Tão cedo quanto o século XII, o solo de Paris começou a ser perfurado para a extração de calcário e pedras usadas na construção de muitos edifícios da cidade, entre eles a própria catedral de Notre-Dame. Essa exploração, a princípio irregular e depois sistemática, provocou a formação de cavernas subterrâneas no subsolo parisiense. Para evitar desabamentos, as escavações eram escoradas por pilares naturais feitos da própria rocha para suportar o peso do teto da galeria. Com o abandono da atividade, sobraram 300 quilômetros de cavernas que permaneceram abandonados por anos. A capital cresceu e a Paris dos cartões postais expandiu-se por cima dessas galerias. Ao longo de anos, muitos parisienses descobriam que moravam em cima de um dos 300 acessos a esses túneis.

Hoje, as galerias subterrâneas estão, na sua maior parte, fechadas ao público, o que não impede dezenas de curiosos e exploradores de entrar de forma ilegal nas cavernas para visitar o que poucos conhecem. Esses apaixonados pelas entranhas de Paris, os chamados cataphiles, usam o conhecimento sobre a história e dicas de outros exploradores para descobrir por conta própria as profundezas da cidade. Mas há um perigo: perder-se pelos labirintos. Muitos túneis não têm saída e perigam desmoronar, além, é claro, de correrem o risco de inundações em caso de chuva.

Criada por Luís XIV em 1777, a Inspection Générale de Carrières (IGC) é responsável, até hoje, pela supervisão das galerias. As infiltrações são controladas regularmente, para evitar que imóveis desabem. Por vezes, os engenheiros do IGC se encontram com os “turistas do subsolo”, debaixo da terra. Os subterrâneos de Paris, que já foram usados pela Resistência francesa na Segunda Guerra, como bunker pelos nazistas e para o cultivo de champignons, hoje oferecem refúgio a alternativos de vários tipos e vítimas da crise econômica. Cabe ao IGC proteger o subsolo dos cidadãos e proteger os cidadãos do subsolo.

Catacumbas

“Pare! Aqui é o Império da Morte.” Essa é a inscrição sobre o pórtico de entrada das catacumbas, a parte das galerias aberta ao público, e uma das mais conhecidas. Lá dentro foram empilhados esqueletos desconhecidos contra as paredes das galerias, deixando à mostra crânios e tíbias, formando bizarras figuras geométricas, com uma placa indicativa da procedência e a data de transladação – um quadro macabro criado pela necessidade histórica de esvaziar os superlotados cemitérios da cidade, em situação de ameaça à saúde pública de Paris. As primeiras ossadas foram depositadas indiscriminadamente nas galerias por volta de 1786. Só em 1810 o inspetor das galerias, Héricart de Thury, organizou as catacumbas da forma que conhecemos hoje. Muitos esqueletos ilustres acabaram nas catacumbas, como Rabelais, Robespierre e Lavoisier.

Parede feita de ossos nas catacumbas. Crédito: Djtox/Wikimedia Commons

Atualmente, cerca de dois quilômetros de túneis estão abertos à visitação a partir da Praça Denfert-Rochereau, situada 20 metros abaixo da superfície. O passei cobre apenas uma parte reduzida das catacumbas originais, mas permite ao visitante ter uma ideia da vasta teia de galerias que cruza a cidade.

Outra verdadeira cidade paralela subterrânea está formada pelos esgotos. As primeiras linhas de saneamento, estabelecidas por volta de 1200, eram meros canais a céu aberto que escoavam a água da chuva e das casas diretamente no rio Sena. Somente na administração de Napoleão I, no começo do século XIX, os primeiros 30 quilômetros de esgotos fechados foram implantados na cidade.

Em meados do século XIX, Paris ainda tinha ruas escuras, sujas e insalubres. Impressionado pelo urbanismo de Londres, George Haussmann, prefeito de Paris entre 1853 e 1870, considerado o arquiteto da capital moderna, e o engenheiro Eugène Belgrand promoveram a construção da rede de esgotos e de distribuição de água potável que funciona até hoje. Atualmente, cinco reservatórios subterrâneos abastecem a cidade, coletando água de vários rios e aquedutos. Só o reservatório de Montsouris, construído em 1873, dispõe de 202 mil metros cúbicos de água.

A ideia pode parecer óbvia, mas em pleno século XIX era revolucionária: criar uma linha de esgoto subterrânea, paralela a cada rua. No subsolo, as canalizações têm os mesmos nomes das respectivas ruas na superfície. Hoje em dia, Paris tem mais de 2.400 quilômetros de saneamento, ou o equivalente à distância entre São Paulo e Maceió.

O escritor Victor Hugo dedicou um capítulo do livro Os Miseráveis aos esgotos de Paris, chamando-os de “consciência da cidade”. Na obra, o autor coloca o protagonista Jean Valjean nos esgotos e aproveita para descrever de forma detalhada o subsolo da capital.

Metrô exemplar

Entre as antigas minas, os esgotos e as catacumbas, há algo vivo e dinâmico que atravessa diariamente as entranhas de Paris. O metrô, hoje considerado uma referência mundial em eficiência, foi abrindo caminho lentamente. No dia 19 de julho de 1900, os primeiros vagões ligaram as estações Porte de Vincennes e Porte Maillot, cortando a cidade de leste a oeste, em cerca de meia hora. Dois maquinistas asseguravam a condução do trem, um dedicado ao acelerador e o outro ao freio. Durante o primeiro ano de operação, 18 milhões de pessoas usaram o transporte subterrâneo. Hoje, o metrô parisiense transporta quatro milhões de pessoas por dia. De acordo com o estudante brasileiro de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, Marcos Kiyoto, “Paris passou por um período de grande crescimento e enfrentou grandes problemas de transporte”, o que induziu à criação de uma vasta rede.

Em mais de 100 anos, muita coisa mudou. Catracas automáticas substituíram os funcionários que perfuravam os bilhetes de metrô, imortalizados por Serge Gainsbourg em sua música Le Poinçonneur des Lilas. Os bancos de madeira foram abolidos, sendo substituídos por assentos de plástico. O projeto inicial do metrô previa seis linhas cruzando a cidade. A primeira foi construída em apenas 17 meses e as seguintes prosseguiram a todo vapor, apenas sendo atrasadas pelo início da Primeira Guerra Mundial. O metrô atingiu o seu ponto de saturação depois da Segunda Guerra, o que obrigou a RATP (a Operadora Autônoma dos Transportes Parisienses), empresa pública que administra o metrô, a introduzir trens mais longos e mais rápidos.

Mas o grande salto tecnológico veio nos anos 1990, com a exploração de trens totalmente automáticos, sem maquinista. Ao entrar no primeiro vagão, o viajante tem a visão perfeita dos túneis, como se estivesse pilotando o metrô. Nas plataformas, uma barreira de vidro com portas automáticas tenta prevenir acidentes na via. Na opinião de Marcos Kiyoto, o metrô de Paris “tem o melhor projeto inicial, que consolidou o conceito de metrô com uma rede muito bem desenhada”.

Para quem entra pela primeira vez, é quase outra cidade. Todos os dias pela manhã, milhões de pessoas passam pela entrada em estilo art nouveau para embarcar num labirinto de túneis e corredores que levam os parisienses de um canto a outro da cidade. A rede, que atualmente conta com 214 quilômetros e 62 conexões, é complexa. A consulta ao mapa é obrigatória, mesmo para os habitantes locais. São 301 estações e as linhas foram construídas, na sua maior parte, acompanhando o traçado das ruas, o que explica também o traçado sinuoso das vias. A rede de trens de subúrbio completa a linha de transporte subterrâneo de Paris.

No meio da intrincada rede de metrô da capital ainda existem estações que não estão no mapa. São as chamadas estações-fantasma. Em alguns casos, tratam-se de paradas que foram encerradas em 1939, com a entrada da França na Segunda Guerra, e nunca mais foram reabertas, como as estações Champ-de-Mars e Arsenal. Em outros, os acessos à superfície não chegaram a ser feitos, como a Porte Molitor-Murat e a Haxo.

As estações existem, os túneis foram construídos, mas os trens não param na plataforma – viraram verdadeiras cápsulas do tempo fechadas debaixo da terra. Entre elas há uma exceção curiosa, a estação Porte des Lilas-Cinéma, na linha 11, que só é usada para gravações de cinema. Cerca de cinco filmes são feitos por ano ali. Um dia de locação pode custar 15 mil euros. O metrô é uma fonte de inspiração para os diretores, já que reflete de forma natural o cotidiano dos parisienses.

Salvador Dalí disse, certa vez, que qualquer pessoa que andasse de metrô aos 40 anos seria um fracassado. O gênio não acertou nas previsões. O meio de transporte, utilizado por todos, do grande empresário ao estudante, amplia a sua rede a cada ano e liga a capital francesa à periferia em todas as direções, não apenas no subsolo como pela superfície.

Com 169 quilômetros de túneis de metrô, 2 mil quilômetros de galerias de esgoto e 300 quilômetros de antigas minas, Paris vive sobre um imenso queijo suíço. Antiguidade e modernidade convivem na superfície e no subsolo. Mas na cidade-luz às vezes o subterrâneo vem à superfície para contar a sua história.