O que o Saara, o maior deserto da Terra, e a Floresta Amazônica, a maior floresta tropical do planeta, têm em comum? A resposta é poeira – muita, muita poeira. E não se trata de uma poeira que atrapalha a vida da floresta. Na verdade, a Amazônia depende dessa poeira para ser como é. A cada ano, cerca de 182 milhões de toneladas de poeira do Saara – um volume capaz de encher aproximadamente 690 mil carretas – são levados por fortes ventos para uma viagem de aproximadamente uma semana no rumo oeste, atravessando o Oceano Atlântico.

Os cientistas já conheciam esse trânsito intercontinental há algumas décadas, mas apenas recentemente, com a reunião e a análise de dados coletados por satélites, eles conseguiram compreender a importância desse fenômeno. “Mesmo dezenas de milhões de anos depois que a América do Sul se separou da África, os dois continentes ainda estão indissoluvelmente ligados, como um irmão mais velho e outro mais novo”, observa Charlie Zender, climatologista da Universidade da Califórnia em Irvine.


Nuvens de poeira (mais claras) se levantam da Depressão Bodélé (o Lago Chade aparece à esquerda, embaixo)

De acordo com um estudo publicado na revista Geophysical Research Letters, a viagem da maior parte dessa poeira saariana começa aos 15° de longitude oeste, no leito seco de um antigo lago situado no atual Chade, a Depressão Bodélé, cujas características topográficas e correntes de ar favorecem a ocorrência do fenômeno. O leito do lago contém enormes depósitos de microrganismos mortos ricos em fósforo, um nutriente fundamental para o desenvolvimento das plantas. Poderosas correntes de ar levantam a poeira dali e começam a levá-la na direção oeste.

Uma parte dessa poeira fica pelo oceano. Na altura da longitude 35° oeste, depois de mais de 2.500 quilômetros percorridos, a Amazônia recebe 27,7 milhões de toneladas da poeira saariana, incluindo aí o fósforo. “Calculamos que 22 mil toneladas de fósforo são depositadas na Amazônia anualmente”, afirma Hongbin Yu, climatologista da Universidade de Maryland que trabalha no Goddard Space Flight Center, da Nasa, a agência espacial norte-americana, e lidera o estudo. “Essa é a mesma quantidade retirada do solo por meio das chuvas e inundações.” Segundo o cientista, cerca de 43 milhões de toneladas de poeira seguem até a longitude 75° oeste, no Mar do Caribe.

Reposição de nutrientes

O mapeamento do destino da poeira transoceânica é um feito de um satélite da Nasa denominado CALIPSO (Cloud-Aerosol Lidar and Infrared Pathfinder Satellite Observation), lançado em 2006, que envia raios de luz à atmosfera e mede quanto tempo eles levam para ser refletidos. “Baseados na diferença de tempo entre quando você emite a luz e o sinal de retorno, é possível estimar quanto material está na atmosfera”, afirma Yu. Os dados que sua equipe analisou para o estudo foram coletados entre 2007 e 2011.


A poeira ruma para as Américas (no alto), em foto de 2014

A poeira saariana vem a calhar para a Amazônia, submetida a constantes chuvas e enchentes. Essas partículas repõem os nutrientes varridos do solo por tais fenômenos climáticos. “Se você não tivesse esse transporte de poeira africana para a Amazônia, em dez ou cem anos a região perderia muito fósforo”, ressalta Yu. “Esse é um grande problema para as plantas.” A equipe de Yu verificou que o volume de poeira transportado variar a cada ano, e a diferença pode chegar a 86%. Aparentemente, o motivo dessas oscilações é a condição climática variável do Sahel, a faixa de terra semiárida logo abaixo do Saara. Chuvas pesadas no Sahel reduzem a quantidade de poeira que viaja sobre o Atlântico.

Yu está interessado em saber também se a mudança climática está afetando esse gigantesco trânsito intercontinental de partículas, mas a resposta a essa questão é mais complexa. De qualquer modo, as descobertas de sua equipe são mais uma evidência de ligações entre lugares aparentemente desconexos, por vezes separados por distâncias enormes. “Este é um mundo pequeno, e todos nós estamos conectados”, conclui o climatologista.