A mais antiga multinacional do mundo está em processo de sucessão. Ainda se refazendo do abalo causado pela renúncia do papa Bento XVI – a primeira em seis séculos e a sétima na história da Igreja Católica –, 115 cardeais com idade abaixo de 80 anos elegerão no Vaticano, em março, o novo ocupante do trono de São Pedro. A escolha influenciará a vida de 1,2 bilhão de católicos, o maior contingente de cristãos do planeta, espalhado por mais de 180 países.

Uma complexa missão aguarda o novo papa. Como premissa, cabe-lhe exibir uma forma física impecável, que afaste a lembrança das dificuldades de saúde enfrentadas pelo renunciante, de 85 anos, e por seu antecessor, João Paulo II, no fim de seus pontificados. Mais do que nunca, as habilidades políticas serão necessárias para devolver a unidade a um clero dividido, no qual parte da Cúria Romana (o órgão central, administrativo, da Igreja) resiste às medidas de transparência solicitadas por Bento XVI – sobretudo em relação aos casos de pedofilia envolvendo membros do clero – e cultiva jogos de poder que desagradavam ao papa.

O novo pontífice terá pela frente os desafios de adequar a instituição ao século XXI e tornála mais atraente. Apesar de contar com mais da metade dos 2,3 bilhões de cristãos do mundo e de mostrar algum crescimento (na África Subsaariana, sobretudo), o catolicismo defronta-se com uma preocupante perda de fiéis no mundo desenvolvido e no Brasil, o país com o maior número de adeptos (123 milhões).

Dono de um patrimônio difícil de calcular, o Vaticano convive com denúncias de corrupção e encerrou 2012 com um prejuízo de US$ 18,4 milhões. Entre as suas questões prementes figuram a crise de vocação, que tem deixado paróquias sem padres, a revisão do papel da mulher na Igreja, a emergência do homossexualismo, a Aids, o aborto, as pesquisas com células-tronco e a adoção do divórcio.

Os vaticanistas, estudiosos dos meandros do poder na Igreja, preveem que a presença de Bento XVI no Vaticano promete uma dose extra de tensão ao início do novo pontificado. O ex-papa declarou que abdicava por não ter mais “forças” para solucionar os problemas que a Igreja enfrenta e, após a renúncia, iria se enclausurar num mosteiro no Vaticano. Mas muitos duvidam que irá se abster do processo de escolha do seu sucessor. Seja quem for eleito, terá de lidar com o fato de que perto dele há um expapa vivo e capaz de influenciar corações e mentes.

É difícil imaginar transformações substanciais na Igreja Católica num futuro próximo. Um dos principais motivos para isso é o ensimesmamento da sua estrutura geopolítica, com uma nítida distorção pró-Europa e pró-América anglo-saxônica. Dos 115 cardeais participantes do conclave de março, 60 (52,2%) são europeus. Só a Itália tem 28 prelados – cinco a mais que a América Latina e Caribe. Os 57 milhões de católicos italianos pesam mais que os 483 milhões de católicos da América ao sul do Rio Grande.

Com 123 milhões de fiéis, o Brasil possui cinco cardeais no conclave, enquanto os Estados Unidos, com 71 milhões de adeptos, têm 11. Como países donos de moedas fortes possuem, proporcionalmente, mais cardeais, a opção preferencial da Igreja não parece estar com os mais pobres.

Além de eliminar fissuras na Igreja, o novo papa precisará de talento para manter o seu rebanho e promover o diálogo inter-religioso – algo sempre complicado para uma pessoa cujo cargo pressupõe “infalibilidade”. A dificuldade não vem só da busca de entendimento com religiões que não seguem Jesus. A imposição das interpretações do papa levou cristãos de diferentes épocas a constituir confissões independentes, cujos fiéis somam atualmente mais de 1 bilhão de pessoas.

Apenas os protestantes (nome genérico das correntes surgidas a partir do movimento de Martinho Lutero na Alemanha, no século XVI) têm ao redor de 800 milhões de adeptos. O Grande Cisma do século XI separou os católicos romanos dos cristãos ortodoxos gregos, hoje com cerca de 225 milhões de fiéis.

Antes, as correntes monofisistas que rejeitam a dupla natureza humana e divina de Jesus (entre as quais a Igreja Apostólica Armênia e a Igreja Ortodoxa Copta) declararam independência após o concílio de Calcedônia, em 451. No ano 431, várias facções da Igreja Assíria do Oriente surgiram baseadas numa interpretação própria sobre o papel de Maria como mãe de Jesus e o de Deus encarnado em Jesus.

A qualidade do diálogo com os fiéis que professam diferentes concepções de cristianismo poderá ser um indício de um papa satisfeito em pastorear seu rebanho ou disposto a levar a sua igreja a patamares mais amplos.