Aos 23 anos, Leonardo Bentes Arnt já é um profissional bem-sucedido. Formado na Universidade Federal do Rio do Janeiro em 2009, o engenheiro de computação é um dos sócios da Inoa Sistemas, especializada em algorithmic trading (comércio algorítmico), um software operador do mercado de ações da BM&FBovespa que oferece informações em tempo real para bancos e corretores. Na empresa, sua tarefa é aprimorar esse complexo sistema de execução de ordens de negociação, baseado em algoritmos predefinidos pelo usuário, como o preço de compra, venda, volume de negociação e liquidez. Apesar da pouca idade, Leonardo desconhece o que é desemprego e já é dono de seu destino.

Em todas as capitais brasileiras registram-se casos de absorção de engenheiros pelo mercado de trabalho antes de serem formados É crescente a falta de mão de obra especializada nas várias modalidades de engenharia. Com uma perspectiva de crescimento anual da economia da ordem de 5% a 6%, o país teria de formar pelo menos 60 mil engenheiros por ano, segundo um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Entretanto, só diploma 32 mil, um número bem abaixo das necessidades. Com o volume de obras em andamento, há falta de engenheiros até para obras de infraestrutura e de expansão dos serviços essenciais.

Energias renováveis e informática demandam muitos engenheiros. Abaixo, Leonardo Arnt, da Inoa Sistemas.

 

Em três meses, a situação vai piorar. A CNI prevê que até 2012 faltarão cerca de 150 mil engenheiros para preencher as vagas que estão surgindo. A maior demanda será por profissionais na área de energia renovável (hídrica, solar, eólica e de biomassa) e não renovável (petróleo, carvão, gás natural e material radioativo). Também faltará mão de obra para os setores de transportes (aéreo, terrestre e marítimo), para os sistemas de informação, a produção industrial e a construção pesada.

O problema não é uma exclusividade brasileira. No relatório Engenharia: Resultados, Desafios e Oportunidades para o Desenvolvimento (bit. by/engenheiropdf), a Unesco aponta a existência de uma escassez mundial de profissionais, exatamente em um momento em que os países precisam de soluções criativas de engenharia para enfrentar os desafios da economia verde, da pobreza à mudança climática. O documento alerta para a diminuição do número de matrículas nos cursos de engenharia em vários países.

O déficit de engenheiros é um desafio tanto para o governo quanto para as empresas. Muitas delas estão contratando estudantes antes mesmo da conclusão do curso. “Dois anos antes de me formar, já trabalhava em que agreguem mais tecnologia. Parte expressiva das exportações brasileiras é de produtos manufaturados, a maior parte deles com baixo conteúdo tecnológico ou dependente de tecnologias e de componentes importados, o que diminui os ganhos nacionais.

“Precisamos inserir o Brasil no contexto de competitividade internacional, intensificando o processo de formação de engenheiros e de tecnólogos capazes de atender aos setores da cadeia produtiva”, admiteº à PLANETA, o ministro Aloizio Mercadante, da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Para isso, o MCTI está elaborando o Programa Nacional para as Engenharias, com a participação de instituições e agências de fomento, e o Programa Ciência sem Fronteiras, que destinará 100 mil bolsas de intercâmbio para alunos do ensino médio ao doutorado. As bolsas serão custeadas por parcerias público-privadas, sendo 75 mil delas desembolsadas pelo governo federal e 25 mil pela iniciativa privada.

A raiz O boom pela procura por engenheiros vem se acentuando nos últimos anos, mas a sua raiz brotou em 1984, quando os efeitos da crise nos países asiáticos atingiram o Brasil em cheio. Por quase duas décadas, a economia ficou estagnada e houve pouco investimento em obras de infraestrutura, o que gerou consequências perversas para a engenharia. Com poucas ofertas de trabalho, a profissão deixou de ser atraente, fazendo os engenheiros imigrar para outras áreas.

“Foi aí que o problema começou”, resume Marcos Túlio de Melo, presidente do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea). Hoje não há profissionais suficientes para atender à demanda provocada pelo desenvolvimento do país e pela execução das obras dos programas Pré-Sal, de Aceleração do Crescimento, Minha Casa Minha Vida, Copa do Mundo de 2014, Olimpíada e Paraolimpíada de 2016. “Só o Pré-Sal empregará 200 mil engenheiros nos próximos 15 anos”, confirma o ministro Mercadante.

Cargos de comando

Não é por acaso que tantos engenheiros são presidentes ou executivos de alto escalão nas empresas. A psicóloga Renata Assis, da Betânia Tanure Consultoria, de Belo Horizonte (MG), sugere que isso ocorre em virtude do raciocínio lógico e da capacidade de enxergar processos e solucionar problemas desenvolvidos pela formação desses profissionais. Mas lembra que apenas essas características não asseguram que engenheiros sejam bons dirigentes. Para isso, é preciso incluir na gestão os aspectos emocional e cultural, que determinam o comprometimento dos funcionários e a criação da cultura de valores da empresa.

Enquanto o futuro não chega, muitas vagas das empresas não são preenchidas devido à deficiente formação acadêmica dos jovens engenheiros, um problema já detectado no vestibular. Um estudo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) mostra que, em 2009, dos 691 mil estudantes que concorreram a 292 mil vagas dos cursos de engenharia do país, apenas 154 mil passaram no vestibular. “Esse percentual indica que pouco mais da metade dos vestibulandos foi aprovada e que o número de candidatos era pequeno para que houvesse um processo seletivo que assegurasse alunos mais preparados para acompanhar o curso de engenharia”, analisa Carlos Cavalcante, superintendente do Instituto Euvaldo Lodi (IEL) nacional.

A deficiência de aprendizagem em matemática, ciências, física e química no ensino médio tem levado à fuga dos alunos das universidades de engenharia. Outra pesquisa do Inep revela que mais de 50% dos estudantes abandonam o curso de engenharia nos dois primeiros anos, porque não conseguem acompanhá-lo. A evasão também é motivada por questões financeiras. “Muitas vezes, o jovem tem de trabalhar de dia para pagar o seu curso à noite e, ainda que esteja em uma faculdade pública, tem dificuldade de conduzir o curso até o final”, explica Cavalcante.

O desinteresse

Estudantes despreparados, fuga dos cursos, desinteresse pela carreira e déficit de profissionais. Atenta a esses fatos, em 2006, a CNI lançou o Inova Engenharia, com o apoio de órgãos governamentais, universidades e da iniciativa privada. O programa propõe melhoria da qualidade do ensino médio, formação de tecnólogos e atualização dos professores quanto à tecnologia das indústrias e à informática, mais revisão do currículo e dos métodos de ensino de engenharia.

“Queremos que o curso siga o modelo das faculdades de medicina, nas quais os estudantes são estimulados a resolver problemas reais desde o início”, defende Cavalcante. Hoje, os alunos de engenharia só aprendem as disciplinas específicas da profissão a partir do 3º ano, um fator de desestímulo para eles. “Um dos motivos para isso é que as aulas são muito teóricas e sem experimentos em laboratórios, o que causa desinteresse e leva os jovens a optarem por outras carreiras”, avalia Maria Lucia Horta, coordenadora do Departamento de Fomento à Análise e Acompanhamento Técnico da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Na tentativa de reverter esse quadro, a agência criou em 2006 o Programa de Mobilização e Valorização das Engenharias (Promove), que contempla com financiamentos os projetos de universidades, selecionados após editais públicos, que desenvolvam métodos, processos, procedimentos e metodologias para melhorar a qualidade do ensino médio nas escolas públicas, incentivando a formação de engenheiros no país.

Nos próximos 15 anos, o Pré-Sal demandará 200 mil engenheiros navais, de sistemas e de processos. Ao lado, Marcos Túlio de Melo, do Confea.

Estratégias

A saída encontrada por algumas empresas para combater o apagão da mão de obra é treinar os próprios quadros – casos da Petrobras e da General Motors. Com aproximadamente 11 mil engenheiros, a estatal brasileira criou a Universidade Petrobras para desenvolver, capacitar, treinar e atualizar funcionários. Os cursos têm duração de duas semanas a um ano, dependendo do cargo. Engenheiros, por exemplo, passam 12 meses em sala de aula. Segundo a assessoria de imprensa, a companhia, prevendo dificuldades futuras, já faz um mapeamento de algumas carreiras, como a engenharia naval, na qual há poucos engenheiros no mercado.

Com 25 mil funcionários, dos quais 2 mil são engenheiros, a General Motors (GM) tem uma política agressiva quando o assunto é o treinamento de sua mão de obra futura. Desde 2005, a empresa trabalha em parceria com a Escola Politécnica da USP, onde implantou o Programa Parceiros para o Avanço da Educação e Engenharia Colaborativa, Pace (na sigla em inglês), para assegurar a renovação da sua mão de obra especializada.

O programa inclui parcerias com 53 universidades do mundo, das quais a Politécnica é a única escola de engenharia da América do Sul. No Brasil, o objetivo do Pace é colaborar no desenvolvimento do setor automotivo com a formação e a atualização de pessoal qualificado para atender as necessidades do mercado, por meio do ensino de disciplinas como Computer Aided Design, Computer Aided Manufacturing e Computer Aided Engineering, sistemas digitais usados para criar, projetar e manufaturar produtos.

“Doamos os softwares e fazemos a manutenção de estações de trabalho usadas pelos alunos na graduação, no desenvolvimento de pesquisas e em projetos de mestrado e doutorado”, diz Alessandra Ortiz, administradora de Educação e Treinamento na área de engenharia da GM.

engenharia da GM. Já os alunos da Politécnica, além do acesso a programas top de linha, têm a chance de fazer projetos com os estudantes das outras 52 universidades, aprendendo a trabalhar com equipes multiculturais, e de outros países. “Eles se formam com essa vantagem competitiva adicional”, completa Marcelo Alves, coordenador do Pace e do curso de graduação em engenharia mecânica da Poli/USP.

Oferta abundante de emprego, disputa acirrada por profissionais e salários atrativos. A engenharia brasileira está lutando para recuperar o status que desfrutava há três décadas, quando era uma das profissões mais cobiçadas, ao lado da medicina e do direito. Ser engenheiro hoje, numa economia em plena expansão, é sinônimo de futuro garantido. É preciso dizer mais?

 

76% dos cursos oferecidos no Brasil por instituições públicas e privadas são das áreas de humanas. Apenas 8,8% são para engenharias, segundo a Federação das Indústrias.

 

1,5 mil é o número das faculdades de engenharia que oferecem 150 mil vagas por ano.

300 mil brasileiros cursam engenharia. O total deveria ser 750 mil se todas as vagas fossem preenchidas.

32 mil universitários se formam em engenharia por ano no Brasil. Rússia, Índia e China, com economias em expansão, formam 100 mil, 300 mil e 400 mil engenheiros por ano, respectivamente.

787 mil são os engenheiros registrados no Confea e no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea).