Os chilenos dizem que seu mais belo cartão-postal é o Parque Nacional , no extremo sul do país, em território patagônico. Têm razão. Em 1984, o parque recebia 2.500 visitas ao ano. Hoje superam as 120 mil e há preocupação pelo impacto que isso poderá produzir

O parque tem um quê de paraíso austral. Mas ninguém disse que chegar ao paraíso é fácil. Toda conquista importante tem seu preço e alcançar a Patagônia chilena requer tempo e paciência. Primeiro, é preciso chegar a Santiago, capital do país, num voo que leva três horas e meia a partir de São Paulo. Logo, há de fazer uma conexão até Punta Arenas, a cidade mais austral do Chile, na orla do mítico Estreito de Magalhães. São outras três horas de voo. Chegamos ao parque? Não, ainda não.

Desde o aeroporto Presidente Ibañez, de Punta Arenas, até são 400 quilômetros, ou cinco horas de carro. Trajeto que se transforma numa espécie de iniciação à natureza da região. Nessas cinco horas cruza-se o pampa, primeiro seguindo a orla das águas azuis do Estreito de Magalhães, à direita. Do outro lado do canal, ao fundo, delineiamse os suaves contornos da Terra do Fogo.

Depois, o caminho segue pelo interior da grande planície austral, cujas paisagens solitárias quase obrigam ao silêncio, à meditação e ao encontro com nosso eu interior. Chega-se, enfim, ao povoado de Puerto Natales. Um chá no mais puro estilo inglês, com lareira acesa e tudo, dá forças para continuar o caminho. Mais uma hora e meia, por entre morros, lagos e fazendas distantes para chegar ao destino e a uma primeira constatação: mesmo que o alvo fosse ainda mais distante, a viagem valeria a pena.

Não importa em qual direção se olhe, a paisagem em torres del paine é sempre de impacto. O jogo entre lagos, céu azul, o verde das colinas e a neve sobre as altas montanhas fascina os visitantes. na página ao lado, aspectos do Lago Grey com o famoso glaciar de mesmo nome ao fundo. na extrema direita, imagem do Centro de visitantes e sede do parque.

Parece que chegamos a um outro planeta. Impossível compreender as formas geográficas desse rincão da Patagônia chilena sem explicar que a geografia da América meridional foi modelada no período Quaternário. Naqueles tempos glaciais, uma enorme massa de gelo se depositou sobre o continente e, ao arrastar o seu peso colossal, esculpiu a sua fisionomia. Na medida em que a temperatura do planeta aumentou, os gelos foram se retirando, deixando em seu lugar lagos, vales, montanhas e pequenas colinas de rocha polidas pelo atrito das gigantescas placas de gelo.

Acredite: o chão patagônico não viu diretamente a luz do Sol até relativamente pouco tempo. Isso aconteceu, segundo os estudos, há apenas 16 mil anos. Até então, toda a região estava coberta por uma altíssima capa de gelo. Para se ter um exemplo visual da situação, basta fazer um pequeno exercício. Sentado na beira do Lago Pehoé, em pleno parque, olhe para as altas montanhas em frente. São os chamados Cornos da Cordilheira do Paine. Ela “só” tem 12 milhões de anos, ante os 60 milhões dos Andes. Nesse tempo, formou-se uma capa de rocha mais mole, ou sedimentar, no solo da região.

A seguir, lentamente o magma incandescente vindo do centro da Terra começou a inundar essa capa por baixo e foi esfriando até formar um duro granito. Submetidas a enormes pressões tectônicas, as placas de granito começaram a se elevar, formando as montanhas do maciço. Um dos cornos do Paine tem 2.400 metros de altura. Imagine a força titânica produzida nas entranhas do planeta para conseguir levantar o chão até essa incrível altura!

Durante a época glacial, os campos de gelo cobriram toda a região montanhosa. Ao se deslocar, desgastaram a rocha sedimentar. O gelo se foi e deixou descoberto o granito, de cor cinza, com suas partes mais altas coroadas por rocha sedimentar escura. Os cornos do Paine mostram hoje a marca exata até onde foram cobertos pelo gelo. Essa visão é uma amostra da maravilha natural do sítio que estamos visitando. Ele foi, um dia, coberto por um gigantesco manto de gelo, com mais de mil metros de altura.

Muita gente imagina a patagônia como uma região muito fria e chuvosa, mas o parque possui um microclima diferente. no verão, são comuns temperaturas acima dos 20 graus centígrados.

Acima, margens do Lago Grey, a ponte pênsil que leva até o glaciar, a fotógrafa Tina Coelho visita o parque a cavalo. Abaixo à esquerda, uma raposa, um grupo de guanacos, um cisne de pescoço negro e um ganso da Patagônia. A fauna em é muito abundante. Rigorosamente protegidos, muitos animais não têm medo das pessoas, e deixam-se aproximar com facilidade.

Outro fato interessante desse período em que a Patagônia era coberta pelo gelo é a chegada do homem à Terra do Fogo. Ele chegou caminhando. Mas como, por cima das águas do Estreito de Magalhães? Não, ele não produziu o milagre de caminhar sobre as águas. Sempre à procura de novos horizontes e da caça que permitiria o seu sustento, aqueles antigos americanos caminharam sobre o gelo que recobria o Estreito, provavelmente na altura do lugar hoje chamado de Punta Delgada. Com o tempo e a elevação da temperatura, essa massa de gelo foi-se quebrando. Ocorreram fissuras que permitiram a entrada da água até que, um dia, aquelas populações ficaram ilhadas. Há cerca de 8.500 anos, a Terra do Fogo transformou-se em ilha.

Muita gente imagina a Patagônia como uma região muito fria e chuvosa, mas o Parque possui um microclima diferente. A formação quase circular do sítio controla nuvens e ventos, conferindo ao parque um clima de características especiais. No verão, são comuns temperaturas acima dos 20ºC. O parque encontra-se no grau 50 de latitude sul, numa zona próxima ao nível do mar, o que faz com que o inverno não seja tão rigoroso. Cai neve, mas ela não demora muito a derreter, dada a baixa altitude e a intensa radiação solar, que pode ser apreciada inclusive em boa parte do inverno.

RIO SERRANO

O hotel que faltava no parque

No interior do Parque , o Hotel Rio Serrano, inaugurado há pouco, está em um cenário privilegiado. Ele foi construído no meio dos pampas, com um rio serpenteando ao lado e os imponentes Cornos do Paine ao fundo. Ponto de partida ideal para as excursões de visita ao parque, esse allinclusive já é um êxito de vendas em vários países do mundo, inclusive no Brasil.

Realmente, faltava no local um hotel de alto gabarito com excelente relação custo-benefício, que oferecesse programas para estar em contato com a natureza, uma ótima gastronomia que aposta na culinária patagônica com toques internacionais, acompanhada dos melhores vinhos chilenos e de uma cortesia de coração aberto, bem ao estilo chileno. Cavalgadas, caminhadas, pesca esportiva, observação de animais, trilhas, caiaque entre os gelos flutuantes do Lago Grey e passeios até Puerto Natales são algumas das atrações oferecidas pelo Hotel Rio Serrano.

Informações: www.rioserrano.cl

A luz do Sol é um dos atrativos da região. No verão, o amanhecer acontece por volta das 6 horas. Graças à latitude, que produz dias muito longos no verão, as possibilidades de passeios são muito ampliadas. Depois das 22 horas, o céu ainda mostra tons avermelhados, com claridade suficiente para caminhadas curtas. Se houver Lua, a paisagem fica ainda mais incrível e romântica. No inverno, a luz do Sol vai das 9 horas até as 16h30. É a estação ideal para namorar e curtir uma lua de mel.

Acima, trecho do Glaciar Grey, que desemboca no lago de mesmo nome. Abaixo, ciclistas atravessam a pradaria e adeptos da canoagem remam entre os icebergs. permite a prática de vários esportes radicais e de outras modalidades mais amenas, como as caminhadas.

O parque abriga mais de 150 espécies de animais. Com um pouco de sorte é comum ver grupos de guanacos (animal andino parente do camelo), emas, coelhos, raposas, gambás, cisnes-de-pescoço- preto, gansos selvagens, flamingos, condores e até pumas. Picos nevados, lagoas de água pura e cristalina, bosques de carvalho e grandes geleiras são o complemento desse paraíso.

A grande atração do parque é a visita à geleira e ao Lago Grey. De caminhonete chega-se até a Guarderia Grey, cruza-se uma ponte sobre o Rio Pingo, para depois caminhar por um bosque de carvalhos centenários. Por entre as árvores, vai-se descobrindo uma paisagem quase mágica. O lago imenso está repleto de icebergs branco-azulados. A seguir, surge uma extensa praia de areia e pedras que delimita o lago entre altas paredes de pedra. Ao fundo, uma gigantesca parede de gelo se debruça abruptamente sobre as águas: é o glaciar.

O Glaciar ou Geleira Grey tem 15 milhões de anos e é uma língua de águas congeladas que nasce no Campo de Gelo Patagônico Sul. Situado no alto da Cordilheira, esse campo tem mais de 150 quilômetros de comprimento. Nele, a espessura do gelo chega a superar os 300 metros de altura. Os visitantes costumam aproveitar os pequenos pedaços de gelo que há na Lagoa Grey para beber um puro e verdadeiro uísque on the rocks. Hoje é possível, inclusive, fazer um passeio turístico e caminhar sobre a geleira, acompanhado por guias, com toda a segurança que isso requer. A emoção de estar pisando sobre uma superfície de gelo formado há milhares de anos é muito forte.

Os primeiros sinais de presença humana no Parque datam de cerca de 15 mil anos atrás. Mais perto do nosso tempo, foram visitantes estrangeiros os que primeiro divulgaram seus encantos para o mundo. Em 1879, os ingleses Lord e Lady Florence Dixie, junto a um grupo de amigos, entre eles Lord Queensberry, Lord James Douglas e Julius Beerbhom realizaram a primeira expedição turística à região. Lady Florence, ao retornar à Europa, publicou o livro Across Patagonia, com detalhados relatos de sua viagem e desenhos de Julius Beerbhom.

O texto da autora inglesa é um verdadeiro poema escrito em homenagem ao esplendor da paisagem. A descrição que ela faz do clima que encontrou faz presumir que tratou-se de um período realmente excepcional: “O ar parecia mais balsâmico e suave que aquele ao qual nos tínhamos acostumado; em lugar dos ásperos ventos que tínhamos experimentado até então, soprava uma brisa suave, apenas suficiente para temperar o calor do Sol.” Lady Florence ficou maravilhada com a docilidade dos guanacos e o sabor das frutinhas do calafate, os imensos tapetes de grama verde e os contornos do que hoje é a Laguna Azul. As Torres do Paine a impressionaram fortemente e ela as chamou de Agulhas de Cleópatra.

Mais de 40 anos se passaram depois dessa visita, até que o chileno filho de imigrantes Werner Gromsh, ao lado de outros amantes da preservação da natureza, deu início a um movimento em prol da criação de um parque nacional na área do Paine. Seus esforços deram bons resultados e, em 1959, foi criado por decreto do governo chileno o Parque Nacional de Turismo Lago Grey, com uma superfície de 4.332 hectares.

Apesar disso, o grupo de Gromsh não ficou contente e continuou pressionando até que, em 1961, foi criado o Parque Nacional , com 24.532 hectares. Sucessivos decretos a seguir foram aumentando o território do parque, chegando-se em poucos anos à área atual total de 242.242 hectares.

Hoje, o é um dos parques naturais mais bem preservados do mundo. Dele não pode ser extraído nenhum vegetal, animal ou mineral. Até a lenha usada nas lareiras dos hotéis e nos refúgios dos guardas-parques – imprescindível nos frios invernos patagônicos – vem de fora.

Quando ocorre algum incêndio natural em algum setor do parque, os técnicos mantém intacto o lugar do desastre, deixando à mãe natureza a tarefa de reciclar o verde do solo. Caça e pesca são proibidos, mas, curiosamente, pode-se pescar truta em vários de seus rios. Isso tem uma explicação lógica e biológica: esses peixes são espécies introduzidas pela mão do homem e não fazem parte do equilíbrio do ecossistema do parque. Em 1978, a Unesco tornou a área do parque Reserva da Biosfera do Planeta. Ele tem sido usado para a medição da contaminação mundial e é considerado o grau zero da poluição ambiental.

Serviço

Quem leva – Landscape. Tel.: (11) 3039-8210

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