Um dos mais premiados documentaristas brasileiros estreia nos longa-metragens com Todas as Manhãs do Mundo, um festival de imagens impressionantes que mostram o amanhecer na natureza em diferentes locais do planeta

Para marcar seus 25 anos de carreira, o mergulhador e documentarista Lawrence Wahba decidiu sair da tela pequena, onde é presença constante em canais como o Nat­Geo, e estrear nos cinemas. Seu primeiro longa-metragem, Todas as Manhãs do Mundo, que estreou em abril em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, parte da ideia de uma série que fez com a produtora francesa Bonne Pioche para o NatGeo, exibida em 2015, no qual se retrata o amanhecer em diferentes biomas do planeta. No filme, o conceito é retrabalhado a partir de uma “conversa” entre dois personagens-narradores, o Sol e a Água (interpretados respectivamente pelos atores Ailton Graça e Letícia Sabatella), elementos fundamentais para a existência da vida na Terra.

No estilo docudrama, que mistura fantasia e realidade, e mirando em um público de todas as idades, Todas as Manhãs do Mundo acompanha o alvorecer e a manhã em ecossistemas diversos – o Ártico norueguês, as florestas temperadas do oeste do Canadá, o deserto da Baja Califórnia, a savana africana, os mares quentes da Indonésia e o Pantanal brasileiro. Foram 44 semanas de gravações para reunir as 400 horas de material que serviram de base para a obra – imagens de grande beleza que mostram a jornada pela vida em todas essas regiões e o impacto representado pela ação humana. Wahba fala sobre esse filme e sua premiada carreira na entrevista a seguir.

PLANETA – O filme Todas as Manhãs do Mundo, lançado agora, tem o mesmo nome de uma série do canal NatGeo exibida em 2015, na qual você teve participação fundamental, como cinegrafista, narrador e diretor. Em que o filme se diferencia da série?
WAHBA – O projeto nasceu a partir de um convite da produtora francesa Bonne Pioche, de A Marcha dos Pinguins, filme vencedor do Oscar de melhor documentário em 2006. O projeto francês previa apenas a série de TV, mas tive a ideia do longa e, desde a origem da versão brasileira, decidimos que o projeto seria composto por uma série de TV de cinco episódios e de um longa-metragem de cinema. A série, exibida no NatGeo em 2015, é bem documental, retrata as minhas aventuras documentando o amanhecer em diversos biomas do planeta. O longa, apesar de homônimo, é totalmente diferente – é uma mistura de realidade com ficção. As imagens são reais, flagrantes da vida animal captados na natureza, mas a história é narrada pelo Sol e pela Água, “pai” e “mãe” da vida na Terra. É um filme para toda a família, principalmente crianças. Isso foi completamente planejado: é um filme que entretém educando ou educa entretendo.

Leões na África: imagens de rara beleza compõem a série e o filme (Foto: Divulgação)
Leões na África: imagens de rara beleza compõem a série e o filme (Foto: Divulgação)

PLANETA – O filme tem um forte conteúdo educativo. Como está sendo a receptividade nas escolas? E em relação ao público em geral?
WAHBA – O filme está indo surpreendentemente bem, principalmente se levarmos em consideração as dificuldades de se lançar um documentário nos cinemas brasileiros. Hoje [a entrevista foi concedida em 4 de maio] tivemos a confirmação de que ele ficará mais uma semana em exibição em São Paulo – está indo para a quinta semana de exibição, tempo acima do que esperávamos. Em breve teremos novidades para exibição em outras cidades e, quem sabe, outras plataformas, inclusive na TV… A produtora e o distribuidor estão trabalhando nisso. O feedback que recebi do público e principalmente nas escolas foi muito positivo. Para divulgar o filme, dei 15 palestras em escolas e universidades, com plateias que iam de crianças de 7 anos a universitários, e falar com crianças e jovens foi uma experiência incrível. Pude sentir o quanto as pessoas estão gostando – principalmente as crianças e os professores.

PLANETA – Você e sua equipe colheram imagens para o filme em vários santuários naturais no mundo. Foi possível observar neles efeitos da ação humana e do aquecimento global? Em quais desses lugares isso ficou mais evidente?
WAHBA – Para observar os efeitos da ação humana e do aquecimento global seria necessário muito mais tempo de gravação – teríamos de fazer uma comparação de “antes e depois”, então não observamos isso diretamente. Ouvi muitos relatos de guias e pesquisadores de como várias coisas pioraram e algumas melhoraram. Como nosso filme buscava retratar a beleza da vida animal, priorizamos as gravações em parques nacionais, áreas­ preservadas – enfim, documentamos “ilhas preservadas” cercadas por um mar de devastação. A caminho de todas as regiões que gravamos, sem exceção, testemunhamos as pressões que a atividade humana exerce no entorno. Seja na Noruega ou na Zâmbia, as áreas preservadas são cada vez mais pressionadas pelas ações do homem.

PLANETA – Filmar a natureza significa­ trabalhar com “atores” que constantemente não fazem o que se espera deles. Como lidar com tamanha incerteza?
WAHBA – Lidar com essa incerteza é a “magia” do meu trabalho. A gente consegue maximizar as chances de conseguir as imagens com muita pesquisa prévia e escolhendo os guias certos para cada local. Os pesquisadores costumam nos ajudar muito nesse processo. Nossa experiência e a dedicação nas filmagens também ajudam, mas o fator sorte sempre está presente. Costumo brincar que, depois de passar 17 semanas no Pantanal, tive a sorte de filmar uma onça matando um jacaré… ou seja, temos de ajudar a sorte nos ajudar. Na maioria das vezes dá certo; às vezes, não. Na verdade, é essa incerteza que nos faz valorizar mais as sequências que conseguimos captar.

PLANETA – A qualidade das imagens do filme é notável, com um destaque especial para as belíssimas cenas subaquáticas colhidas no Pantanal. Quais foram os cuidados necessários para se obter esse resultado?
WAHBA – Filmar embaixo da água é minha origem, fui cinegrafista submarino antes de filmar na superfície, faço isso profissionalmente desde 1991… Fazer belas imagens debaixo da água não é mais do que minha obrigação. O segredo aí foi a forma como descobrimos essa locação. Fiz duas expedições à Serra do Amolar, região próxima à fronteira com a Bolívia, com a Polícia Ambiental do Mato Grosso do Sul, buscando as águas mais claras do Pantanal. Já estávamos em águas claras até que eu e o cabo Maurelício chegamos ao Seo Ruivaldo, morador da região. Ele nos levou a esse pedaço do Pantanal que nunca tinha sido filmado. Nas outras sequências subaquáticas, como as de peixes predando na Indonésia, foram horas e horas no fundo do mar, por vezes sete horas de mergulho por dia, até ter a sorte de conseguir esses flagrantes.

Urso com salmão: planejamento e sorte para filmar (Foto: Divulgação)
Urso com salmão: planejamento e sorte para filmar (Foto: Divulgação)

PLANETA – Você já tem uma longa carreira como documentarista, com viagens a todos os continentes e a variados biomas. Qual desses lugares foi o mais desafiador para o seu trabalho? Ainda existe algum ponto da Terra que você queira explorar mais cuidadosamente?
WAHBA – Ainda tenho muito a explorar, muitos lugares que tenho sede de conhecer: Madagascar, Açores, Namíbia, Nepal, Filipinas… Esses são alguns dos locais que sonho conhecer e poderia citar o triplo da quantidade de lugares para onde gostaria de voltar. O mundo é muito grande, as opções, infinitas, e o tempo, limitado! Costumo dizer que sempre o local mais desafiador é o próximo. Mas, falando a sério, os lugares mais desafiadores costumam ser os com climas mais extremos. O frio do Ártico ou o calor do deserto oferecem muitos desafios à equipe; já a umidade da Amazônia dificulta o uso dos equipamentos. Por vezes as condições de mergulho impõem desafios nas filmagens subaquáticas. Enfim, gravo em locais inóspitos, de difícil acesso, e uma expedição de filmagem precisa ser autônoma em equipamentos, suprimentos, combustível… Há mais desafios do que parece a princípio, mas isso é o que mais me motiva.

PLANETA – Depois de tudo o que você já viu na sua carreira, dá para concluir que a natureza ainda é mais forte do que o ser humano? Ou nossa capacidade de destruir o ambiente está vencendo a batalha?
WAHBA – Tenho uma relação “bipolar” com a resposta dessa pergunta… Às vezes acho uma coisa, às vezes outra. Vou responder assim: é consenso que o planeta não resiste a 7 bilhões de humanos agindo como agimos, consumindo como consumimos, explorando como exploramos. Por outro lado, também é comprovada a capacidade que nossa espécie (ou alguns exemplares dela) tem de raciocinar, achar alternativas, consertar. Acredito que a natureza seja mais forte do que o homem e que, em dado momento, ou mudaremos nossas práticas, ou seremos­ eliminados do planeta. Ninguém pode prever quando será esse momento, mas ainda temos tempo de mudar nossas atitudes.