Ricardo quer voltar a viajar. Renata tem saudades do palco. Núbia e Rafael pretendiam se casar. Neste ano de pandemia, eles são exemplos de tantos brasileiros que precisaram suspender seus projetos.Aos 72 anos, o sociólogo Ricardo de Azevedo resume que sua “principal curtição na vida” é viajar. Já carimbou passaporte em 49 países diferentes e, no Brasil, pisou ao menos uma vez em todos os estados. “Desde que me aposentei, tenho feito, em média, uma viagem longa, de um mês, e uma viagem curta, de uma a duas semanas, por ano”, conta.

Em abril deste ano, ele iria ao México. Estava tudo pago. “Veio a pandemia e remarcamos para outubro. Agora está remarcada para abril do ano que vem. Será?”, diz. “Com a frustração do México, resolvemos, em agosto, que passaríamos o réveillon em Santa Catarina. Acabamos de cancelar, devido à segunda onda. Vamos passar em casa. Ou seja: tenho duas viagens pagas sem poder desfrutá-las. Já estou velho e o tempo passa rápido…”

Atriz e sommelière, Renata Alves, de 37 anos, também precisou adiar sua viagem deste ano. Ela passaria 20 dias conhecendo vinícolas na região do Vale do Loire, na França, em junho. E não foi esse o único plano adiado por conta da covid-19: em julho, ela planejava estar no palco, como uma das personagens da peça “A Verdade e Um Pouco Mais”.

Ao longo do ano, com restrições decorrentes do coronavírus, os ensaios passaram a ocorrer online. E, quando ficou claro que não seria possível estrear em 2020, decidiram remediar com um paliativo: o espetáculo foi transformado e, em novembro, estreou via streaming. “Ainda há uma esperança de que, quando a pandemia acabar, possamos levar a peça para um palco”, acalenta.

Enquanto a vacina não vem

A arquiteta Naara Bartz, de 29 anos, também não vê a hora de os teatros poderem voltar ao normal. No dia 19 de março, o musical “Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolates”, iria estrear no Teatro Alfa, em São Paulo. “O projeto cenográfico foi comprado de Michael Carnahan, cenógrafo norte americano que trabalha majoritariamente com musicais grande, como os da Broadway. Eu estava trabalhando como arquiteta coordenadora de uma das equipes de construção de cenários. Éramos três equipes de cenotecnia, pois os cenários eram enormes, com muitas trocas e a demanda de trabalho igualmente grande”, recorda.

Quando foi decretada a quarentena em São Paulo, tudo acabou suspenso. “Faz umas duas semanas que vi a produtora falando em estreia, mas ainda sem data definida. Teve um trecho do cenário que precisou ser desmontado recentemente, pois usariam a parte da frente do palco para uma apresentação de balé transmitida pela internet. Então as coisas seguem assim, bastante incertas, mas agora com os boatos de chegada de vacinas, podemos ter um pouco de esperanças de retorno”, diz ela, enfatizando que foi o um trabalho de quatro meses “sem uma conclusão”.

Para o analista de sistemas Tiago Teixeira, de 40 anos, a frustração foi acadêmica. Em outubro deste ano ele deveria começar uma pesquisa de pós-doutorado no maior laboratório de física de partículas do mundo, a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear — conhecida como CERN —, na Suíça.

“A pandemia veio em um momento de início da preparação. Por conta disso, meu visto acabou não saindo e não sei quando nem se no futuro este trabalho seguirá sendo possível”, comenta.

Casamentos

Assessora de eventos especializada em organização de celebrações de matrimônio, Renata Dias, de 42 anos, tinha 32 festas de casamentos planejadas para acontecer em 2020. Com as restrições impostas pela pandemia, 30 casais suspenderam o evento. Houve apenas um caso em que casamento e festa foram mantidos. “E houve um outro, cujo casamento ocorreria em julho de 2020, depois foi transferido para janeiro de 2021 e, agora, está marcado para julho de 2021. Esse casal optou por já fazer, neste ano, o casamento civil e uma festa menor”, conta.

A analista médica Núbia Eugenio, de 30 anos, e o assessor de investimentos Rafael do Carmo, de 33 anos, iriam se casar no mês que vem — uma decisão tomada exatamente há um ano, quando começaram a ir atrás de fornecedores para a festa. “Em 30 de novembro, diante das notícias de piora nos números de casos de covid-19 em São Paulo, tomamos a decisão de adiar para fevereiro de 2022”, diz a noiva.

“A maior dificuldade é lidar com a expectativa. A quebra da expectativa, na verdade. É difícil saber que o sonho foi adiado, que teremos de esperar mais um ano para poder sentir o gostinho de entrar de branco, vê-lo no altar… O vestido quase pronto, absolutamente tudo fechado, de buffet a maquiagem, passando pelos detalhezinhos com a argola do guardanapo da mesa”, comenta ela.

Núbia conta que, ao menos, houve compreensão por parte dos fornecedores. Essa boa-vontade em tentar solucionar os impasses também foi relatada pelo casal Mariana Trilho, advogada de 30 anos, e Fernando Macedo, administrador de 34 anos.

O casamento deles vem sendo planejado desde abril de 2019. O plano era que se casariam em junho deste ano. Com a pandemia, acabaram adiando para fevereiro de 2021. Dias atrás, resolveram suspender mais uma vez: agora pretendem fazer a festa de casamento apenas em julho de 2022.

Mariana conta que, no caso deles, adiar o casamento significava postergar também o sonho da maternidade: o plano original era que eles tentariam ter um filho pouco tempo depois da cerimônia.

Mas ao menos esse sonho não precisou ficar em modo de espera. “No meio dessa loucura, em outubro descobri que estou grávida. Aconteceu e nem tudo tem que ter ordem. Estamos super-felizes”, diz ela.