Desde que os cientistas descobriram maneiras de verificar a existência de planetas orbitando outras estrelas no universo, a conta de astros do gênero não pára de aumentar – o número dos chamados exoplanetas, ou planetas extra-solares, já rondava os 250 em agosto. Essa busca tem mobilizado muita gente e equipamentos: além de 68 observatórios na superfície terrestre, 18 satélites estão vasculhando as regiões de dezenas de milhares de estrelas em busca desses astros (o mais novo deles, o Corot, da Agência Espacial Européia, já deu sua primeira contribuição em maio).

Os que esperam encontrar outra Terra perdida em algum recanto oculto do universo ainda vão ter de esperar. Por enquanto, os furos na peneira representada pela metodologia usada estão flagrando só gigantes gasosos – planetas do tipo de Júpiter, o maior planeta do nosso sistema, e em geral maiores do que ele. Vários desses astros completam sua órbita em apenas um dia, enquanto Mercúrio, o mais rápido do nosso sistema, leva 88 dias para dar uma volta em torno do Sol. A proximidade de suas estrelas torna a temperatura desses planetas insuportavelmente alta. Portanto, a possibilidade da existência de vida em astros desse gênero é muito remota.

A mais recente novidade na área foi anunciada em agosto por uma equipe de astrônomos do projeto Transatlantic Exoplanet Survey (TrES), financiado pela Nasa: a descoberta do maior planeta extra-solar já conhecido. Localizado na constelação de Hércules, a cerca de 1.400 anos-luz da Terra, ele ganhou o nome de TrES-4 e chama a atenção sob todos os aspectos: é 70 vezes maior que Júpiter, dista 7 milhões de quilômetros da sua estrela (para se ter uma idéia, a distância entre a Terra e o Sol é de cerca de 150 milhões de quilômetros) e tem uma temperatura média de 1.300º C.

Tais características intrigam os cientistas. “(O TrES-4) é maior, em relação à sua massa, do que é possível explicar atualmente pelos modelos existentes sobre planetas gigantes superaquecidos”, avalia Edward Dunham, cientista de instrumentos do Observatório Lowell, no Arizona.

O cálculo da densidade do astro, por outro lado, resultou num valor extremamente baixo: “(Ela) é de cerca de 0,2 grama por centímetro cúbico, mais ou menos a densidade da madeira balsa (empregada em aeromodelos)”, explica o astrônomo Georgi Mandushev, colega de Dunham do Observatório Lowell. E como a força gravitacional do TrES-4 na parte superior de sua atmosfera é baixa, provavelmente uma fração dela se perde pelo espaço, deixando um rastro parecido com o de um cometa.

Poucas semanas antes, outra novidade de impacto no meio astronômico foi divulgada: a descoberta do primeiro sinal da existência de água fora do Sistema Solar, graças a imagens do Telescópio Espacial Spitzer, da Nasa. Localizado na constelação de Vulpecula (a quase 64 anos-luz da Terra) pela astrofísica Giovanna Tinetti e colegas da Agência Espacial Européia, o planeta, denominado HD 189733b, é um lugar inesperado para se encontrar vestígios de água. Pouco maior do que Júpiter, ele está a 4,5 milhões de quilômetros de sua estrela.

Nessas condições, calculam os astrônomos, a água só pode existir ali na forma de vapor – e, graças a uma temperatura atmosférica de 700º C (capaz de derreter prata), esse vapor nunca se condensa a ponto de formar nuvens de chuva. “Nossa descoberta mostra que a água pode ser mais comum por lá do que se pensava”, disse a astrofísica. “Espero que possamos encontrá- la em planetas menos hostis.”

Até hoje, a PROCURA de VIDA extraterrestre era feita à nossa IMAGEM

O HD 189733b e o gigante da constelação de Hércules são apenas alguns dos mais recentes quebra-cabeças a desafiarem os conhecimentos atuais da astronomia, mas isso parece não assustar os cientistas. “Os problemas são bons, porque aprendemos novas coisas ao resolvê-los”, diz Dunham.

Essa abertura para a novidade parece estar contagiando mais gente no meio acadêmico. Em julho, um painel de cientistas norte-americanos propôs a um grupo de consultores do National Research Council que a procura de vida fora da Terra não deve se limitar aos parâmetros biológicos usados até hoje. Devem ser investigados também seres sem a arquitetura bioquímica disponível nos organismos que conhecemos em nosso planeta.

Até hoje, a procura de vida extraterrestre era feita à nossa imagem e semelhança, sem abrir espaço para outras possibilidades. Apesar de inúmeros e variados, praticamente todos os organismos existentes na Terra são parecidos em nível molecular. Eles precisam de água em estado líquido para sobreviver e se baseiam no DNA para transportar toda a informação genética. É por conta dessas características que a pesquisa de vida extraterrestre orientada pela Nasa coloca os planetas e luas com vestígios de água, como Marte e satélites de Júpiter e Saturno, como alvos primordiais de busca.

PARA OS CIENTISTAS ouvidos recentemente pelo National Research Council, a vida num universo tão vasto não deve mesmo se limitar só às fórmulas disponíveis no nosso planeta. Como sugestão, esses estudiosos disseram que a vida poderia surgir em mares de metano líquido, rios de amônia ou cavernas com nitrogênio sólido.

Os detalhes dessa proposta, publicados pelo National Research Council no documento The Limits of Organic Life in Planetary Systems, levam a uma revisão das diretrizes atualmente utilizadas pela ciência. “Essas reflexões nos obrigarão a explorar de olhos bem mais abertos”, declarou ao jornal The New York Times o responsável da Nasa pelo programa de exploração de Marte, Michael A. Meyer.

“Nada seria mais trágico do que encontrar vida alienígena sem reconhecê- la”, afirmou o oceanógrafo John Baross, da Universidade de Washington, que presidiu o painel promovido pelo National Research Council. Parece que, enfim, mentes mais arejadas estão dispostas a evitar esse vexame.