Os problemas econômicos enfrentados nos últimos anos pelos Estados Unidos estão levando sua população a confirmar, dolorosamente, algo que os brasileiros intuem há muito tempo: na hora de ajudar espontaneamente os mais despossuídos, quem geralmente se apresenta são os pobres, e não os ricos. Essa conclusão – já indicada nos resultados de uma pesquisa nacional que mostrava que norte-americanos de baixa renda doam uma porcentagem maior de seus rendimentos à caridade do que as pessoas das classes mais altas – recebeu o endosso de pesquisas divulgadas recentemente. Realizadas por cientistas da Universidade da Califórnia, em Berkeley, elas evidenciaram que os indivíduos de nível socioeconômico inferior são, de fato, mais altruístas do que aqueles que possuem uma condição mais elevada.

Em um desses estudos, liderado pelo aluno de doutorado Paul Piff, os participantes inicialmente preencheram um questionário no qual forneceram informações sobre seu status socioeconômico. Dias depois, cada um deles recebeu US$ 10 para compartilhar com um estranho anônimo. Os resultados obtidos revelaram que as pessoas com menos posses foram mais generosas do que os participantes da classe alta.

Outra pesquisa, elaborada a partir dessa conclusão, investigou a possibilidade de haver algo específico na experiência psicológica de ser mais pobre que induza as pessoas nessa condição a doar mais. Para tanto, a equipe de Piff apresentou aos participantes um exercício no qual eles se sentiram como indivíduos de condição socioeconômica superior ou inferior. Depois dessa vivência, eles responderam a um questionário sobre como pensavam que as pessoas deviam dividir sua renda anual em termos de alimentação, lazer, saúde, doações para órgãos beneficentes e outras categorias de despesas. Quem vivenciou no exercício um status socioeconômico inferior declarou que uma porcentagem mais alta dos rendimentos deveria ser destinada à caridade.

Portanto, estar numa condição social e econômica inferior torna as pessoas mais generosas? Em outros experimentos, a equipe de Piff encontrou evidência de que a tendência maior dos participantes das classes baixas de exibir um comportamento mais bondoso e prestativo – ou “pró-social” – poderia ser explicada por sua preocupação maior em relação a valores igualitários e ao bem-estar de outras pessoas e aos seus sentimentos mais fortes de compaixão por outrem.

No entanto, os pesquisadores descobriram também que, ao induzirem sentimentos de compaixão em pessoas das classes mais altas, elas mostraram um comportamento pró-social comparável ao dos participantes das classes mais baixas (ou até maior do que a média registrada por eles). Isso sugeriu aos cientistas que os ricos e os pobres não necessariamente diferem em sua capacidade de desenvolver um comportamento pró-social, mas apenas no nível básico de compaixão que sentem por outras pessoas.

Alguns dos bilionários norte-americanos que se juntaram ao movimento The Giving Pledge, em sentido horário a partir da esquerda, no alto: o megainvestidor Warren Buffett; o fundador da Microsoft, Bill Gates; o fundador do canal de notícias CNN, Ted Turner; o diretor e produtor de cinema George Lucas; o cofundador da Oracle, Larry Ellison; e o atual prefeito de Nova York, Michael Bloomberg.

Para Piff e seus colegas, os pobres podem sentir mais compaixão porque estão mais ligados aos que os cercam, psicológica e socialmente.

Eles dependem mais de outras pessoas para sobreviver, por exemplo, e uma pesquisa anterior revelou que, talvez como resultado dessa dependência, eles exibem mais empatia e estão mais sintonizados com a linguagem corporal dos outros do que os ricos. Por outro lado, à medida que as pessoas atingem um estágio social mais elevado, sua habilidade de entender as perspectivas dos outros se reduz e pode até desaparecer.

As descobertas da equipe liderada por Piff têm uma profunda ressonância numa época em que 1% dos norte-americanos mais ricos detém mais do que as riquezas somadas dos 90% mais pobres da população. “Nossos dados sugerem que uma dinâmica irônica e autoperpetuadora pode explicar parcialmente essa tendência”, escreveram os pesquisadores em seu estudo, publicado recentemente no Journal of Personality and Social Psychology. “Enquanto pessoas das classes mais baixas podem doar mais de seus recursos, os indivíduos das classes mais altas tendem a preservar e manter suas riquezas. Esse padrão diferenciado de dar versus guardar entre as pessoas das classes mais altas e mais baixas pode servir para exacerbar a desigualdade econômica na sociedade.”

Louváveis exceções

Dois dos homens mais ricos do mundo – o fundador da Microsoft, Bill Gates, e o investidor Warren Buffett – ganharam as manchetes da imprensa de todo o mundo em agosto ao convencer 40 bilionários norteamericanos a doar pelo menos metade de sua fortuna para a filantropia. Segundo Buffett, o movimento que ele e Gates iniciaram, denominado The Giving Pledge (O Compromisso de Doar), tem como meta levar cada norte-americano com patrimônio igual ou superior a US$ 1 bilhão a doar parte dele para a filantropia. Entre os 40 nomes que já aderiram à iniciativa estão o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg; o fundador da CNN, Ted Turner; o diretor e produtor George Lucas; o filantropo David Rockefeller; e o investidor de petróleo T. Boone Pickens.

As quantias que o movimento (www.thegivingpledge.org) deverá reunir causam impacto, mas é preciso lembrar que os norte-americanos têm uma longa tradição de filantropia. A cada ano, pelo menos US$ 260 bilhões são doados nos EUA, de acordo com o Tesouro do país; 89% das famílias dão dinheiro a programas sociais e 75% desses doadores são pessoas comuns. A legislação local estimula esse comportamento – doações individuais à filantropia geram créditos tributários, por exemplo. Já no Brasil, as leis que cuidam da área preferem taxar os doadores. Como reflexo disso, uma pesquisa do Instituto de Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) revelou que apenas 20% da população economicamente ativa faz algum tipo de doação, a qual não excede um salário mínimo por ano.