemas de identificação baseados na memorização dos traços do rosto. Trata-se, entretanto, de circuitos pequenos, de 100 a 200 neurônios, capazes de realizar apenas aquela tarefa. No caso da modelagem, os modelos são desenvolvidos virtualmente, por meio de simulação de software. A novidade do chip neurossinapático é ser uma peça de hardware que agrega uma promessa de evolução veloz para o desenvolvimento da inteligência artificial.

Embora não contenha elementos biológicos, os novos chips usam circuitos digitais de silício e contam com um núcleo neurossináptico composto por uma memória integrada (sinapses replicadas), uma base de computação (neurônios) e eixos de comunicação (axônios). Os protótipos apresentados pela IBM contêm 256 neurônios cada um, manufaturados na fábrica de Fishkill, no Estado de Nova York. Um deles contém 262.144 sinapses e o outro, 65.536.

Com os chips, a equipe de Modha conseguiu executar operações simples de navegação, de visão, de reconhecimento de padrões, de associação de memórias e de classificação. Há dois anos, durante as fases 0 e 1 do projeto, os cientistas simularam o funcionamento da rede cortical do cérebro humano, criando um novo algoritmo processador de cálculos, o BlueMatter. Com a ajuda do supercomputador Blue Gene, do Lawrence Livermore National Laboratory, dotado de 147.456 CPUs e 144 terabytes de memória, conseguiram medir e mapear a localização de 1 bilhão de neurônios e 10 trilhões de sinapses.

A simulação permitiu experimentar hipóteses sobre o funcionamento do cérebro, avançando na investigação dos circuitos computacionais micro e macro do córtex. Nas fases 3 e 4, o projeto SyNAPSE pretende desenvolver um sistema de computação cognitivo baseado em chips neurossinápticos com cerca de 10 bilhões de neurônios – “um design de nível humano”, segundo Modha. Tudo isso ocupando um volume de 2 litros e consumindo menos de 1 quilowatt de energia – culminando com a construção de um robô bem mais inteligente do que os atuais.

Probleminhas práticos

Cada neurônio humano é, simultaneamente, um processador e uma memória, integrados a uma “rede social neural”. Termina aí a analogia com o cérebro. “Embora seja fácil de se deixar carregar, precisamos esclarecer que não estamos tentando replicar o cérebro, adverte o cientista-chefe. “Apenas nos inspiramos na incrível capacidade do cérebro de processar uma imensa quantidade de dados sensoriais e contextuais consumindo muito pouca energia e espaço.”

No dia em que as máquinas pensarem poderemos ter “um sinal de trânsito que integre visão, sons e cheiros, advertindo sobre cruzamentos perigosos antes de os desastres acontecerem”, diz Mohda. Ou um sistema cognitivo de monitoramento das reservas de água, capaz de integrar uma rede de sensores que mediria fatores como temperatura, pressão, ondas e marés oceânicas para emitir alarmes contra tsunamis. Um comerciante que arruma frutas numa prateleira poderia “vestir uma luva instrumental para monitorar a visão, o cheiro, a textura e a temperatura e avaliar o estado de conservação ou de contaminação dos produtos”, ressalta o cientista.

Combinar as percepções em tempo real, com rapidez quase instantânea, seria tarefa impossível para computadores atuais, mas pode ser natural para um sistema de chips neurossinápticos. Trata-se, portanto, de aumentar a inteligência artificial das máquinas, não de inventar a pólvora. “Os computadores realizam cálculos rápidos. São como a metade esquerda do cérebro, mal capacitada para a computação realizada pela metade direita, capaz de reconhecer perigo e distinguir rostos amigos”, explica Modha. “Você não dirige um carro sem uma metade do cérebro, mas isso é o que um computador atual faria. Trata-se, então, de agregar competências.” 

Mas as sinapses humanas mudam, maleáveis à experiência, de acordo com o entendimento e o arbítrio. Como um sistema hard-wired poderia adquirir uma plasticidade equivalente? Talvez uma máquina jamais adquira os dons do cérebro, mas pode ser bem mais inteligentes. “Somos devedores da riqueza das informações neuroanatômicas produzidas pelos estudos sobre a configuração do cérebro e somos gratos ao conhecimento neurofisiológico. Mas os esforços para simular o cérebro, com a sua complexidade e enredamento, requereriam supercomputadores enormes para simular apenas uma pequena parte dele”, admite o cientista.

Velocidade tecnológica

Isso não quer dizer que a memória sináptica de um computador não possa ser adaptada em tempo real para codificar correlações, associações, causalidades e anticausalidades. Máquinas mais inteligentes seriam capazes de compreender nossos desejos, diz o cientista. “Essa é uma plataforma de tecnologia adaptável a ambientes ubíquos e mutáveis. Suas aplicações são tão ilimitadas quanto as do cérebro. Captamos informações da vista, do toque, do som, do cheiro e as integramos em modalidades de funcionamento, como discursar e caminhar. Essas modalidades são o resultado da computação toda, que retorna às conexões neuronais.”

“O chip da IBM tem 256 neurônios e o cérebro humano tem 100 bilhões. Portanto, falta muito”, ressalta o professor Adriano Lorena Inácio de Oliveira, do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco. “Entretanto, especialistas como Ray Kurzweil advertem que em 1945 não havia perspectiva do que fazemos em 2011. A velocidade da evolução tecnológica que a invenção de um chip neurossináptico deflagra é imprevisível. Não sei se será viável construir um robô com 100 bilhões de neurônios. Não sei nem mesmo se interessa construí-lo. Mas aumentar a inteligência das máquinas interessa.”

Com chips neurossinápticos, uma nova arquitetura de computador deverá surgir. Será possível configurar redes neuronais para propósitos diferentes e maleáveis. “É possível imaginar uma hierarquia de técnicas de programação estruturada por uma rede social de chips neurossinápticos falantes, capazes de ser adaptados e reconfigurados para realizar tarefas. É aí que gostaríamos de chegar”, diz Modha.

Cem anos de robôs

1924 – O engenheiro Roy J. Wensley, da Westinghouse, cria o primeiro robô mecânico, dotado de sistema de telefonia para ligar e desligar. Em 1927, Wensley fez o Televox, um humanoide que executava movimentos básicos. Em 1930, surgiu Willie Vocalite, com 2 metros de altura, capaz de controlar dispositivos ligados a ele. Sentava, ficava de pé, movia os braços e conversava por meio de um disco de frases gravadas.

1937 – A Westinghouse cria Elektro, robô teleoperado que obedecia a comandos de voz. Podia andar e mover a cabeça e os braços se mexiam separadamente. Falava abrindo e fechando a boca. Sensores fotoelétricos permitiam-lhe distinguir o vermelho do verde.

1954 – Os americanos George C. Devol e Joe Engleberger desenvolvem o Unimate, de 1.800 kg, o primeiro robô para uso em linha de produção, na General Motors. Carregava lâminas de aço quentes e instalava peças em carros.

1966 – Joseph Weizenbaum, do MIT, cria Eliza, o primeiro programa de inteligência artificial capaz de simular diálogos simples a partir da resposta do interlocutor.

1981 – Takeo Kanade, do Instituto de Robótica da Universidade Carnegie Mellon, nos EUA, cria um braço mecânico dotado de motor nas juntas, capaz de fazer movimentos rápidos e precisos.

1997 – A NEC começa estudos para desenvolver o robô R100 para auxiliar as tarefas domésticas cotidianas.

A IBM apresenta o Deep Blue, computador programado com todas as jogadas de xadrez, que venceu o então campeão mundial, Garry Kasparov (foto), em 1996. Sua vitória suscitou reflexões sobre a inteligência humana e a mecânica.

1999 – A Sony cria um novo brinquedo, o cachorro-robô Aibo, capaz de andar, sentar e interagir com o dono. Acariciado, demonstrava felicidade.

2000 – Lançado Asimo, da Honda, um humanoide que imita alguns movimentos humanos. Com aperfeiçoamentos graduais, já era capaz de correr, subir, descer escadas e chutar uma bola de futebol.

2001 – A NEC lança o Papero, dotado de rodas, em vez de pernas. Muito parecido com o R2D2, da cinessérie Guerra nas estrelas.

Os robôs saem da indústria automobilística e vão para outros setores da economia, como a produção de artigos de higiene. Nas casas, instalam-se sistemas automatizados para abrir e fechar janelas e regular luz, câmeras de vigilância, portões automáticos e alarmes anti-invasão.

2008 – No Brasil, o Hospital Sírio-Libanês implanta o robô cirurgião Da Vinci, com quatro braços mecânicos controlados por joystick. Já realizou centenas de operações.

2009 – Pesquisadores da Nissan criam Eporo, um carro-robô dotado de inteligência anticolisão, inspirado na dinâmica dos cardumes de peixes. Sua tecnologia sem fio permite calcular a distância até um obstáculo e mudar a rota automaticamente.

2010 – A Nasa e a General Motors apresentam o Robonaut 2 (R2), um robô humanoide comandado pela voz, capaz de ajudar humanos em tarefas espaciais repetitivas ou de maior risco.

2010 – A Microsoft anuncia o emprego de recepcionistas virtuais em alguns dos seus prédios. Com sensores de áudio e vídeo, o avatar virtual da recepcionista é capaz de compreender conversas, reconhecer rostos e ajudar visitantes.

2011 – O Estado de Nevada, nos EUA, aprova a Lei 511, que esboça regras para o trânsito de veículos sem motorista, em áreas restritas. O Instituto de Tecnologia de Tóquio apresenta um protótipo de robô que percebe e realiza tarefas não programadas, a partir do aprendizado com a experiência. A máquina usa uma rede neural autorreplicante. Solicitado a pôr gelo em um copo, o robô “aprendeu” na hora: segurou o vaso com as duas mãos e colocou-o na mesa para pôr gelo.

2024? – Um robô com chips cognitivos talvez possa se aproximar da máquina do filme Eu, robô, de 2004, estrelado por Will Smith.