Separar Olimpíada e política é tarefa impossível. Ambas sempre estiveram estreitamente ligadas, desde que os Jogos Olímpicos foram inventados na Grécia Antiga. Por volta de 2500 antes de Cristo, os gregos faziam homenagens aos deuses, principalmente Zeus, conclamando atletas das suas cidades-estados a se reunir na cidade de Olímpia para disputar diversas competições esportivas: atletismo, luta, boxe, corrida de cavalo e pentatlo (luta, corrida, salto em distância, arremesso de dardo e de disco).

Os vencedores ganhavam uma coroa de louro e alguns presentes, e voltavam para suas cidades como heróis. Viravam celebridades nacionais, recebiam convites dos maiores escultores da época para posar como modelos (privilégio raro e muito cobiçado, pois, para a mentalidade da época, isso equivalia a saltar para a imortalidade) e passavam a ser cantados em prosa e verso em todos os lugares onde se falava grego.

Mas o aspecto religioso da Olimpíada escondia outro, bem mais importante para a necessária manutenção do equilíbrio entre as belicosas cidadesestados rivais. Buscava-se, por meio das competições, a paz e a harmonia entre essas cidades que compunham a civilização grega.

No ano 392 de nossa era, os Jogos Olímpicos e quaisquer manifestações religiosas do politeísmo grego foram proibidas pelo imperador romano Teodósio I, logo depois que ele se converteu ao cristianismo. Curiosamente, nessa mesma época se encerrou o ciclo histórico das grandes democracias da Antiguidade, para dar lugar a um novo ciclo bem menos luminoso: o dos grandes governos absolutistas e despóticos da Idade Média na Europa.

UM MILÊNIO E MEIO se passou até que, no ano 1896, os Jogos Olímpicos foram retomados em Atenas, por iniciativa do francês Pierre de Fredy, conhecido como o Barão de Coubertin. Dessa primeira Olimpíada da Era Moderna participaram 285 atletas de 13 países, disputando provas de atletismo, esgrima, luta livre, ginástica, halterofilismo, ciclismo, natação e tênis. Os vencedores das provas foram premiados com medalhas de ouro e um ramo de oliveira.

Mas durou pouco essa fase em que as competições existiram para o deleite esportivo e nada mais. Logo, os Jogos Olímpicos, em função de sua visibilidade na mídia, voltaram a servir de palco às manifestações políticas e aos interesses comerciais, desvirtuando seu principal objetivo de promover a paz e a amizade entre os povos. Na Olimpíada de Berlim (1936), o chanceler alemão Adolf Hitler, movido pela idéia de superioridade da raça ariana, não ficou para a premiação do atleta negro norte-americano Jesse Owens, que ganhou quatro medalhas de ouro.

Na Olimpíada de Munique (1972), também na Alemanha, um atentado do grupo terrorista palestino Setembro Negro matou 11 atletas da delegação de Israel. A partir desse fato, todas as Olímpiadas ganharam uma preocupação com a segurança dos atletas e dos envolvidos nas competições.

Em plena Guerra Fria, os Estados Unidos boicotaram os Jogos Olímpicos de Moscou (1980), em protesto contra a invasão do Afeganistão pelas tropas soviéticas. Em 1984, foi a vez de a então União Soviética não participar da Olimpíada de Los Angeles, alegando falta de segurança para a delegação de atletas soviéticos.

Agora, chegou a vez da China. Esse gigante asiático não poupa dinheiro nem esforços para transformar os Jogos Olímpicos em símbolo da entrada definitiva do país no rol das grandes potências socioeconômicas do mundo contemporâneo.

NA OCASIÃO DOS JOGOS, a China quer aparecer como uma megademocracia. Mas, poucos meses antes do início deles, a repressão política no país continua. A polícia chinesa intensifica a repressão contra elementos considerados subversivos pelo poder oficial, notadamente os internautas e os jornalistas. Organizações jornalísticas com grande poder de ressonância, como é o caso da Repórteres sem Fronteiras, da França, põem a boca no trombone e denunciam a força dessa repressão.

Cerca de 30 jornalistas e uns 50 internautas estão atualmente na prisão na China. Alguns desde os anos 1980. Os programas em chinês, tibetano e na língua uigur de uma dezena de rádios internacionais sofrem interferência contínua por parte dos serviços de inteligência chineses e são praticamente inaudíveis. As autoridades se concentram agora na caça aos blogs e sites na internet que permitem o intercâmbio de vídeos.

Para conquistar a organização dos Jogos Olímpicos, as autoridades chinesas prometeram ao Comitê Olímpico Internacional e à comunidade mundial melhoras concretas na área dos direitos humanos. Mas, uma vez obtida a vitória, o tom dos comunicados mudou… Do ponto de vista do espetáculo e do esporte, a Olimpíada de certamente alcançará um enorme sucesso. Tudo indica, no entanto, que ainda não será desta vez que a democracia – vocação e objetivo primordial dos Jogos – triunfará em solo chinês.