Nos quase 800 anos desde a sua morte, em 1227, muitos procuraram em vão o túmulo de Gengis Khan, o conquistador do maior império contínuo do planeta, desde o Mar Cáspio ao Oceano Pacífico. Ao se expandir pela Ásia Central, em territórios das atuais China e Rússia, o exército do soberano mongol matou e saqueou, mas também estabeleceu novas ligações entre o Ocidente e o Oriente, remodelando o mundo.

A morte de Gengis Khan está encoberta por mitos. O lugar onde seu corpo descansa nunca foi encontrado. Na época, foram tomados cuidados para proteger o túmulo de ladrões de sepultura. Diz a lenda que o cortejo funerário matou quem cruzasse seu caminho. Os construtores do túmulo também teriam sido mortos, assim como os soldados que os mataram.

Os relatos podem ser forjados, mas muitos historiadores acreditam que Khan não foi enterrado sozinho: seus sucessores também teriam sido enterrados no mesmo mausoléu que reuniria joias, moedas e tesouros obtidos nas conquistas. Alemães, japoneses, norteamericanos, russos e britânicos já gastaram milhões de dólares em expedições fracassadas para encontrar o túmulo.

Agora, um grupo de cientistas americanos e mongóis encontrou a primeira evidência convincente da necrópole imperial onde Khan estaria enterrado, em algum ponto das montanhas Khentii, no nordeste da Mongólia. Foram descobertas fundações do que parece ser uma grande estrutura do século XIII ou XV, artefatos como pontas de flechas, joias e porcelanas. “Tudo parece se encaixar”, afirma o arqueólogo Albert Yu-Min Lin, explorador da National Geographic Society e líder do projeto.

Se a descoberta for confirmada, esse será um dos achados mais expressivos dos últimos anos. Usando aviões rastreadores (drones) e radares que penetram no solo, os pesquisadores examinaram toda a cadeia montanhosa Khentii, fotografando sistematicamente mais de mil quilômetros quadrados. Durante 800 anos, a região foi tida como inacessível, interditada até pelo próprio Gengis Khan. Mais de 85 mil imagens já foram analisadas no laboratório do Instituto de Telecomunicações e Tecnologia da Informação da Califórnia, da Universidade da Califórnia, em San Diego. Atualmente, os cientistas vasculham imagens de satélite de alta resolução e montam reconstruções em 3D com base no escaneamento do radar.

“Gengis Khan mudou o curso da história. Não consigo pensar em outra personalidade histórica que tenha causado um impacto igual sobre a qual se saiba tão pouco”, diz Lin. Ele se recusa a adiantar os resultados apurados até concluir o relatório final, mas seu entusiasmo é evidente. “Qualquer resultado arqueológico relacionado a esse assunto pode esclarecer partes vitais do legado cultural que estava perdido.”

Expectativa

A Mongólia é um dos países mais inabitados do mundo, com 1,5 milhão de quilômetros quadrados e apenas 3 milhões de habitantes, 40% dos quais na capital, Ulan Bator. Para chegar às montanhas Khentii, é preciso viajar da capital rumo ao leste, passando pela gigantesca estátua de Gengis Khan, na cidade mineira de Baganuur, que guarda 16 quilômetros de escombros petrificados da maior pedreira do país.

Saindo de Baganuur para o norte, ruínas de uma base militar soviética sugerem o cenário de um filme pósapocalíptico. Mas quando surge o vale do Rio Kerulen, terra natal dos mongóis, o panorama muda. O vale acompanha uma das estradas que ligam a Ásia Central de leste a oeste. Estepes a perder de vista avançam para oeste, em direção ao Mar Cáspio, montanhas aparecem para o norte e, no sul, se estende o Deserto de Gobi.

A geografia e o clima favorável tornaram as estepes o berço de vários povos nômades. Diferentemente do resto do país, onde as temperaturas despencam a 4 graus centígrados negativos e beiram 400 C no verão, o clima no vale do Rio Kerulen é ameno. Sepulturas e monumentos usados em antigas cerimônias se espalham pelo campo. Os arqueólogos encontraram tumbas construídas sobre tumbas, o que mostra que tribos de diferentes eras usaram o mesmo espaço para rituais.

Cerca de 30% das famílias mongóis moram em tendas, os yurts, e mantêm o estilo de vida nômade. As cenas do pastoreio dos rebanhos parecem ter evoluído pouco desde a época de Gengis Khan. Dez anos de invernos rigorosos desde o ano 2000, seguidos por verões secos, afetaram a atividade pastoril. Milhares migraram para favelas urbanas e se voltaram para a mineração. As riquezas minerais da Mongólia turbinam uma das economias que mais crescem no mundo. O potencial econômico de carvão, cobre e ouro ultrapassa US$ 1,3 trilhão, mas o país continua pobre e semideserto.

Quando pergunto sobre o imperador para Altan Khuyag, pastor e guarda-florestal de 53 anos de idade, ele molha o dedo no copo de vodca e lança uma gota para o alto, na direção de Tengri, o deus do céu azul. Na Mongólia, a superstição envolve a figura do Khan e a busca por seu túmulo gera debates acalorados. Até o nome do imperador é um tema sensível. Conhecido como Chinggis Khaan, ele é considerado quase como um deus.

Khuyag já escalou as montanhas Khentii duas vezes, mas prefere que o túmulo do conquistador permaneça em paz. “Acho que as pessoas não deveriam procurar pelo sepulcro, porque se ele for aberto o mundo vai acabar.” De fato, a descoberta da tumba poderá gerar tensões geopolíticas, pois muitos chineses acreditam que Gengis Khan era chinês.

“Se a tumba de Gengis Khan for descoberta na Mongólia, a repercussão será enorme”, diz John Man, autor do livro Genghis Khan: Life, Death and Resurrection. “Os chineses acham que a Mongólia, assim como o Tibete, deveria ser parte da China. Se a China conseguir direitos legais para operar minas na Mongólia, o túmulo de Gengis deve se tornar um ponto crucial de ambição política como nunca visto antes.”

Tribo nobre

Nascido em uma tribo nobre do clã Bojigin, em 1162, nas proximidades do Rio Onon, perto do Lago Baikal, Gengis Khan (o “khan dos khans”, o chefe dos chefes) chamava-se Temudjin e teve uma vida épica. Seu pai foi assassinado e sua família viveu no ostracismo. Mas o jovem sobreviveu, cresceu e virou um guerreiro que uniu tribos turcas e mongóis, fundou o Império Mongol em 1206 e conquistou enormes extensões de terra. Também mudou a vida social e introduziu um alfabeto e uma moeda centralizada.

Embora seus soldados cometessem estupros e pilhagens, os khans sempre privilegiavam os filhos legítimos. Tushi Khan, filho de Gengis, teve 40 filhos. Seu neto, Kublai Khan, que recebeu Marco Polo em Pequim, em 1290, teve 22. Gengis Khan expandiu as conquistas da cavalaria mongol do Oceano Pacífico ao Mar Cáspio, tomando a China, a Pérsia, partes da Rússia e da Ucrânia. Seu filho e sucessor, Ogedei, levou o território dos khans à máxima expansão, da Síria à Indochina, da Hungria à Sibéria, sempre capturando bens e riquezas.

Os espólios eram divididos entre os soldados como pagamento. Mas a maior parte desses tesouros jamais foi encontrada, porque os costumes religiosos determinavam o enterro dos bens com os falecidos.

“As pessoas acham que o túmulo de Gengis Khan deve estar cheio de ouro e prata, tesouros, riquezas e moedas”, diz o arqueólogo Ulambayar Erdenebat, da Universidade Nacional de Ulan Bator. Um colar de cristais transparentes repousa sobre sua mesa enquanto ele embrulha peças em feltro preto. “Isto é único. Não há igual no mundo. Encontramos na tumba de um nobre do século XIII que deve ter feito parte da tribo do Gengis Khan”, explica.

Erdenebat abre outra caixa e delicadamente estica sobre a mesa um ornamento de ouro incrustado de rubis e turquesas. Devagar, abre um armário e revela mais tesouros: um copo de prata, anéis, broches e brincos de ouro, todos dos tempos de Gengis Khan.

Expedições

Durante décadas, as investigações arqueológicas ficaram bloqueadas pela inacessibilidade do país e das montanhas Khentii. Com o fim da dinastia chinesa Ching, a Mongólia declarou sua independência em 1911, apesar de a China considerá-la parte do seu território. Só em 1924 conseguiu efetivála, com o respaldo de Moscou. Entretanto, o alinhamento com o Kremlin barrou os arqueólogos, pois os soviéticos temiam que o culto a Gengis Khan se tornasse um ideal nacionalista.

No início da década de 1960, uma expedição de cientistas mongóis e alemães encontrou em uma das montanhas Khentii cacos de peças de cerâmica, unhas, azulejos, tijolos e o que pareciam ser as fundações de um templo. Havia centenas de pedras formando um dólmen e, no ponto mais alto, uma armadura de ferro, pontas de flechas, armas e outras oferendas.

Após o colapso da União Soviética, em 1990, a Mongólia tornou-se uma república parlamentar democrática e adotou a economia de mercado. Outra expedição liderada por japoneses e financiada pelo jornal Yomiuri Shimbun sobrevoou de helicóptero o topo das montanhas, mas não descobriu nada. Em 2001, um grupo guiado pelo empresário americano Maury Kravitz investigou a área, mas foi proibido de acessar a montanha. No lugar conhecido por Muro de Almsgiveri descobriu-se o túmulo de um soldado de um destacamento do século X. Mas a expedição foi abortada por acidentes que instigaram um jornal a escrever sobre a “maldição” da tumba de Gengis Khan.

Alguns arqueólogos sugeriram que as pedras do dólmen descoberto em 1960 eram, na verdade, sepulcros. Mas pesquisas feitas por Albert Lin e sua equipe revelaram que a teoria não tinha base científica. Usando tecnologias modernas, o grupo decidiu separar fato de ficção. “Tive sorte. Sou um cientista-engenheiro que tropeçou num mistério de 800 anos”, diz Lin. “Talvez o avanço da tecnologia possa abrir um novo capítulo científico em um pedaço perdido da história do mundo.”

Lin, cuja família é de origem mongol, aderiu à Associação Internacional de Estudos Mongóis e à Academia de Ciência Mongol. Em 2009, sua expedição, apoiada pela Universidade da Califórnia e pela National Geographic Society, se comprometeu a manter o máximo da integridade dos solos explorados usando ferramentas não invasivas, recebendo permissão para explorar a cadeia montanhosa. Assim nasceu o Projeto Vale dos Khans.

O entusiasmo aumentou quando o radar detectou o traçado de uma fundação de grandes proporções. Com ajuda de um magnetômetro e de rastreadores, os arqueólogos descobriram pontas de lanças e pedaços de cerâmica, telhas e tijolos. “Quando ampliamos a área de busca e olhamos de perto, identificamos centenas de artefatos espalhados pela superfície. Sabíamos que devia ter algo significativo ali”, conta Fred Hiebert, outro dos arqueólogos do projeto.

Com as descobertas passando pelo teste do carbono-14, os resultados revelaram que se encaixavam na época de nascimento e da morte de Gengis. “Algumas amostras indicaram origem entre os séculos XIII e XV, embora a análise para definição mais exata ainda esteja em andamento”, diz Hiebert. “Precisamos usar a ciência para preencher as lacunas dos documentos históricos. Isso é crítico para a compreensão do passado e para a preservação do futuro”, diz o professor Shagdaryn Bira, outro especialista do projeto.

Os próximos passos não são simples. A área continua restrita e controlada pelo governo, embora a equipe trabalhe lado a lado com as autoridades. “Não queremos fazer escavações”, garante Lin. “Acreditamos que o local deve ser protegido como Patrimônio Mundial, pela Unesco, para assegurar que nem o templo nem a área sejam saqueados ou destruídos.”

“Esse é o sítio arqueológico mais importante da Mongólia”, declara Oyungerel Tsedevdamba, ministro da Cultura mongol. O governo tem razões para estar preocupado, pois o roubo de tumbas é um problema crônico no país. Intermediários circulam pelo interior pagando moradores para pilhar sepulturas. Os artefatos saqueados são levados para fora do país e vendidos no mercado de Hong Kong e da China.

Com a crise na pecuária, os pastores começaram a mexer nas covas em busca de ouro. “É uma questão de sobrevivência”, diz Erdenebat. Os antiquários confirmam a alta demanda por relíquias. Numa loja da Rua do Turista, em Ulan Bator, o dono oferece uma peça de ouro antiga por US$ 35 mil e diz que o artigo vem de uma pilhagem na província de Khentii. Seu item mais caro é um cavalo de ouro de três polegadas que custa US$ 180 mil, do período Hunnu, do Vale do Kerulen.

Símbolo nacional

Nas ruas da capital fica claro que, desde a queda da União Soviética, a Mongólia celebra Gengis Khan como símbolo do restabelecimento da sua identidade, o centro de um culto que inspira um renascimento cultural e religioso inédito em 70 anos. Muitos mongóis veem o conquistador como o pai da Mongólia moderna e símbolo da sua independência. O aeroporto internacional da capital, seu principal hotel, a universidade, uma linha popular de bebidas energéticas e mais de uma dúzia de marcas de vodca levam o nome de Chinggis Khaan.

No centro de Ulan Bator, o imperador está solenemente sentado, tal como Abraham Lincoln, num monumento próximo ao Parlamento, visitado mensalmente por milhares de pessoas. Fora da capital, há estátuas de Gengis Khan em toda parte, como a do gigante de aço inoxidável de Baganuur. Nela, os turistas podem subir por um elevador dentro do monumento, sair entre suas pernas e contemplar do alto a vastidão das estepes.

“Toda nação cultua seus heróis. Ele é o maior símbolo da nossa”, diz Battulga Khaltmaa, ex-campeão mundial de judô e atual ministro da Indústria, responsável pela construção do monumento. “Mandei construir a estátua para comemorar os 800 anos da Mongólia e recuperar a história do Khan para as gerações mais novas, para torná-los orgulhosos do seu passado.”