Sessenta por cento do transporte marítimo mundial é feito por navios porta-contêineres. Para baratear os custos, as empresas do setor estão investindo em navios cada vez maiores, cujas dimensões podem criar problemas em portos. Os supercargueiros podem transportar 15 mil contêineres com mais economia e menos poluição.

 

Sabe qual é a diferença entre uma par de tênis e um computador? No que diz respeito ao transporte, nenhuma. Ambos chegaram a você, muito provavelmente, por meio do transporte em contêineres. O processo e a rota são longos e todas as fases são ligadas entre si para permitir que tudo o que encontramos na prateleira do supermercado e do shopping chegue de maneira rápida, segura e eficiente às nossas mãos.

Usando o exemplo dos computadores, tudo começa quando uma loja de informática no Brasil passa uma encomenda de 200 laptops ao fabricante japonês. A marca entra em contato com um transportador, que carrega essa e outras encomendas num único contêiner padronizado, de 40 pés (12 metros de comprimento, 2,4 metros de largura e de altura).

O contêiner onde estão os nossos laptops é apenas um entre milhares que serão transportados por um navio cargueiro até o Brasil. Chegando ao porto de destino, gruas e funcionários portuários fazem o desembarque da carga, transferindo-a para caminhões ou trens. Somente depois de chegar a um centro de importação é que o contêiner vai ser aberto para que as encomendas sejam entregues nas diferentes lojas brasileiras.

Antes dos contêineres, todos os produtos industrializados eram transportados em caixas de diferentes tamanhos. Ainda até depois da Segunda Guerra Mundial a movimentação de mercadorias implicava tanto esforço quanto no fim do século 19. Transportar produtos e máquinas era caro e trabalhoso. Para mudar isso era necessário unificar a cadeia de transporte de tal maneira que tudo pudesse ser feito do mesmo modo, seja no Brasil, nos Estados Unidos ou no Japão. Mark Levinson, autor do livro The box, que relata a criação do contêiner e a sua importância para a globalização, explica que a chave do sucesso foi a unificação. “O cliente passou a colocar os seus produtos num contêiner sabendo que ele pode ser transportado por qualquer navio, ser descarregado em todo terminal de carga e ser entregue em qualquer lugar do mundo”. Surgia assim a intermodalidade padronizada.

A primeira viagem intercontinental de um cargueiro de contêineres aconteceu em 1966, entre o porto de Newark, nos EUA, e o de Roterdã, na Holanda. O navio carregava 236 contêineres, e a operação foi um sucesso. Mas o grande desenvolvimento na indústria de navios de carga ocorreu com a Guerra do Vietnã. Os EUA precisavam transportar todo tipo de produto para o outro lado do planeta de forma rápida, segura e eficiente. Hoje em dia, mais de 40 anos depois, 60% do transporte marítimo mundial é feito em contêineres.

Existem diversos tipos de contêineres, de acordo com o tipo de produto que transportam. Os mais comuns são os de 20 e 40 pés, mas há também contêineres para volumes líquidos, refrigerados, isolantes, e dotados de abertura lateral ou no teto, entre outros gêneros.

Para acelerar e rentabilizar o transporte dos inúmeros bens industrializados ao longo dos anos, os armadores começaram a apostar na fabricação de navios cargueiros cada vez maiores. Hoje em dia, os maiores navios em atividade são os chamados E-Class, da operadora dinamarquesa Maersk, com cerca de 15 mil TEU (unidade de medida da capacidade dos carga; cada TEU é um contêiner de 20 pés), e nada menos do que 397 metros de comprimento e 56 metros de largura.

Para se ter uma ideia do que representa uma carga completa desses monstros, um contêiner de 40 pés pode conter até quatro mil laptops, de maneira que um gigante E-Class pode transportar 60 milhões de computadores. Se a mesma carga de 15 mil contêineres fosse transportada num trem, precisaríamos de mais de 100 quilômetros de vagões.

Mas o futuro promete ainda mais. Em meados de 2013 vai entrar em circulação o maior porta-contêineres do mundo. O Triple-E, também da operadora Maersk, terá capacidade de 18 mil TEU e vai fazer a rota Ásia-Europa. Apesar de possuir apenas mais três metros de comprimento e mais quatro metros de largura em relação ao seu antecessor, o Triple-E tira proveito do design para transportar 2,5 mil contêineres a mais do que o E-Class, ou o suficiente para levar 20 milhões de pares de tênis a mais. A diferença: o Triple-E tem o casco em forma de “U”, diferentemente de todos os outros cargueiros do gênero, que têm a forma de “V”. Isso permite um aumento no volume da carga transportada.

Um cargueiro com 15 mil contêineres transporta o equivalente a 100 km de vagões ferroviários. Os supercargueiros Triple-E vão levar 18 mil contêineres.

O Triple-E não existiria, no entanto, se não fosse o crescimento no comércio mundial e principalmente o desenvolvimento econômico da China. Depois de um ligeiro período de calmaria, as exportações chinesas voltaram a crescer nos últimos anos e a rota Ásia-Europa é uma das mais concorridas. A Maersk encomendou o Triple-E contando com um aumento ainda maior desse comércio da China com o resto do mundo nos próximos anos.

No entanto, o novo gigante da Maersk não será apenas o maior, mas também o mais eficiente. De acordo com a empresa, o Triple-E vai navegar a 23 nós (2 nós abaixo dos E-Class), o que vai permitir reduzir as emissões de dióxido de carbono por contêiner pela metade e consumir 19% menos energia do que seu antecessor. Além disso, o novo cargueiro da Maersk vai utilizar um sistema de aproveitamento de gases de escapamento, aumentando a propulsão do navio e assim diminuindo ainda mais o consumo de combustível e as emissões de CO2.

A empresa dinamarquesa se comprometeu a baixar a emissão de CO2 por contêiner transportado em 25% até 2020 e o Triple-E vai ser fundamental para atingir esse objetivo. Numa recente conferência de lançamento do supercargueiro, o presidente da Maersk, Evind Kolding, expressou o desejo de que os bens transportados pela empresa “cheguem até o consumidor da maneira mais sustentável possível”.

No que diz respeito ao meio ambiente, cada componente do novo navio vai ter uma espécie de “passaporte”, que consiste numa descrição detalhada dos materiais da sua composição. Esse procedimento permitirá que todas as peças do Triple-E (composto em 98% de aço) possam ser recicladas ou reutilizadas e não descartadas na natureza. O tempo de vida útil de um porta-contêineres é de 26 anos.

Apesar de todo o otimismo da Maersk, nem tudo é um mar de rosas no mundo dos supernavios. De acordo com o autor Mark Levinson, o Triple-E poderá carregar 18 mil contêineres de 20 pés (ou nove mil contêineres de 40 pés), “mas poucos portos no mundo têm a profundidade necessária para esses navios e, na maioria dos terminais, não há capacidade para carregar e descarregar tantos contêineres”.

O problema é parecido com o que a mineradora brasileira Vale está enfrentando nos portos chineses, onde tem tido dificuldade em entrar com os gigantes navios Valemax para descarregarnão não contêiners, mas minério de ferro. O governo chinês alega problemas técnicos nos portos para receber navios com carga acima de 300 mil toneladas e os novos cargueiros levam 400 mil toneladas. Mas o verdadeiro motivo pode ser a acusação de concorrência desleal feita pela associação chinesa de armadores.

A Vale encomendou 35 novos navios de carga, mas pode ser obrigada a vender ou arrendar as embarcações para diminuir o prejuízo com a proibição. A China é o maior comprador de ferro brasileiro e a empresa brasileira tem recorrido a navios de transbordo para poder descarregar o minério em países vizinhos e levá-lo para portos chineses por outros meios. José Carlos Martins, diretor-executivo de Ferrosos e Estratégia da companhia esclarece que os Valemaxes já atracam em vários portos, como Sohar, no Oriente Médio, Taranto e Roterdã, na Europa e no Japão. “Estamos negociando com as autoridades chinesas. Podemos atracar na Coreia e na estação de transferência flutuante de minério de ferro das Filipinas. No fim de 2013 ficará pronto o centro de distribuição e porto da Vale na Malásia, que também poderá receber os Valemaxes. A empresa dispõe de alternativas independente da China.”

Os novos porta-contêineres não são apenas um meio de transporte de carga. A maioria das companhias de transporte disponibiliza algumas vagas para passageiros convencionais nos navios a um preço menor do que uma passagem de avião, com certeza muito mais barato do que um cruzeiro.

A vida a bordo é tranquila, e o excêntrico passageiro viaja numa cabine particular, podendo almoçar com tripulação, visitar a casa de máquinas e conversar com o capitão. No resto do tempo, pode aproveitar a paisagem e ver o tempo passar. Dentro de alguns dias, ele vai desembarcar do outro lado do mundo junto com milhares de contêineres.

 

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Caixa rodada

Estima-se que existam hoje 17 milhões de contêineres em circulação no mundo. Provavelmente, os produtos que o leitor compra no supermercado estão viajando neste momento pelo mundo dentro da famosa caixa metálica. Num recente trabalho sobre globalização, a rede britânica BBC fez a experiência de acompanhar um contêiner durante um ano. A caixa com a marca da BBC foi rastreada e viajou mais de 82 mil quilômetros, dos quais 75 mil quilômetros em navios, transportando mais de 15 mil garrafas de uísque e 95 mil latas de ração de gato, entre outros produtos. No total, o contêiner deu duas voltas ao mundo. A globalização, como a conhecemos hoje, não existiria sem o transporte de contêineres.