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Imagens de chuva no sertão nordestino, pescadores no rio São Francisco e simpáticos lares ribeirinhos no Amazonas podem entreter o leitor que acredite ter em mãos um livro de fotos sobre água, elemento que deu nome à décima obra do fotojornalista Valdemir Cunha (Água, 2015, Editora Origem). Mas a opção pelas imagens em preto e branco contrastando com o fundo colorido – do amarelo-alerta ao vermelho-perigo –, que destaca o conteúdo escrito, deve causar estranheza a um leitor mais perspicaz.

“Se fosse colorido, ia se tornar uma ode à água azulzinha. Quis quebrar isso para mostrar que a coisa está preta”, diz Cunha. A ideia do livro é fazer pensar, ao mostrar o tema de forma sutil. Para isso, o autor procurou evitar ser alarmista e não deu espaço a catástrofes, como enchentes e secas, para não ficar datado. Já o texto do jornalista Xavier Bartaburu é mais incisivo, sem ser panfletário, levando o leitor a refletir sobre a forma como o brasileiro lida com esse recurso precioso e finito.

“As pessoas que conhecem meu histórico profissional esperavam um livro mais direto, de denúncia. Mas, desta vez, estou mais para Guimarães Rosa do que para Euclides da Cunha”, diz Cunha. Ele garante que Água fala de tudo, menos de fotografia, embora saiba que vai ser inicialmente consumido assim. Mas, aproveitando-se disso, ele pretende entrar na casa das pessoas, sobretudo das classes média e alta, para atrair atenção para o tema.

O clique inicial para o livro veio cinco anos atrás, numa casa do sertão baiano. Cunha observou que a pia da cozinha tinha torneira, mas, como não havia cano debaixo dela, a água caía no chão e escorria por um buraco na parede. O sertanejo explicou que já não precisava se preocupar com água, porque tinha poço artesiano. “Antes disso, nunca tinha me ocorrido comparar o sertanejo ao paulistano, ao morador do Norte do país e até ao agricultor”, comenta. Para o fotógrafo, esses grupos acabaram se igualando.

Novo esbanjador

Mesmo após muitas gerações da região terem passado por situações de escassez de água, a partir da hora que teve acesso a ela, o sertanejo passou a desperdiçar. Mas esse clique foi só mental. Não espere encontrar no livro a foto da pia sem cano do sertanejo, porque ela nunca foi feita. “Algumas imagens são melhores contadas do que fotografadas”, afirma.

Assim como o sertanejo “esqueceu” a água quando passou a ter água corrente, o agricultor, que não se incomodava com o desperdício, passou a se preocupar quanto mais a conta do consumo vem pesando no orçamento. E, analogamente, está prestes a “entrar pelo cano”, ao trocar o sistema de dispersão, que proporciona perdas de 50%, pelo gotejamento – mais caro de implantar, mas de ótimo aproveitamento e grande economia.

Enquanto isso, os moradores das cidades do Sudeste precisam aprender sobre Código Florestal para entender como isso causa escassez de água. Vários bairros da capital paulista têm sido abastecidos dia sim, dia não. Muitos condomínios e edifícios criaram estruturas, como cisternas, para garantir água aos moradores. Mas as áreas mais simples da periferia padecem, e as empresas da região já abandonam planos de expansão e de novas fábricas por medo da crise hídrica. “Já vi fábrica de refrigerante ter de parar a produção por falta de água”, destaca Cunha.

Debate o autor garante que não faltar. Com patrocínio da Lanxess, fabricante de soluções para reúso e dessalinização de água, o livro se expande em uma exposição em São Paulo, até o último dia do ano (rua Aspicuelta, 145, Vila Madalena), e com oficinas para 300 estudantes de quatro Estados do país. A obra também abre uma trilogia: Fogo vai tratar obre o início da indústria siderúrgica no Brasil, e depois virá Terra, sobre as monoculturas no país.