As abelhas polinizam 71 das 100 colheitas que alimentam e vestem a humanidade.

Só em Santa Catarina, no ano passado, morreram por causas desconhecidas 100 mil colmeias de abelhas – um terço das 300 mil existentes no Estado. “Quem sente mais são as 30 mil famílias que dependem da produção de mel catarinense. A perda estimada foi de 6 mil toneladas do néctar”, afirma o presidente da Federação dos Apicultores e Meliponicultores do Estado, Nésio Fernandes de Medeiros.

O desaparecimento de abelhas de várias espécies vem preocupando pesquisadores no mundo todo. O fenômeno tem forte impacto na produção agrícola e na segurança alimentar, pois leva ao aumento do custo dos alimentos e ameaça a viabilidade de culturas. Prestadoras de inestimáveis serviços ambientais, as abelhas respondem pela polinização de 71 dos 100 tipos de colheita que alimentam e vestem a humanidade, segundo relatório da ONU de 2010. Entre essas culturas estão as de amêndoas, frutas (incluindo cítricos), verduras, algodão, sementes de forrageiras, como alfafa, e oleaginosas, como girassol e canola.

Além de polinizadores, os insetos ainda fornecem mel, geleia real, própolis, pólen e cera. Até mesmo seu veneno é remédio para artrite, reumatismo e esclerose múltipla. Usado em alguns países, como a Coréia do Sul, o veneno é aplicado no paciente usando-se a própria ferroada da abelha.

Colapso traumático

O declínio da população de abelhas foi notado nos EUA em 2006, e denominado Colony Collapse Disorder (Desordem de Colapso da Colônia). Desde então, atingiu toda a América, regiões da Europa, o Oriente Médio e a Ásia. As causas propostas são diversas: inseticidas e fungicidas, déficit nutricional associado à falta de flora natural, mudanças climáticas, manejo intensivo das colmeias, baixa variabilidade genética, vírus, fungos, bactérias e ácaros – juntos ou separadamente. Até a emissão eletromagnética de celulares já foi investigada, sem evidências.

A proliferação de pesticidas é um fator comprovado de extermínio de abelhas. Ao lado, David De Jong.

 

Pesquisas revelam vínculos entre o desaparecimento e a proliferação de pesticidas, que infligem danos à capacidade de navegação dos insetos. “Os pesticidas são uma causa de perdas importantes, com certeza”, afirma o geneticista David De Jong, professor da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (SP).

“Temos situações de toxicidade aguda, em que as abelhas morrem de uma vez, logo após a aplicação do agrotóxico. Mas há outras em que doses subletais podem fazê-las perder o rumo e não voltar ao ninho. Doses baixas de inseticidas também enfraquecem o sistema imunológico da abelha. O fato é que, com os novos inseticidas do grupo dos neonicotinoides, estamos definitivamente perdendo muitas abelhas Apis mellifera e muitas espécies de abelhas nativas”, adverte o pesquisador, doutorado pela Universidade de Cornell (EUA).

Uma pesquisa recente, realizada na Universidade de Stirling (Inglaterra) pela equipe do professor David Goulson, comprovou que os neonicotinoides, associados a parasitas e à destruição de habitats ricos em flores de que as abelhas se alimentam, são as principais razões para a perda das colônias. Embora a indústria de agrotóxicos e o governo inglês neguem os danos causados aos insetos, os neonicotinoides, largamente usados na Europa no fim dos anos 1990, já foram proibidos na Alemanha, na França e na Itália. Nos EUA, estão associados ao cultivo do milho.

 

Perdas no Brasil

No Brasil, desde 2007 há relatos de apicultores sobre a mortalidade súbita de abelhas, no Piauí, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo. Uma causa é a exposição a pesticidas em plantações de laranja, cana-de-açúcar e soja. “Os laranjais, que já foram importante fonte de néctar para a produção de mel, são hoje perigosos, dada a quantidade de agrotóxicos usada em razão de doenças como o greening”, diz De Jong, que trabalha com abelhas desde os 12 anos. “Novos patógenos recém-descobertos no país também têm sido encontrados em amostras de apiários onde houve perda expressiva de colmeias.”

De Jong esteve entre os pesquisadores que o primeiro ministro da antiga Secretaria Especial do Meio do governo federal (1974-1986), o professor Paulo Nogueira Neto, chamou para estudar a morte das abelhas na sua fazenda em São Simão, próximo a Ribeirão Preto. “Morreram colmeias de quatro espécies de abelhas nativas, todas com sintomas de intoxicação com inseticida, logo após a aplicação de veneno via avião em um canavial perto da fazenda. Ao mesmo tempo, morreram todas as 14 colônias de um apiário de abelhas africanizadas próximo dali”, recorda-se.

 

A exemplo dos EUA, também no Brasil alugam- se colmeias para polinizar culturas, como a da maçã no Sul e a do melão no Nordeste. Mas já em 2011 se verificou falta de abelhas para polinizar maçãs em Santa Catarina. O mesmo já ocorre com o pepino, o melão e a melancia. Por polinização insuficiente, nascem frutos com formato e sabor alterados. Pela mesma razão, tem havido perda de produção desses e de outros alimentos, como laranja, algodão, soja, abacate, café. “Através de experiências controladas, verificamos que onde colocamos mais abelhas aumenta a produção. Na cultura de maracujá estão tendo de polinizar com a mão, por falta de abelhas”, informa De Jong.

INSETOS ALTRUÍSTAS

Diminutas e invisíveis aos olhos urbanos, as abelhas escancaram a interdependência vital existente entre os reinos vegetal e animal. ‘‘As abelhas são altruístas, têm consciência comunitária, morrem pela colmeia. Têm capacidade de aprender e de se comunicar. Enquanto cuidam de si, beneficiam outros seres. No Brasil há muitas espécies de abelhas nativas sociais, sem ferrão, e várias produzem mel. Mas não têm mais onde viver em grande parte do país, e muitas já desapareceram”, diz David De Jong.

O professor Osmar Malaspina também alerta: “A relação entre abelha e floresta é tão intrínseca que, se as abelhas desaparecerem, a floresta terá sua capacidade de produzir sementes férteis reduzida. Só sobreviverão as espécies cujas flores aceitarem mecanismos de polinização ou outros polinizadores”. Mas, além das abelhas, polinizadores como borboletas, mariposas, morcegos e pássaros, como o beija-flor, também correm perigo.

Para saber mais

Paulo Nogueira Neto mantém ninhos de abelhas sociais nativas (melíponas e trigonas) para estudos. A sua fazenda, São Simão, em Ribeirão Preto, é usada rotineiramente por pesquisadores da USP e outras instituições, inclusive do exterior. O professor, de 90 anos, continua dando palestras. Seu livro Vida e criação de abelhas Indígenas sem ferrão tem livre acesso na internet. [http://pt.scribd.com/ doc/70004015/Vidae- Criacao-de-Abelhas- Indigenas-Sem-Ferrao- Paulo-Nogueira-Neto].

Efeito tóxico

O professor é contundente na avaliação. “Estamos diante de um desastre ecológico. O grupo de agrotóxicos neonicotinoides, de alta toxicidade para as abelhas, tem sido usado extensivamente no Brasil, aumentando muito a mortalidade, não só das abelhas como de outros insetos benéficos para a humanidade. O país vende a imagem de que pratica agricultura verde, mas isso não é verdade. O uso de veneno em grandes áreas está matando indiscriminadamente, inclusive abelhas nativas, sem as quais não se polinizam árvores nativas. Sem polinizadores, temos menos insetos, menos frutas e menos pássaros e outros animais silvestres”, afirma De Jong.

O professor Osmar Malaspina, do Centro de Estudos de Insetos Sociais da Unesp de Rio Claro (SP), recomenda aos apicultores que coletem amostras de abelhas no período de intoxicação aguda, quando ainda estão morrendo. “Essas abelhas devem ser armazenadas sob congelamento até o envio ao laboratório. O apicultor deve fazer um boletim de ocorrência e documentá-lo com fotos e testemunhas, para pedir a responsabilização dos aplicadores dos agrotóxicos”, afirma. O grupo de pesquisadores da Unesp de Rio Claro e da UFSCar, campus de Sorocaba e de Araras (SP), é referência na avaliação dos efeitos de agrotóxicos sobre o comportamento e a morfologia das abelhas. Para Malaspina, o governo brasileiro ainda está em compasso de espera. “Só agora estão ocorrendo alguns fóruns de discussão, na tentativa de identificar os problemas. O processo é longo e a criação de políticas públicas para a proteção dos polinizadores passa por ações conjuntas entre a indústria do setor, o governo e a universidade, levando informações à comunidade que usa os serviços.” Segundo ele, o Ibama tem discutido esse assunto há tempo. “O órgão ambiental está tentando formatar algumas ações, ainda tímidas, mas é um começo. A indústria tem se mostrado preocupada pela repercussão negativa para a sua imagem. Melhor que nada”, diz Malaspina.

Para De Jong, as empresas não disponibilizam informações adequadas sobre os danos dos agrotóxicos e tampouco fazem recomendações para reduzir o impacto sobre as abelhas. “Agrotóxicos que foram banidos da Europa pelos efeitos sobre os insetos estão sendo aplicados, em grande escala, de avião sobre a cana e outras culturas”, diz o pesquisador. “Um primeiro passo seria incluir nas embalagens informações sobre o seu grau de perigo para as abelhas.