Muitos conhecimentos sobre o universo têm sido obtidos a partir do estudo de radiações eletromagnéticas, mas em determinados casos, como eventos em buracos negros (abaixo), os dados coletados não se mostram suficientemente seguros em termos científicos.

De todas as forças do universo, a gravidade é aquela que se estuda há mais tempo e, paradoxalmente, a menos conhecida. Qualquer aluno que tenha estudado um pouco de física lembra-se da história de Galileu soltando bolas de chumbo, madeira e papel do alto da torre de Pisa, na Itália, na tentativa de entender como agia essa força estranha que atrai as coisas em direção ao centro da Terra. Bem antes, Aristóteles havia proposto que isso ocorria por nosso planeta ser o centro do universo, o lugar onde, pela própria natureza, as coisas deveriam estar. Quando surgiu o heliocentrismo, com Copérnico, o enfoque mudou e tornou-se necessária a revisão das leis sobre a queda dos corpos. Mais tarde, novas observações e teorias levaram à lei da gravitação universal formulada por Isaac Newton.

O grande passo seguinte só foi dado quase três séculos depois, graças a Albert Einstein, com sua Teoria Geral da Relatividade, de 1916 – trabalho pelo qual recebeu o Nobel de Física em 1921. As ondas gravitacionais são filhas naturais da teoria da gravitação proposta por Einstein, mas só existem no papel. De onde vêm e qual é sua importância são perguntas ainda sem resposta comprovada, já que nunca foram detectadas.

Segundo Einstein, planetas e estrelas curvam o espaço à sua volta pelo simples fato de estarem ali presentes – por seguirem a curvatura do espaço é que corpos celestes giram, gravitam em torno uns dos outros, como a Terra ao redor do Sol e a Lua em volta da Terra. Imagine então a ocorrência de um evento violento, como a explosão de uma estrela massiva que chegou ao fim da vida – uma supernova. Ou a fusão de duas estrelas de nêutrons, astros particularmente densos, ou de dois buracos negros com seu poder esmagador. Acontecimentos dessa magnitude provocam poderosas acelerações da matéria que interferem no campo gravitacional em volta. São como uma pedra jogada na água: formam ondulações, deformando o espaço. Se o pensamento é correto, poderemos detectar essas ondas no momento em que atingem a Terra após terem viajado até nós à velocidade da luz.

Durante muito tempo astrônomos duvidaram da existência das ondas gravitacionais. Desde a década de 1960, porém, físicos se empenham em provar que elas existem, confiando em que a Teoria Geral da Relatividade esteja correta, já que só tem colecionado acertos. Sua comprovação seria como abrir uma porta especial para o conhecimento do universo, que tem sido estudado por radiações eletromagnéticas, ou luz, com bandas de radiação diferentes, como de rádio, raios gama, raios X, ultravioleta e infravermelhos. Ocorre que radiações eletromagnéticas não são suficientemente seguras para nos dar determinadas informações. É o caso de eventos em buracos negros, pois eles não deixam a luz escapar. Já as ondas gravitacionais cruzam o espaço sem sofrer alterações e podem chegar até nós com dados desconhecidos sobre fenômenos do universo. Os mais otimistas anteveem até a possibilidade de observar um “fóssil”, a desconhecida radiação gravitacional gerada pelo Big Bang. Estaríamos inaugurando um novo tipo de astronomia, como nunca antes se imaginou.

Cientista trabalha no interior do observatório Virgo, na Itália (visto do alto na foto da página à direita). Ao lado do Ligo, norte-americano, e do Geo, alemão, ele está na linha de frente do estudo sobre as ondas gravitacionais.

Extrema sensibilidade

As ondas gravitacionais, muito mais fracas que as eletromagnéticas, são dificílimas de detectar. O instrumental utilizado para isso é de extrema sensibilidade e qualquer evento, como o som de um avião nos arredores, pode produzir sinais capazes de confundir os pesquisadores. O problema é que tudo, ou quase, é mais forte que uma onda gravitacional. Em 2007, o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (Ligo), aparelho norte-americano de captação de ondas gravitacionais, juntou-se aos europeus Virgo (franco-italiano) e Geo (alemão), bem como aos observatórios espaciais Lisa e Lagos, num esforço de observação. Espera-se ampliar a chance de detecção, que hoje não passa de apenas uma por ano.

Virgo, construído na cidade italiana de Cascina, na Toscana, perto de Pisa, onde Galileu fez suas experiências sobre gravidade, é um imenso interferômetro de ondas gravitacionais. Tem produzido dados de qualidade comparável aos de Ligo e Geo. O observatório é formado por um laser cujo facho de luz se divide e percorre os dois gigantescos braços de Virgo, de 3 quilômetros de comprimento, colocados em ângulo reto.

No interior dos túneis abrigados nos braços de Virgo, em um ambiente próximo ao vácuo, os raios lasers alinhados, de alta potência, são refletidos por múltiplos espelhos e percorrem incessantemente os espaços, indo e voltando.

O objetivo dos físicos é detectar uma ínfima defasagem entre os lasers, o que indicaria uma variação no comprimento dos braços, já que, teoricamente, a passagem de ondas gravitacionais deve alongar um dos braços e contrair o outro. Tal acontecimento indicaria que alguma onda gravitacional estaria atravessando o dispositivo. Espera-se que o sistema acuse o evento com uma precisão de um bilionésimo de átomo.

Um longo caminho

A construção de Virgo exigiu cuidados especiais. É uma das áreas mais planas da Itália, o que é bom. Mas há o inconveniente da instabilidade do solo, como resultado da retirada constante de água destinada à agricultura. Basta lembrar a torre de Pisa para ter uma ideia do problema.

Os túneis de Virgo deslocam-se até um milímetro por mês em alguns pontos, exigindo fiscalização regular e a compensação imediata de qualquer desvio. Os espelhos foram fabricados em Lyon (França), num laboratório especialmente criado para isso, e sua refletividade é das maiores do mundo – aproximadamente 99,995%. Cada túnel é protegido por um sistema de isolamento sísmico superespecial, que preserva os espelhos dos movimentos do solo e de grande parte das vibrações ambientais. A aparelhagem é tão sensível que pode até mesmo parar de funcionar se houver fortes vibrações. É tão complicado que os dirigentes até pensam em suspender a vigilância noturna, feita de carro, para não perturbar o sistema. Ruídos e vibrações afetam a pesquisa e torna-se muito difícil isolar um sinal possivelmente significativo da grande quantidade de sinais parasitas. Seria como tentar ouvir um sussurro perto de uma banda de rock estridente.

Na sala de controle, técnicos monitoram os acontecimentos nas telas dos computadores. Atualmente, a chance de detectar uma onda gravitacional é rara: apenas uma por ano. E detectar algo que possivelmente seja um evento dessa natureza deve ser confirmado com análises do CD de dados, cujos resultados poderão demorar meses a sair. Acontecimentos de vulto podem ser mais fáceis de registrar. O jeito é esperar pela oportunidade de ocorrer uma fusão de estrelas de nêutrons bem próxima da Terra, com sinal muito forte, e avaliar o que será registrado nas horas seguintes. Tudo fica ainda mais difícil, como os físicos já observaram, aperfeiçoando seus modelos teóricos, porque estrelas agonizantes enviam bem menos ondas gravitacionais do que se pensava. Eles reconhecem que estão longe de surpreender uma supernova em vias de explodir, perto ou longe da Via Láctea.

É de se louvar esse esforço técnico-científico, diante da possibilidade de ampliar e modificar o conhecimento atual muito além do sonhado. Trata-se não apenas de ver os astros, como na astronomia ótica, ou de entendê-los, como na radioastronomia. A astronomia gravitacional colocará em nossas mãos a inimaginável beleza de “sentir” os astros, como se ganhássemos, assim, uma percepção extra. É esperar para ver.

Glossário da pesquisa gravitacional

Lei da gravitação universal – Diz que dois objetos se atraem gravitacionalmente por meio de uma força que é proporcional à massa de cada um deles e inversamente proporcional ao quadrado da distância que os separa.

Teoria Geral da Relatividade – É a teoria do espaço-tempo. Diz que as forças gravitacionais decorrem da curvatura do espaço-tempo ocasionada pela presença de massas. O espaço-tempo é plano onde não há forças gravitacionais e nele os corpos se movem em linha reta.

Espaço-tempo – Conceito elaborado por Einstein dentro da Teoria Geral da Relatividade. É o tecido do universo, em que o espaço tridimensional e o tempo formam um todo de quatro dimensões. O tempo não flui sempre de modo uniforme, como se imaginava. A matéria pode atuar sobre ele.

Onda gravitacional – É a que transmite energia por meio de deformações no espaço-tempo. A Teoria Geral da Relatividade diz que corpos massivos em aceleração podem causar o fenômeno, que se propaga à velocidade da luz.

Ano-luz – É a unidade de distância igual a 9,467305 x 10¹² km, que corresponde à distância percorrida pela luz, no vácuo, durante um ano.

Sinais – Joseph Taylor e Russell Hulse, astrofísicos norte-americanos, observaram indícios da existência de ondas gravitacionais ao estudar a movimentação de duas estrelas de nêutrons que apresentavam desaceleração correspondente à energia que, em tese, deviam perder com a emissão de ondas gravitacionais. Receberam o Nobel de Física em 1993.

Interferometria – Ciência e técnica da sobreposição de duas ou mais ondas, cujo resultado é uma nova e diferente onda. É usada em diferentes campos, como astronomia, oceanografia, sismologia, metrologia óptica, fibras ópticas e mecânica quântica.