A larva do besouro Phrixothrix hirtus – popularmente conhecida como larva-trenzinho – é um dos poucos organismos conhecidos capazes de produzir luz na cor vermelha, além de luz verde-amarelada, mais comum entre espécies bioluminescentes. Em artigo publicado na revista Scientific Reports, pesquisadores brasileiros e japoneses descreveram como esse fenômeno ocorre.

A investigação foi conduzida com apoio da FAPESP e envolveu equipes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), do Laboratório Nacional de Biociências do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNBio-CNPEM), em Campinas, e da University of Electro-Communications, no Japão.

“As espécies bioluminescentes sintetizam uma enzima conhecida como luciferase, que catalisa a oxidação de pigmentos do tipo luciferina, produzindo oxiluciferina e luz. Nosso estudo revelou que a luciferase da larva-trenzinho apresenta uma alteração em seu sítio ativo, região da enzima em que ocorre a reação química, e isso faz com que a luz vermelha, de menor energia, seja emitida”, contou à Agência FAPESP Vadim Viviani, professor da UFSCar em Sorocaba e coordenador da pesquisa.

Lanterna vermelha

O grupo liderado por Viviani já havia descrito em um trabalho anterior que mudanças no pH do meio ou a presença de metais pesados como o zinco podem fazer com que as luciferases de vagalumes, parentes próximos da larva-trenzinho, produzam luz vermelha em vez de verde (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/2018/12/04/verde-amarelo-ou-vermelho).

Agora, como parte do doutorado de Vanessa Rezende Bevilaqua, o grupo demonstrou como esse fenômeno ocorre naturalmente na larva-trenzinho. O trabalho integra o Projeto Temático “Bioluminescência de Artrópodes”, financiado pela FAPESP.

Como explicou Viviani, o P. hirtus apresenta, durante a fase larval, diversas lanternas verdes no dorso e uma vermelha na cabeça, que serve para iluminar seu caminho no escuro. As luzes nas costas, segundo o pesquisador, têm a função de assustar predadores. Quando se tornam adultos, os machos perdem a lanterna vermelha e ficam apenas com duas verde-amareladas. Já as fêmeas adultas mantêm as duas cores.

Para descobrir as interações que resultam nesse tipo mais raro de bioluminescência, os pesquisadores brasileiros realizaram ao longo das últimas décadas a clonagem de várias luciferases e fizeram modificações em alguns de seus aminoácidos por meio de ferramentas de engenharia genética. Já o grupo japonês liderado por Takashi Hirano, da University of Electro-Communications, sintetizou uma série de luciferinas modificadas, que foram testadas por Bevilaqua em experimentos com as luciferases mutantes.

Resultados dos testes in vitro mostraram que as luciferinas que apresentavam uma estrutura molecular maior foram as que melhor interagiram com a luciferase da larva-trenzinho, produzindo luz vermelha com mais eficiência. No entanto, elas não interagiram bem com as luciferases que produziam luz verde ou amarela.

“Os análogos de luciferina que têm estrutura grande não encaixam bem nas luciferases que catalisam luz verde e amarela, que têm cavidade pequena no sítio ativo [local onde o substrato se encaixa]. Por outro lado, esses análogos grandes interagem bem com a luciferase que catalisa a emissão de luz vermelha. Isso nos indicou que a luciferase da larva-trenzinho tem uma cavidade grande em uma parte do sítio ativo, maior que a observada na enzima de outras espécies bioluminescentes”, disse Viviani.

“Nesse ambiente mais frouxo e com mais moléculas de água, a repulsão eletrostática entre a molécula produto da reação química [oxiluciferina] e a parede do sítio ativo da enzima [luciferase] torna-se menor. Consequentemente, uma luz de menor energia é liberada”, explicou Viviani.

Como as luciferases que produzem luz verde-amarelada têm um espaço reduzido no sítio ativo, isso faz com que a luciferina fique mais comprimida. “Desse modo, a repulsão eletrostática entre a oxiluciferina energizada e as paredes do sítio ativo da luciferase aumenta, liberando luz com maior energia, nas cores verde ou amarela”, disse o pesquisador.

A partir desse resultado, os pesquisadores começaram a testar novas combinações de luciferinas com luciferases modificadas da larva-trenzinho, até chegarem a pares capazes de emitir uma luz vermelha ainda mais afastada (vermelho extremo) e intensa que a produzida naturalmente pelo inseto. Segundo Viviani, essas combinações mais eficientes poderão ser usadas em pesquisas biomédicas no futuro.

“Os análogos de luciferina sintetizados pelo grupo japonês não são os primeiros a serem criados, mas têm as vantagens de terem maior atividade luminescente e espectro da luz mais deslocado para o vermelho, quando combinados especificamente com a luciferase da larva-trenzinho”, disse.

A princípio, a ideia é que a descoberta possa ser usada para melhorar a visualização de processos bioquímicos e celulares em tecidos de mamíferos que não absorvem luz vermelha, como sangue e músculos.

“Quando usamos luciferases que emitem luz verde, amarela ou azul não conseguimos visualizar bem os processos bioquímicos e patológicos que ocorrem nesses tecidos, pois pigmentos como a hemoglobina e a mioglobina absorvem a maior parte da luz desta cromaticidade”, disse.

O artigo Phrixotrix luciferase and 6′-aminoluciferins reveal a larger luciferin phenolate binding site and provide novel far-red combinations for bioimaging purposes (doi: 10.1038/s41598-019-44534-3), de Vanessa R. Bevilaqua, T. Matsuhashi, G. Oliveira, P. S. L. Oliveira, T. Hirano e Vadim R. Viviani, pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-019-44534-3.

 

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.