Um único tubarão-cinzento-dos-recifes pode gerar US$ 250 mil no setor de turismo ao longo da sua vida. Se pescado, esse animal geraria uma renda única de US$ 50 a US$ 60, segundo cálculos do grupo especializado em tubarões da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, da sigla em inglês). Diante desses dados, não é preciso saber fazer conta para perceber que os tubarões valem muito mais vivos do que mortos.

Apesar do que os números provam e da importância desses animais para o ambiente marinho, a sopa de barbatana de tubarão, apreciada pelos asiáticos, ainda provoca a pesca de 73 milhões de indivíduos por ano. E 30% das espécies de tubarões e arraias do mundo inteiro estão ameaçadas ou quase ameaçadas, segundo a Lista Vermelha, preparada regularmente pela IUCN, que alerta para o risco de desaparecimento dos animais.

Os tubarões existem há mais de 400 milhões de anos (150 milhões de anos antes dos dinossauros) e estão no topo da cadeia alimentar marinha, ou seja, não têm predadores. “Se eles seguem aqui é porque têm um papel vital para manter o equilíbrio dos oceanos”, reforça Sofia Graça Aranha, bióloga especializada em tubarões, cofundadora do núcleo carioca da ONG Sea Shepherd Brasil e embaixadora do selo Shark­ Free. “Seus únicos predadores são outros tubarões, orcas e nós, os culpados pela redução dessas populações.”

Lucas Pupo
Os seres humanos representam a mais forte ameaça aos tubarões

O ciclo de vida desse rei dos mares é marcado por crescimento lento, alta longevidade, maturidade sexual tardia (algumas espécies só se reproduzem após os 50 anos) e baixo potencial reprodutivo, a uma taxa de um filhote a cada dois anos. “Mata-se num ritmo mais acelerado do que esses animais conseguem se reproduzir. É preciso entender que encher o barco de turistas é mais lucrativo do que encher o barco de tubarões pescados”, argumenta Sofia.

Mas o tema costuma ser pouco falado e falado às avessas na mídia. “O mais comum é explorar o lado monstruoso do tubarão, a visão sensacionalista de vilão dos mares”, diz Lygia Barbosa da Silva, diretora da Tru3Lab, produtora do que inicialmente ia ser um documentário e acabou por se tornar uma série de oito documentários, chamada Shark & I (Tubarão e Eu, em tradução livre).

Fonte de renda

O primeiro episódio foi filmado nas Bahamas, onde um levantamento sobre os últimos 20 anos revelou que os tubarões relacionados ao turismo – basicamente apoiado no mergulho com os animais soltos – contribuíram com mais de US$ 800 milhões para a economia do país. “Sou crítica a essa abordagem, porque o animal é um predador e você está condicionando-o a receber comida na boca em um mesmo lugar reiteradas vezes”, diz Sofia. Mas ela também aponta o lado interessante dessa prática: acabar com a fama de mau do tubarão, embora a prática não deixe de pôr o turista em risco, porque tratar com animais tem sempre o fator da imprevisibilidade.

De qualquer modo, tudo indica que os riscos são baixos. Na comparação de várias estatísticas realizada pelo Museu de História Natural da Flórida, descobriu-se que a taxa de mortes humanas por qualquer outra causa é muito maior do que os óbitos causados por acidentes com tubarões. É mais fácil morrer por comer tubarão do que ser comido por ele. Ser topo de cadeia também significa que a carne do animal contém níveis elevadíssimos de toxinas, ao bioacumular os metais tóxicos que vêm desde o plâncton, que os absorve das atividades de terra (agrotóxicos usados na lavoura e que terminam nos mares), até o último peixe que lhe serviu de alimento.

Lucas Pupo
Topo da cadeia alimentar, esse predador tem níveis altos de toxinas na carne

Em novembro de 2013, 110 moradores de uma vila de Madagascar foram parar no hospital depois de comer tubarão e nove morreram. Esse é um episódio que se repete há pelo menos duas décadas: após a captura de um animal de grande porte, sua carne chega ao mercado e pode intoxicar milhares de pessoas e matar várias delas. O brasileiro talvez não saiba, mas consome muita carne de tubarão (frequentemente chamado nas nossas peixarias de “cação”), que não é muito saborosa, mas costuma ter preço baixo. As toxinas são inofensivas para a saúde dos animais, mas fatais para os humanos.

“Dependendo da quantidade consumida, pode agravar ou levar a problemas de memória e locomoção, por exemplo”, adverte a bióloga. Para alertar o consumidor brasileiro, Sofia desenvolveu o selo Shark Free, a ser estampado por todos os comércios que se responsabilizarem em não vender, transportar ou trabalhar com subprodutos de tubarão. O objetivo é diminuir a demanda por carne, dente, colágeno, barbatana e óleo de fígado de tubarão. “Diminuir a demanda representa diminuir o estímulo para a pesca”, defende.

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