O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) registra a existência de 6,1 milhões de empresas no país, 99% das quais de porte micro e pequeno. Isso significa que os pequenos negócios respondem por 52% das ocupações formais do setor privado e 40% da massa salarial. Um quarto do Produto Interno Bruto é gerado por essas empresas.

No entanto, uma pesquisa do Sebrae revela que, embora as micro e pequenas empresas brasileiras pratiquem no dia a dia ações de sustentabilidade ambiental, como a coleta seletiva de lixo e o controle do consumo de papel, água e energia, apenas 46% delas creem que a questão do meio ambiente pode gerar ganhos financeiros para seus negócios. A economia verde ainda lhes parece algo distante.

É verdade que mais de 80% das empresas consultadas na pesquisa Sondagem Sebrae sobre Sustentabilidade, este ano, entendem que a sustentabilidade engloba os eixos ambiental, econômico e social; 79% acreditam que ações sustentáveis podem atrair clientes; e 69% apostam no valor de marketing dessas ações. “Lucro e sustentabilidade não são contraditórios. Ao mesmo tempo que ajuda o planeta, economizar água e energia também reduz os custos da empresa, melhora sua imagem e atrai mais clientes”, afirma Luiz Barretto, presidente do Sebrae. O levantamento, segundo ele, revela o tamanho do desafio de fazer as micro e pequenas empresas incorporarem o conceito de sustentabilidade à gestão dos negócios.

Por essa razão, o Sebrae participou da Rio+20 como patrocinador oficial, expondo oportunidades de negócios na economia verde e promovendo a capacitação de empresários. A entidade organizou palestras e oficinas e, em parceria com o Canal Futura, apresentou a série Super Ideias, mostrando O casos bem-sucedidos de micro e pequenas empresas que, com responsabilidade ambiental, melhoraram sua competitividade.

“A sustentabilidade ainda é um nicho de mercado, mas futuramente será um padrão”, afirma Barretto. Os pequenos empresários já identificam a concorrência e entendem que é uma tendência. Além disso, consumidores exigentes e mais conscientes preferem marcas e produtos obtidos a partir de processos com menor impacto ambiental e que geram ganhos sociais e econômicos. “Há mercado em expansão para empresas com esse perfil”, assegura o presidente do Sebrae.

Novos negócios

Os pequenos empresários verdes possuem, pelo menos, três coisas em comum: o tamanho dos negócios, pouco dinheiro e a vontade de atuar com sustentabilidade. Samy Menasce é um deles. Por acaso, teve a ideia de ampliar o uso do gás ozônio, um potente germicida, para aplicações em maior escala, tais como piscinas, tratamento de água de poços artesianos e uso em indústrias. Em 2000, foi procurado pelo médico Cezar Phillipe, que desejava desenvolver um produto ecologicamente correto: um gerador de ozônio. O empresário gostou da proposta. Juntos, investiram por quatro anos em pesquisa e desenvolvimento. Quando o gerador ficou pronto, em 2005, Menasce o apresentou ao Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia, que funciona nas dependências da Universidade de São Paulo. A participação dos técnicos da universidade nos testes e no aperfeiçoamento do gerador levou ao surgimento da empresa BrasilOzônio.

A companhia começou a conquistar clientes e a crescer, mas só deslanchou ao criar um equipamento que gera ozônio em alta concentração tendo o ar ambiente como matéria-prima, em vez de fabricar o gás a partir do oxigênio engarrafado. O pulo do gato fez a BrasilOzônio se expandir e hoje, além de duas mil instalações na América do Sul, tem como clientes grandes multinacionais. O desempenho a levou a ser uma das empresas nacionais selecionadas para participar da Rio+20. Para Menasce, ainda é preciso fazer um trabalho de divulgação dos benefícios do uso do ozônio. A seu ver, isso será possível quando houver a conscientização de uma nova geração de profissionais de diversas áreas, como médicos, engenheiros, arquitetos, químicos e sanitaristas.

Experiência

Outra empresa presente na Rio+20 foi a Arte dos Aromas, da pernambucana Geysa Belém. Essa engenheira química não hesitou em se embrenhar na Floresta Amazônica em busca de matéria-prima para cosméticos fabricados no polo industrial de Diadema (SP), onde se concentram indústrias do setor.

Em Diadema, a Arte dos Aromas poderia ser mais uma. No entanto, optou pela sustentabilidade e por uma linha de cosméticos orgânicos e naturais desenvolvidos com ingredientes da Amazônia e da biodiversidade brasileira. Seu público-alvo são pessoas com consciência ecológica que preferem cosméticos com ingredientes orgânicos certificados, sem corantes artificiais, óleos minerais e outros componentes petroquímicos.

Idealista, Geysa viaja constantemente ao Amazonas para fazer pesquisas e parcerias com artesãos e produtores locais. Depois de 18 anos enfrentando desafios, acredita que está preparada para crescer. “No começo pensei em desistir”, confessa. “Foram dez anos de investimentos e mudanças constantes nos produtos até criarmos uma linha que realmente fizesse a diferença. Nos negócios, o feeling e a experiência vêm acima de tudo, mas só surgem com o tempo”, garante.

Ambição

Duas participantes da Rio+20 tiveram na redução do consumo de água seus principais ganhos com práticas sustentáveis. Paulo Roberto Teixeira Gomes, fundador da rede de lavanderias Prillav, investiu R$ 152 mil em modernização tecnológica, aumentou em 8,8% sua receita mensal e baixou custos em 2,8%. O gasto de água caiu 32%, o de combustíveis, 36%, e as despesas com manutenção de equipamentos diminuíram 42%.

Em 2005, com a ajuda do Sebrae, Gomes reformulou as lavanderias: automatizou os equipamentos e trocou as máquinas antigas por novas, obtendo alta produtividade com baixo consumo de insumos e energia elétrica. Também instalou dosadores automáticos que reduziram, nas lavagens, a quantidade de água e de produtos químicos biodegradáveis aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Gomes não parou aí: comprou uma embaladora de plásticos, que reduziu a demanda desse insumo em 32%; trocou veículos por triciclos-cargo, diminuindo o consumo médio de combustível de 6 km/litro para 20-26 km/litro; e comprou uma lavadora-extratora sueca com sistema wetclean, para lavagens a seco, em substituição às lavagens com solvente.

Outra mudança foi transformar um galpão em ambiente para a secagem natural de roupas, com varais e exaustores eólicos no teto. Os pedidos urgentes vão para as secadoras e os outros, para os varais. “Percebemos que os clientes, os fornecedores, os colaboradores e o mercado nos apoiaram nas mudanças. Por isso, continuaremos a incrementar atitudes sustentáveis, até porque é uma excelente estratégia de marketing”, reconhece Gomes.

Marcos Mendes, dono da rede de franquias AcquaZero, ajudou a implantar um conceito novo de lavagem de carros, trazido dos Estados Unidos, que usa apenas 0,3 litro por veículo, ante os 300 litros do método tradicional. Em 2009, criou um lava-rápido ecológico em São Paulo, mas não conseguiu formar mercado. “O conceito ainda não existia no Brasil e as pessoas temiam que ele pudesse causar algum dano à pintura”, diz Mendes.

Diferentemente de uma lavagem a seco, o processo utiliza apenas um copo de água e produtos químicos biodegradáveis. Desse modo, tem grandes vantagens sobre o método convencional, o qual usa muita água e produtos químicos que contaminam os lençóis freáticos. Por isso, foi preciso fazer propaganda e oferecer lavagens como cortesia, para formar clientela.

O esforço valeu a pena: em três anos, a rede espalhou 60 unidades franqueadas no país. “Além de ser um mercado inovador e em evolução, a possibilidade de trabalhar com um serviço de apelo ecológico é o que mais chama a atenção no negócio”, explica Mendes.

Idealismo

O empresário espanhol Malte Weltzien mudou-se para o Brasil e resolveu, em 1981, fabricar um limpador multiuso e comercializá-lo por venda direta ao consumidor. O Auxi tinha na fórmula ingredientes químicos comuns, mas foi o primeiro a usar um composto tensoativo biodegradável antes de uma lei de 1998 torná-lo obrigatório.

Outros produtos de limpeza que preservavam a saúde do consumidor e o meio ambiente foram criados e, em 1994, surgiu o primeiro limpador multiuso de origem totalmente vegetal. Por 15 anos, a Cassiopéia, pequena indústria de Jarinu (SP), prosperou vendendo de porta em porta. Porém, a entrada de produtos importados no mercado a fez perder participação.

Ajudado por um filho, Weltzien reagiu lançando, em 2007, a linha Biowash. Certificada pelo IBD (a maior certificadora de produtos orgânicos da América Latina), ela é composta por produtos de limpeza doméstica 100% livres de petroquímica. Nesse meio tempo, a formulação do Auxi também se tornou natural e criou outra linha para atender ao mercado institucional.

Com a morte do fundador, a Cassiopéia passou para as mãos dos filhos. Becky Weltzien reconhece que, por inexperiência e idealismo, erraram na estratégia tomando empréstimos para disputar mercado com produtos caros destinados a consumidores especiais. “As vendas não aconteceram no volume esperado, pois trabalhamos com nichos. Ficamos endividados e pagamos um preço alto. Não há incentivo do governo e concorremos com multinacionais que contam com um grande poder de divulgação”, explica Becky.

Agora, a Cassiopéia aposta no lançamento da linha Biowash Eco, com produtos que portam 95% de componentes naturais, sem certificado e em embalagem menor, baixando o preço final. “Fizemos o caminho inverso, saindo com a linha Premium Certificada. Mas agora pretendemos conquistar uma nova fatia de consumidores com produtos mais acessíveis. O importante é não desistir.”

Consciência

A ArtCor Brasil surgiu em 1991, na zona norte de São Paulo, por iniciativa de dois irmãos que alugaram uma garagem para fazer estamparia em camisetas. Um cuidava da parte administrativa e o outro prospectava clientes. Com o tempo, conquistaram a produção de várias confecções de grande porte e se mudaram para um espaço maior, em Poá, na Grande São Paulo, onde hoje ocupam um espaço construído de cinco mil metros quadrados.

A empresa sempre teve a sustentabilidade como foco. Metade da sua produção usa como matéria-prima fios naturais e reciclados. Bonés, sacolas e camisetas são feitos com algodão cru e fios oriundos de garrafas de plástico PET recicladas. “Há grande procura por esses produtos, pois hoje há maior consciência ecológica, especialmente por parte dos jovens”, afirma o diretor comercial Francis Lobo.

Segundo ele, a lei que proibiu a entrega de sacolas plásticas em supermercados de São Paulo (suspensa no fim de junho) fez a produção de sacolas retornáveis aumentar 30%. A demanda maior por sacolas ecológicas levou a ArtCor a fabricar em média 200 mil peças por mês, das quais quase 100% são desenvolvidas com material reciclado ou algodão cru. Os planos para este ano incluem a criação de um catálogo especial só de produtos ecológicos personalizados.

 

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CHANCE DE FORTUNA

“Para um pequeno empresário, que não tem capital, a sustentabilidade é interessantíssima”, garante Flávia Moraes, diretora da FCM Consultoria em Sustentabilidade, em São Paulo. “Tem tudo a ver com inovação de negócios. Quem está pensando em empreender encontra aí um caminho muito bom, com grande oferta de produtos e serviços.”

Como o conceito é abrangente, pode-se atuar com negócios vinculados a produtos verdes, redução de consumo de água ou de eletricidade, controle de resíduos, promoção de alimentos orgânicos, reciclagem e brindes. Nos serviços, o leque vai de motoboys com práticas sustentáveis a assessoria e cursos.

Para Flávia, a sustentabilidade é uma tendência em expansão, pois implica uma nova forma de fazer a gestão. As empresas terão de se adequar a esse conceito se quiserem sobreviver num ambiente globalizado e competitivo. Em contrapartida, o pequeno empresário interessado no setor terá mais condições de sucesso se lançar produtos e serviços inovadores e comprovar sua qualificação.

“A vantagem dos pequenos empresários é oferecer um produto ou serviço com maior qualidade socioambiental agregada, para atender a um mercado mais exigente”, diz Rogério Ruschel, diretor da Ruschel & Associados, Negócios e Sustentabilidade. “As grandes empresas não podem parar o que fazem para desenvolver processos diferenciados.”