Alexandra Loras, 39 anos: a ex-apresentadora de TV e esposa de um diplomata francês encontrou no Brasil um espaço propício para defender os direitos das mulheres negras

A jornalista francesa Alexandra Loras chegou ao Brasil em 2012, acompanhando o marido, Damien Loras, cônsul-geral do seu país. Durante algum tempo sua principal atividade foi promover eventos na residência consular, nos quais muitas vezes os convidados a confundiam com uma serviçal por ser negra. Aos poucos, porém, ela encontrou terreno fértil para estimular o debate sobre preconceito, liderança feminina e os direitos da mulher negra no Brasil. A recepção calorosa às suas ideias levou a família a se afastar das atividades consulares e a permanecer no Brasil, onde Alexandra faz cerca de cem palestras por mês e lança em agosto o livro Gênios da Humanidade, sobre negros de destaque na história. Ela fala sobre sua trajetória na entrevista a seguir, concedida à repórter Marcela Caetano.

PLANETA – Como surgiu a ideia do livro?
Alexandra – Durante o mestrado que fiz no Instituto de Estudos Políticos de Paris, em 2012, li Minhas Estrelas Negras, de Lilian Thuram, ex-jogador de futebol francês. Esse livro me permitiu ver-me como negra em um mundo eurocêntrico e me levou a fazer uma tese sobre a invisibilidade do negro na TV francesa. Quando cheguei ao Brasil, conheci o historiador da USP Carlos Machado, que pesquisava sobre os inventores negros, e decidimos juntar nossos trabalhos.

PLANETA – Por que abordar esse tema?
Alexandra – Na minha família diziam que os negros nunca inventaram nada, como se fôssemos uma raça inferior. O livro mostra o contrário e fala de personalidades como Teodoro Sampaio, Machado de Assis e André Rebouças.

PLANETAComo foi crescer nesse ambiente familiar?
Alexandra – Tenho quatro irmãos, brancos, loiros ou ruivos. Temos a mesma mãe e pais diferentes, mas apenas eu nasci negra. Na minha infância e juventude sofri preconceito, mas não entendia o motivo da exclusão e de ser inferiorizada, porque circulava nos mesmos ambientes que eles. Como fui criada por brancos, cheguei a pensar sobre os negros como eles. Depois, pesquisando, percebi que é tudo muito bem feito para que o negro se veja dessa forma.

PLANETA – Como buscou seu espaço no Brasil?
Alexandra – Escrevi um artigo para um grande jornal brasileiro sobre os atentados de Paris em janeiro de 2015. Por isso, recebi um puxão de orelha do embaixador e uma mensagem do Ministério dos Assuntos Estrangeiros francês dizendo que as esposas de diplomatas não podem se expressar na imprensa. Pensei: se estamos defendendo a liberdade de expressão com o jornal Charlie Hebdo, por que eu deveria me calar por ser casada com um diplomata?

PLANETA – Como vê a luta contra o racismo no Brasil?
Alexandra – É preciso elevar o debate sobre o racismo no Brasil. Ele não é tão velado assim. Entrar numa loja de brinquedos onde só há duas bonecas negras quando a maior parte da população brasileira é negra, isso é de um racismo violento. Mais dos que as crianças negras terem seus bonecos negros para brincar, as crianças brancas também precisam tê-los. Assim, os brasileiros se apropriariam da sua representatividade. Há apenas 13% de negros nos Estados Unidos. E aqui são 57%

PLANETA – Como é deixar a vida consular?
Alexandra – Deixar uma carreira de 24 anos para meu esposo, aos 46 anos, não é fácil. Podemos nos afastar entre três e dez anos do Ministério dos Assuntos Estrangeiros e voltar depois. Mas gosto do desafio de me reinventar na sociedade brasileira sem o papel de consulesa. 

PLANETA – Quais são seus planos agora?
Alexandra – Quero fazer um minidocumentário para educar as pessoas. Um racista não se vê assim e não nota quão humilhante é quando você é uma médica de cabelo crespo, por exemplo, e as pessoas perguntam “cadê a médica?”. Trabalhei muito minha estratégia para chegar onde estou e hoje quero dar passagem para outras mulheres negras chegarem onde quiserem chegar. O fato é que não dá para continuar tomando champagne e comendo petit four sem fazer nada.