Quando foi convocado para a seleção brasileira que disputaria a Copa do Mundo de 1958, na Suécia, Manuel Francisco dos Santos, o Garrincha, não era unanimidade entre os candidatos à ponta direita. A posição era de Julinho – tido na época como o maior ponta da história –, mas, numa atitude inédita e pouco compreendida, o jogador recusou a vaga. Mané Garrincha foi convocado, mas, assim como Pelé, esquentou o banco de reservas até o terceiro jogo, quando ambos ganharam uma chance no time titular. Juntos, os dois comandaram a arrancada da primeira Seleção Brasileira campeã do mundo.

Quatro anos depois, no Chile, Pelé machucou-se no segundo jogo da Copa de 1962 e Garrincha foi decisivo para o bicampeonato, sendo reconhecido como um dos melhores jogadores da história. Havia até quem achasse o “anjo das pernas tortas” melhor do que Pelé. Os dribles desconcertantes – uma extensão natural de sua personalidade brincalhona – renderam-lhe o apelido de “a alegria do povo”. No entanto, lesões seguidas no joelho e o alcoolismo encurtaram a carreira do craque. Em 20 de janeiro de 1983, esquecido e com problemas financeiros, Garrincha morreu vítima de cirrose. Três décadas depois, apesar de algumas homenagens cultivarem sua memória, seu legado ao “futebol arte” tende ao esquecimento.

Em Pau Grande, município de Magé (RJ), terra natal do jogador, o túmulo de Garrincha vive em abandono. Há 28 anos a família espera da prefeitura a construção de um mausoléu. O Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, palco do jogo de abertura da Copa das Confederações, em 2013, e de partidas da Copa do Mundo de 2014, quase teve seu nome alterado por exigência da Fifa, a Federação Internacional das Associações do Futebol, que comanda o torneio.

No campo dos tributos, o livro De pernas para o ar: minhas memórias com Garrincha reúne crônicas escritas por Gerson Suares, enteado de Mané e filho da cantora Elza Soares, com um olhar íntimo, menos estereotipado, do jogador. “Resolvi escrever o livro por ter visto menções equivocadas, colocando-o como um matuto ingênuo e outras coisas que não correspondiam ao que era de verdade”, disse o autor à PLANETA.

A maior injustiça é a lenda que se criou em torno da suposta ingenuidade do craque. “Ele não era nenhum bobinho, era um cara inteligente, que sabia o que estava acontecendo”, defende Suares. Ruy Castro, na biografia Estrela solitária – um brasileiro chamado Garrincha, também desmascara o mito. Entre as lendas famosas está a do rádio sueco que Garrincha teria deixado de comprar por só transmitir programas na língua escandinava. A história aconteceu ao contrário: o próprio atacante fez um companheiro desistir de comprar um rádio na Europa convencendo-o de que o aparelho não falava português.

Sobre a bebida, Suares afirma que, apesar da dependência, o jogador não chegava a dar trabalho. Nos 16 anos em que conviveram na mesma casa, o escritor conta que nunca viu Garrincha de porre ou dando vexame. “Ele gostava da bebidinha dele. Mas não era de ficar bêbado. Não era deprimido. Mas depois que se separou da minha mãe, a coisa piorou”, diz.

A história de Garrincha é recheada de casos deturpados da realidade. Em seu primeiro teste no Botafogo, Mané enfrentou um dos melhores defensores do futebol, o lateral esquerdo Nilton Santos, que revolucionou o jeito de se jogar na posição. Conta a lenda que ele fez o que quis com o marcador, inclusive passando uma bola entre suas pernas. Terminado o baile, Santos teria pedido a contratação do garoto, alegando ser melhor estar do lado do “monstro” do que ter de enfrentá-lo.

Na verdade, Garrincha impressionou a todos e Nilton Santos realmente fez o pedido de contratação, depois de tomar dribles e canetas. Mas também desarmou e driblou o próprio Garrincha, o que não deve ter perturbado Mané, muito mais preocupado em driblar do que ser driblado ou até mesmo em fazer gols – para desespero recorrente dos seus técnicos.