Uma piada popular entre os israelenses começa com a pergunta: por que Moisés demorou 40 anos para levar os judeus do Egito a Israel? Resposta: porque estava procurando o único lugar no Oriente Médio que não tinha petróleo nem gás. Pela via cômica revela-se uma das grandes vulnerabilidades de Israel, país com recursos energéticos nulos, enquanto a maioria das nações que o cercam nadam em petróleo. A dependência externa em relação ao combustível fóssil (praticamente 100%) e ao gás natural (70%), em meio a vizinhos no mínimo pouco dispostos a ajudá-lo, constitui há décadas um obstáculo logístico para lá de complicado. Esse quadro pode mudar radicalmente.

A sorte da bíblica “terra que mana leite e mel” no setor de hidrocarbonetos começou a virar em 2009, ano da descoberta de um grande campo de gás natural na costa do Mediterrâneo, denominado Tamar, com reservas estimadas em 240 bilhões de metros cúbicos. No ano seguinte veio uma nova surpresa agradável: outro campo no litoral, Leviathan, com reservas em torno de 450 bilhões de m³. Com entrada em operação comercial prevista respectivamente para 2012 e 2015, Tamar e Leviathan devem suprir todas as necessidades de gás de Israel por 50 anos.

Na verdade, as boas notícias estavam só começando. Enquanto as sondagens eram feitas, a empresa Israel Energy Initiatives (IEI), subsidiária da companhia de telecomunicações norte-americana IDT, aprofundava suas pesquisas sobre outra possibilidade: xisto betuminoso. No início da década de 1980, um estudo do Serviço Geológico de Israel havia assinalado que o país pode conter um dos maiores depósitos do mundo de xisto, com boas quantidades de querogênio, um complexo orgânico que contém petróleo.

Uma das perfurações da empresa Israel National Oil, em Arad, na região do Mar Morto.

A IEI começou em 2009 a fazer perfurações numa área de 238 km² que obteve em licenciamento e, por enquanto, os resultados que obteve batem com “as mais altas expectativas” da empresa. As avaliações reforçam projeções de geólogos da IEI de que os depósitos de xisto betuminoso de Israel podem colocar o país numa posição proeminente entre os grandes produtores de petróleo do mundo.

“Numa estimativa conservadora, cerca de 250 bilhões de barris de petróleo estão contidos no xisto israelense – provavelmente o segundo ou terceiro maior depósito de todo o mundo”, afirma o físico Harold Vinegar, cientista-chefe da IEI. “A Arábia Saudita (maior produtora global de petróleo) possui reservas de 260 bilhões de barris. Poucas pessoas perceberam que a indústria petrolífera aqui tem um tremendo potencial.”

Vinegar merece ser levado a sério. Ex-funcionário da gigante anglo-holandesa Shell, onde trabalhou por 30 anos e foi cientista-chefe, participou ativamente da pesquisa da empresa com xisto betuminoso no supercampo da Bacia de Piceance, no Colorado (Estados Unidos). Ali se estima haver cerca de 800 bilhões de barris de petróleo recuperável, a uma profundidade média de 300 metros. A Shell ainda não extraiu petróleo do xisto do Colorado em bases comerciais, sobretudo por um problema ambiental – o principal aquífero da região de Piceance passa através do depósito de xisto. Mas foi ali que Vinegar desenvolveu uma técnica para baratear o custo da operação que está prestes a ser posta em prática (ver quadro a seguir).

 

Como tirar óleo de pedra

Extrair petróleo de xisto betuminoso é uma atividade cara e poluente. O método tradicional é o da mineração a céu aberto, cuja viabilidade econômica aumenta se a rocha estiver próxima da superfície. O xisto retirado é então aquecido entre 450°C e 500°C, para que o querogênio nele contido se converta em petróleo leve, de boa qualidade. O custo final do barril obtido por esse processo varia entre US$ 70 e US$ 100 – muito alto, numa época em que o preço do barril em Nova York ronda US$ 85.

Harold Vinegar afirma ter uma alternativa mais vantajosa, que desenvolveu para a Shell dos Estados Unidos. Ela envolve aquecedores horizontais que, colocados nos veios, trabalham a altas temperaturas, sem variações, durante meses. Com o calor liberado, as rochas circundantes levam três anos para transformar querogênio em petróleo, que pode ser bombeado para a superfície.

No projeto da IEI, os aquecedores seriam inicialmente alimentados por eletricidade obtida a partir do gás, abundante e barato nessas áreas, além de emitir quantidades relativamente baixas de gás carbônico. Depois, os aparelhos seriam substituídos por barras de sal fundido, igualmente caloríficas, uma tecnologia mais eficiente já empregada no subsolo de fábricas de produtos químicos e usinas de energia solar. Vinegar calcula que o barril de petróleo extraído dessa forma poderia custar até US$ 35.

 

Depois de se aposentar na Shell em 2008, Vinegar e sua mulher decidiram se mudar para Israel, onde ele pretendia lecionar. Mas o geólogo-chefe da IEI, Yuval Bartov, que o conhecia dos tempos do Colorado, tinha outros planos. Bartov convenceu o presidente da IDT, Howard Jonas, de que Vinegar era essencial para o projeto do xisto israelense e não demorou para o físico se juntar ao grupo.

Bartov e Vinegar concentram esforços numa área central de Israel, Adullam, onde o Serviço Geológico já havia identificado um veio de xisto betuminoso na década de 1980. Como a camada de rochas estava a cerca de 300 metros de profundidade, não interessou, na época. Vinegar e Bartov, porém, haviam trabalhado com essa mesma profundidade no Colorado e não a consideravam um obstáculo intransponível.

Os bons resultados das pesquisas têm mobilizado muita gente. Por um lado, a IDT, controladora da IEI, viu o preço de suas ações – que haviam baixado a US$ 0,66 na crise de 2008 – subir estratosfericamente para US$ 30 em meados deste ano. A companhia tem atraído investidores pesos-pesados, como o dono da News Corp., Rupert Murdoch, o financista britânico Jacob Rothschild, o ex-vice-presidente norte-americano Dick Cheney e o bilionário administrador de fundos Michael Steinhardt – que, aliás, é o atual presidente da IEI.

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Riqueza súbita

A dependência externa israelense de petróleo e gás contrasta com a fartura dos seus vizinhos (apresentada em reservas comprovadas). Mas se forem considerados o petróleo contido no xisto betuminoso e as descobertas de gás no litoral, o país passa a figurar entre os gigantes da região.

 

Do outro lado, habitantes da região e ecologistas já começaram a se movimentar para dificultar ao máximo o que consideram um crime ambiental. Adullam é conhecida pelas terras férteis e uma de suas partes, o Vale de Elah (onde, segundo a Bíblia, Davi matou Golias com uma pedrada), é chamada de “Vale do Napa israelense”, pelos vinhos ali produzidos. Os agricultores estão compreensivelmente preocupados com as potenciais mudanças no ecossistema deflagradas pelas operações da IEI. Um dos principais aquíferos de Israel passa 200 metros abaixo do depósito de xisto. O principal temor é que o processo de extração acabe por contaminá-lo. Bartov e Vinegar juram que não: para eles, a camada de rochas que separa as duas ocorrências é impermeável e impedirá infiltrações. Mas essa argumentação ainda é vista com muita desconfiança. A água vale tanto ou mais que petróleo em Israel.

John Brown, da Zion Oil, procura poços inspirado pela Bíblia. Até agora, sem sucesso.

“Eles estão planejando uma indústria petrolífera experimental, suja e perigosa”, diz a ecologista Orit Skutelsky, da Sociedade de Proteção da Natureza de Israel. “O país não é o lugar para esse tipo de indústria, especialmente esta parte dele.” Chagit Tishler, professora que mora numa cooperativa próxima de Elah, compartilha dessa visão: “Há muitas incertezas e incógnitas. Eles (o pessoal da IEI) não estão sendo completamente honestos conosco. Não queremos ser cobaias.” No Canadá, a exploração do xisto betuminoso gera muitas críticas e protestos.

Vários grupos ecologistas impetraram na Justiça ações contra o prosseguimento dos trabalhos da IEI, por enquanto sem resultados palpáveis. A Suprema Corte israelense decidiu que só examinará o caso a partir de abril de 2012. Com isso, a IEI poderá iniciar ainda este ano uma nova etapa dos trabalhos: a perfuração de três poços com três metros de espaço entre eles e o aquecimento das rochas durante 270 dias, como amostra do processo in loco que resultaria na extração de 2 mil barris de petróleo por dia.

A sequência do caminho, porém, não deverá ser nada fácil: a empresa terá de obter do Ministério do Interior uma licença de permissão de uso da terra, a qual será ou não aprovada a partir da avaliação do ministro e de um comitê de planejamento, integrado por representantes do Ministério de Proteção do Meio e de comunidades locais. Bartov prevê dificuldades: “Achamos que o ministro do Meio não quer que esse projeto aconteça”, confessa. Sua esperança é que as razões geopolíticas – e a promessa de reduzir as emissões de gases de efeito estufa na exploração do xisto – vençam a resistência. “A independência energética de Israel se tornará algo muito importante para o Estado”, diz Michael Steinhardt. Nos próximos meses Israel deverá decidir qual caminho seguir nessa encruzilhada.

 

Tentativas frustradas

Na década de 1930, geólogos britânicos procuraram petróleo infrutiferamente nas terras que viriam a constituir o Estado judeu na década seguinte. A busca parecia perto do fim em 1955, quando uma equipe norte-americana e israelense encontrou óleo de boa qualidade no campo de Heletz-Kokhav. Mas logo a boa-nova deu lugar à desilusão: nenhum outro campo foi descoberto e a produção de Heletz-Kokhav esgotou- se ao atingir 17,5 milhões de barris (cerca de três dias de produção da Arábia Saudita). Entre 1960 e 1985, a Israel National Oil perfurou 500 poços no país. Nenhum foi bem-sucedido. Depois de virar motivo de piada, a empresa interrompeu as perfurações em 1986.

A saída de cena foi a deixa para amadores movidos por motivos religiosos. O evangélico norte-americano Jim Spillman publicou um livro em 1981, The Great Treasure Hunt (A Grande Caçada ao Tesouro), no qual vê em versos do Velho Testamento indícios da presença do líquido precioso na região. A obra estimulou um conterrâneo, John Brown, executivo de uma indústria de ferramentas, a constituir a empresa Zion Oil and Gas para se dedicar à busca, que adquiriu direitos de perfuração no norte de Israel. Mas tampouco obteve sucesso.