Como fazer uma web que corresponda às expectativas das organizações e aos interesses da sociedade civil? Como garantir uma participação efetiva do cidadão na gestão e ao mesmo tempo assegurar a qualidade das informações disponibilizadas? Como aproveitar melhor os recursos da internet 2.0 para promover a inclusão e o desenvolvimento social?

As mais diversas questões levantadas pelas cerca de 800 pessoas que participaram presencialmente ou via webcast dos debates da 6ª Conferência Anual Web4Dev estão embasadas em um denominador comum: a necessidade urgente de uma mudança de paradigmas com relação à rede mundial de computadores.

O encontro, organizado pelas agências das Nações Unidas, Unesco, UNFPA e UNCTAD, em parceria com a Petrobras, com o Comitê Gestor da Internet no Brasil e com a Fundação Padre Anchieta/TV Cultura, aconteceu na última semana de fevereiro, no Hotel Grand Bittar, em Brasília, no Distrito Federal.

Participante da Web4Dev, o jornalista Carlos Castilho escreveu ao final do evento, para o portal Observatório da Imprensa, o artigo que reproduzimos a seguir.

Mudanças na mídia afetam instituições como a ONU

“Esta semana foi possível verificar que as incógnitas e traumas da transição para a era digital na imprensa estão provocando também ondas de choque em instituições como as Nações Unidas. Participei, como convidado do escritório brasileiro da Unesco, de uma reunião de responsáveis pela rede Web4Dev, formada por representantes de departamentos de informação de vários organismos da ONU, na qual as discussões se concentraram em dois temas: governabilidade na web e redes sociais.

Aparentemente, os dois temas não têm nada a ver com a imprensa, mas o debate mostrou um fato surpreendente. Contrariando a tendência usual, os encarregados da comunicação nos órgãos da ONU mostraram mais preocupação no contato direto com o público e quase nenhuma referência ao papel dos jornais, revistas, rádio e televisão neste processo.

Isso significa que a imprensa perdeu parte do seu papel de mediação no fluxo de informação de organizações que antes tinham uma preocupação quase obsessiva no relacionamento com os veículos de comunicação jornalística. Essa diminuição da função mediadora está sendo causada basicamente pela popularização dos sistemas de comunicação com o público, em especial as chamadas mídias sociais, como weblogs, redes sociais como Facebook e Orkut, Twitter (mensagens curtas), YouTube (compartilhamento de vídeos) e Flickr (compartilhamento de fotos).

O uso crescente dessas tecnologias se tornou atraente demais para ser ignorado por especialistas em comunicação pública, em sua maioria são “imigrantes” digitais, educados na máquina de escrever e no telex, mas trabalhando hoje com computadores e internet. Depois do primeiro impacto causado pela utilização das novas ferramentas na web, começaram a surgir as consequências e a principal delas é a necessidade de ajustar procedimentos internos para questões como:

1. Relacionamento com o público já que todas as tecnologias sociais são interativas e consequentemente implicam em diálogo com pessoas comuns. A grande maioria dos departamentos de comunicação estava acostumada a basicamente mandar press releases para a imprensa e convocar jornalistas para entrevistas coletivas.

2. A interatividade trouxe como corolários a necessidade de uma informação transparente e a chamada accountability, palavra inglesa usada para expressar a necessidade de prestar contas dos atos individuais ou de uma organização.

3. E finalmente a consequência inevitável da interatividade que é a formação de redes sociais, vistas hoje como o processo fundamental na circulação de dados, fatos, informações e conhecimentos na web.

A combinação de todos esses fatores se materializa no debate sobre a governabilidade (ou governança, outro neologismo anglo-saxão) na web, ou seja, como as instituições vão administrar este contato direto com o público por meio da transmissão de informações e notícias.

Ao abrir as comportas da participação do público na comunicação, os funcionários da ONU passaram a ter um contato direto com a avalancha informativa materializada pelos comentários enviados por visitantes dos sites institucionais. Foi uma sobrecarga enorme de trabalho que motivou uma série de reestruturações administrativas. Além disso, ao se tornarem emissores primários de informação transmitida diretamente ao cidadão, o pessoal da Unesco, para citar um caso específico, passou a ter de enfrentar dois outros dilemas:

1. A necessidade de ter de se adaptar ao processo horizontal na comunicação interativa na web, no qual as informações já não seguem o circuito normal de cima para baixo. O contato com o público e a existência de redes sociais online geram hoje tanta informação quanto a produzida por uma assessoria de imprensa.

2. A circulação horizontal gera um aumento considerável no volume de material disponibilizado, o que gera um inevitável congestionamento informativo, se todas as decisões estiverem concentradas em executivos. A descentralização passa a ser quase compulsória, o que acrescenta um novo complicador na mudança de paradigmas, comportamentos e, consequentemente, na cultura interna da instituição.

O que testemunhei foi uma pequena amostra dos dilemas que uma instituição como a ONU, tradicionalmente muito centralizada e com uma cultura interna altamente diversificada, tem de enfrentar no contexto das mudanças introduzidas pela internet e pela web na área de comunicação pública.

A imprensa foi a primeira a sentir os efeitos dessas mudanças e ainda não encontrou alternativas sustentáveis para um novo papel na comunicação jornalística. A diferença é que, enquanto a imprensa passa por uma crise de transição de modelos de negócios, as instituições como a Unesco sentem os efeitos de uma mudança de cultura interna. Está difícil saber qual das duas é menos traumática.”

SERVIÇO

• http://web4dev2010.ning.com

• www.iptvcultura.com.br/web4dev

• www.unesco.org/brasilia