Quando as turistas argentinas Maria José Coni, 22 anos, e Marina Menegazzo, 21, foram encontradas assassinadas em Montañita, no Equador, em abril deste ano, havia uma única questão a ser resolvida: quem era, ou eram, os autores do crime? As perguntas que começaram a ser feitas, no entanto, eram outras. Questionava-se por que duas moças viajavam por um lugar desconhecido, por que não estavam em grupo ou com uma presença masculina por perto.

O caso retoma uma discussão que evidencia o julgamento sobre mulheres que decidem viajar pelo mundo sozinhas ou com apenas outra companhia feminina. Evoca a resistência que significa esse tipo de atitude e a necessidade de tomar cuidados especiais em viagens apenas por ser mulher. Apesar dos riscos e das opiniões condenatórias, turistas do gênero feminino não parecem se acovardar. Pelo contrário, ao menos no Brasil. Segundo o Ministério do Turismo do país, a intenção de viajar sozinha aumentou pelo quarto ano consecutivo e chegou a 17% em 2016, ante 13,5% das intenções masculinas.

Turista na Índia, o país mais perigoso para viajantes mulheres
Turista na Índia, o país mais perigoso para viajantes mulheres

“Se um crime acontece com uma mulher viajante, muitas pessoas a culpam. Curiosamente, se acontecer com homens, não é assim”, observa Marta Turnbull, da organização Women’s Travel Center. Marta listou os dez destinos mais perigosos para mulheres (leia no quadro à esquerda) e afirma que há condições culturais em cada país que podem torná-lo inseguro, sempre transitando pelo machismo e pela desigualdade de direitos. Ocupando o primeiro lugar está a Índia, com uma tradição que vê a mulher como inferior. “Assim, o homem pode assumir o papel de fazer o que quiser. E isso inclui as turistas”, observa Marta.

O Brasil está na terceira posição, baseada no forte comportamento de mostrar poder sobre o gênero oposto para valorizar a masculinidade. “Mas nem por isso as mulheres deixam de viajar sozinhas”, diz Marta. “É uma experiência que traz autoconfiança.” A sugestão para aquelas que têm medo de embarcar num roteiro sem companhia é testar suas­ aptidões em uma viagem mais curta, de um fim de semana, em um destino próximo.

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Inércia da sociedade

Foi pensando na necessidade de se exigir o direito de viajar sozinha que a publicitária Joana Mendes e a diretora Paula Reis decidiram fazer um documentário sobre os países mais intimidantes para garotas. “Precisamos expor os problemas para começar a lutar pelo fim deles”, afirma Joana. “A sociedade não diz ao homem que ele não pode assediar e estuprar uma mulher, e aí é a mulher que tem de tomar precauções para não ser estuprada, agredida, assediada… E isso não é só no Brasil, como mostra essa lista.” No filme, Joa­na e Paula vão até os lugares para conversar com moradoras e viajantes sobre as dificuldades de ser mulher naqueles ambientes. “Vamos até fazer aulas de defesa pessoal porque também temos medo.”

A blogueira Lívia Aguiar, na foto em Bangcoc, fez uma volta ao mundo sozinha.
A blogueira Lívia Aguiar, na foto em Bangcoc, fez uma volta ao mundo sozinha.

Blogueira de viagens, Lívia Aguiar, 29 anos, fez diversas viagens sozinha, incluindo uma volta ao mundo, cujas passagens são vendidas em um pacote pelas próprias companhias aé­reas. Pela experiência, dá dicas importantes para as moças que pretendem rodar o mundo. De certa maneira, são orientações básicas para quem já convive diariamente com o perigo de ser mulher. “Meus cuidados são os mesmos que tenho no Brasil: não dar atenção para gente estranha, cuidar dos pertences, ter certeza de que não tem ninguém te seguindo e, se lhe derem uma cantada, retruque, faça cara feia ou fale mais alto para que todas as pessoas ao redor vejam o que está acontecendo.” Lívia também salienta que dificilmente uma pessoa ficará completamente sozinha em uma viagem, a não ser por escolha própria. “Sempre conhecemos muita gente, então companhia é o que não falta.”

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