Imagine uma volta ao passado. Há 25 anos, não se usava celular, internet ou computadores domésticos. Volte mais três gerações e o uso de petróleo e de energia elétrica para mover as indústrias ainda estava engatinhando. Embora já existissem grandes cidades, a maior parte da população ainda vivia de forma simples, produzindo com as mãos aquilo que era necessário para sobreviver ou fazendo trocas de produtos e serviços em sua própria região.

Podemos viajar no tempo por seis mil anos e observar a cultura humana em relação direta com os recursos naturais. Comunidades tradicionais, lavradores, fazendeiros, indígenas e quilombolas viviam da terra e produziam, localmente, os bens de que necessitavam. Foi esse tipo de ocupação do planeta que gerou a diversidade de alimentos, as formas de moradia e as tecnologias sociais que integram o panorama das diferentes culturas.

Há pouco tempo as pessoas passaram a comprar ou importar de lugares distantes a maior parte do que consomem. Globalização, shoppings, compras por internet e sonhos de consumo são invenções recentes que existem a menos de 1% da linha do tempo do homem e sua cultura.

Respeito ao passado

Na década de 1970, os pesquisadores australianos Bill Mollison e David Holmgrem inventaram a permacultura, de olho no resgate dos saberes ancestrais e dos modos tradicionais de vida e relacionamento com a terra. O conceito surgiu com a fusão das palavras “cultura” e “permanência”. Hoje, o movimento da permacultura conta com milhares de adeptos, a maior parte vivendo em ecovilas, sítios ou redes urbanas solidárias, empenhados em criar sistemas de produção integrados em todas as fases. Eles apostam na resiliência, na autonomia dos produtores e no aproveitamento total de energia gerada por meio da transformação de resíduos em insumos. Só no Brasil já há mais de 100 ecovilas em operação.

Para os permacultores, a humanidade perdeu sua independência na luta pela sobrevivência, o que induziu a multiplicação de cidades intrinsecamente desequilibradas. Acostumados a ter tudo pronto, os homens não são mais capazes de sobreviver a longos períodos de escassez ou a crises mundiais, em que a distribuição de alimentos, por exemplo, seja comprometida. Nem prescindir de redes externas de fornecimento de energia, de água, de esgotos ou de comunicação.

“Desde que a vida existe neste planeta, uma das características dos seres vivos foi a de saber se alimentar. Mas o homem perdeu a capacidade ou a responsabilidade de satisfazer suas necessidades básicas”, ressalta o argentino Jorge Timmermann, um dos precursores do movimento no Brasil, dono da Estação de Permacultura Yvy Porã, em São Pedro de Alcântara (SC).

“É mais fácil delegar a alguns experts, aos especialistas do momento, a nossa alimentação, a destinação de nossos dejetos, a produção e a provisão de água potável, a resolução dos problemas de emissão de poluentes inerentes à indústria e à atividade econômica, assim como a produção e distribuição de energia”, enumera o permacultor que há nove anos, junto com a mulher, Suzana Maringoni, experimenta sistemas independentes e autossustentáveis em Yvy Porã. “Costumo dizer que antes da permacultura eu era um tremendo ecochato. Andávamos pelo mundo dizendo o que não podia ser feito, mas não sabíamos com certeza o que e como fazer”, define Timmermann.

O caráter essencialmente prático do movimento funciona como ímã. Hoje a permacultura conta com mais de 10 mil praticantes em todos os continentes e 220 professores trabalhando em tempo integral. Nesse momento, há permacultores viajando por diversas cidades e países para ministrar cursos.

Cofundador do Movimento Brasileiro de Ecovilas, o médico naturalista Márcio Bontempo, um dos animadores da Ecovila da Montanha, em Alto Paraíso (Goiás), afirma que o Brasil é um dos países onde o movimento tem mais adeptos. “Há muitas ecovilas nas Chapadas dos Veadeiros e na Chapada dos Guimarães, no Centro-Oeste, além das comunidades de base religiosa, bem-sucedidas na produção sustentável de alimentos. O movimento é mais forte no Brasil do que nos Estados Unidos, mas menos difundido do que na Austrália e na Tasmânia, onde nasceu. O desafio é tornar as experiências visíveis, além de fortalecê-las e integrá-las, pois muitas ficam presas à realidade local e não se articulam, como ocorre no restante do mundo.” Bontempo quer construir um mapa de iniciativas permaculturistas no Brasil. Redes globais como a Global Ecovillage Network já fazem isso,  rastreando nos continentes as iniciativas que desenvolvem o conceito.

Inteligência natural

Os permacultores temem que o modo de vida moderno – baseado no consumo de recursos não renováveis e no descarte de lixo em quantidades crescentes – acabe levando à extinção da humanidade. Diante disso, propõem redesenhar a fruição do espaço humano como um sistema semelhante à natureza, onde nada é desperdiçado. Tudo o que morre nos sistemas naturais vira fonte de riqueza para produção de nova energia. “A permacultura é uma metodologia de desenhar, de projetar, de planejar e de viver um sistema humano sustentável”, explica Suzana Maringoni. “Assim, pode beber de muitas fontes e usar de muitas técnicas, como a metodologia Fukuoka de agricultura natural, por exemplo, ou a agroecologia.”

O permacultor organiza a vida e a produção observando os fatores que influenciam seu entorno. Começando pela casa, buscará construir com os materiais disponíveis, aproveitando ao máximo as energias da natureza que poderão lhe ajudar. A ocupação humana será pensada de forma a interagir positivamente com fatores como o Sol, o vento e as águas.

O permacultor mineiro Marconi Junior, coordenador do Sete Ecos Sistema de Expansão em Tecnologias Ecológicas e Sociais, em Sete Lagoas (MG), exemplifica: “Quando comecei a trabalhar na terra, meu principal desafio era o vento que muitas vezes castiga mais os cultivos do que o Sol, carregando nutrientes e secando o solo. Por meio da permacultura, aprendi a ter uma visão ampliada, considerando as conexões que existem nos sistemas. Hoje, vejo o vento que incide aqui no Sete Ecos como algo que agrega valor. Ele auxilia na produção de energia e incrementa os sistemas produtivos. As sebes e os barraventos de árvores e espécies altas protegem os espaços de produção, tornando-os, também, áreas de preservação e de conservação”.

Marconi reitera que o desenho dos espaços, desde a moradia até as áreas produtivas, deve ser integrado, considerando todos os fatores que influenciam. Uma árvore poderá ter a função de produzir alimentos, mas também oferece sombra e contribui para a infiltração da água no solo, além de cobrir a terra, evitando que os nutrientes sejam lavados pela chuva e que o solo seja secado pelo Sol. As folhas que caem, por sua vez, são alimento para a terra, isto é, matéria orgânica para adubo do solo.

Procurando imitar a inteligência da natureza, os permacultores buscam dar sempre mais de uma função aos elementos dos sistemas que criam, garantindo a ideia de gerar sempre mais energia do que consumo. Essa é a filosofia que pode garantir que a vida humana na terra seja permanente, não fadada à extinção.

Lesmas e patos

A visão ampliada é um dos princípios postulados por David Holmgrem nos estudos da permacultura. Para o criador do conceito, “o problema é a solução”, e isso torna possível enfrentar qualquer desafio, desde que se mude o foco do olhar.

Uma das assertivas mais repetidas por permacultores é a frase bem-humorada: “Você (ou seu sistema ou cultivo) não tem um problema com o excesso de lesmas, mas uma deficiência de patos”. De fato, observando a natureza, todo sistema ecológico saudável se mantém em equilíbrio dinâmico. Com isso, torna-se autorregulado, sendo desnecessárias a interferência humana e a adição de recursos externos.

Em termos ideais, os permacultores buscam construir sistemas de habitação, de produção de alimentos ou cadeias produtivas e redes comunitárias conectadas à geração da energia de que necessitam, capazes de se manterem por si sós.

Outra precursora da permacultura no Brasil, a americana Marsha Hanzi, moradora do sertão da Bahia, desde 1976, ressalta que “a agricultura norteamericana produz nove vezes menos por metro quadrado do que a agricultura familiar chinesa”. Segundo Marsha, as monoculturas, que ocupam grandes extensões de terra plantadas com uma única espécie, exigem mais gasto de energia e aporte de insumos externos (como agrotóxicos e adubos químicos), do que os modelos de agricultura baseados nos ecossistemas naturais, agroflorestais e policulturais autorregulados.

Vivendo há dez anos no Marizá Epicentro de Cultura e Agroecologia, na cidade de Tucano, Marsha defende “o uso intensivo dos espaços, trabalhados de forma orgânica para produzir alimentos de alta qualidade, em vez de cultivos extensivos produzidos com defensivos químicos, máquinas e pouca diversidade e vida, totalmente insustentáveis”.

Nos grupos de permacultura, a questão da fome é considerada como um problema de distribuição de alimento, não havendo escassez. A literatura permaculturista afirma que a produção mundial de grãos já atinge um volume capaz de abastecer três vezes a população do planeta. O desperdício chega a 40% do total produzido.

Bill Mollison ressalta que o primeiro passo para a mudança é pautar cada ação individual pela ética do cuidado com todos os seres. Pensar sistemicamente exige tornar-se responsável pelas mazelas do mundo e realizar cada pequena ação com consciência do todo. A permacultura se propõe como uma revolução permanente, mas não mais como antes, com movimentação de massas e grandes confrontos. Agora, é a vez do indivíduo e da ação individual, do poder pessoal como ativador de uma alternativa planetária.