PLANETA, a primogênita da Editora Três, festeja neste número seus 40 anos de publicação ininterrupta. São poucas as revistas brasileiras que se mostraram capazes de durar tanto. A imensa maioria daquelas que podemos considerar bem-sucedidas teve uma curva ascendente, manteve-se no topo por alguns anos e depois caiu na vala comum do esquecimento – como quase toda iniciativa cultural no nosso belo país de corpo grande e memória curta.

Como uma revista brasileira de características peculiares, até mesmo únicas, conseguiu não apenas sobreviver, mas, sobretudo, manter sua curva de crescimento durante um período tão longo é, certamente, matéria para reflexão. 

Em primeiro lugar, tomemos o espírito da sua trajetória, 40 anos de inconformismo. Traço marcante da personalidade da revista, o termo significa a atitude de não seguir o que está social ou culturalmente estabelecido em determinada situação. Em outras palavras, de não seguir a norma, pois a norma é sempre e apenas um valor escolhido por uma maioria, geralente em detrimento dos valores escolhidos pelas minorias. 

Desde o início, PLANETA deixou claro que suspeita das normas. Em especial daquelas dogmáticas. A uma apática postura normal e conformista diante das coisas e dos fatos da vida e do mundo, ela sempre preferiu um posicionamento mais aguerrido e natural. No sentido de que estão na natureza e nas suas leis – e não nas frágeis e mutáveis cogitações humanas – os valores mais universais, perenes e próximos de um ideal de verdade.

A festa de PLANETA é por seus 40 anos de inconformismo. Mas poderiam ser 400 anos, 4 mil anos e muito mais, já que o inconformismo não tem data de nascimento e parece fazer parte da natureza de alguns homens e mulheres desde a aurora dos tempos.

PLANETA nasceu em 1972, quando Domingo Alzugaray e Luís Carta, fundadores da Editora Três, tiveram a ideia de comprar em Paris os direitos de reprodução no Brasil da revista francesa Planète. Porta-voz de um movimento de renovação intelectual chamado realismo fantástico, essa revista na época fazia furor na França e em mais de 40 países onde também era editada. Ela surgiu como um estuário editorial para o qual convergiam, ao mesmo tempo, vários vetores da contracultura. Entre eles o das contestações libertárias dos beatniks, nos anos 1950, e dos hippies, cujo movimento, na época do lançamento de Planète, começava a despontar.

A revista integrava também todo o noticiário de uma ciência de ponta cuja fi losofi a começava a se destacar da rigidez dos cânones cartesianos. Ainda como vetor importante, ela abriu suas páginas àqueles estudiosos que mergulhavam nas tradições do passado, sobretudo as de linha esotérica e ocultista, garimpando pepitas do conhecimento antigo que pudessem ajudar na reconstrução da identidade do presente.

Desde seu primeiro número, Planète foi modelo de publicação inconformista e pagou um preço por isso. Não à toa Louis Pauwels e Jacques Bergier, seus fundadores, apontavam, como um dos emblemas da revista, a figura mítica de Prometeu, o primeiro grande rebelde da mitologia
ocidental.

Prometeu, como quase todo herói, tinha ascendência ao mesmo tempo divina e humana. Era amigo dos homens e conhecido por sua astuta inteligência. Revoltado contra o tratamento dispensado aos mortais pelos deuses, que julgava injusto, decidiu roubar o fogo do Olimpo e dá-lo aos homens. Zeus, o chefão da corte divina, o condenou a uma punição terrível: ser amarrado a uma rocha durante toda a eternidade enquanto uma grande águia comia durante o dia o seu fígado, que crescia novamente no dia seguinte.

E assim foi: Pauwels, Bergier e a equipe da Planète tiveram o fígado roído quase todos os dias por legiões de críticos conformistas não conformados com a postura aberta, pouco cartesiana e antidogmática da revista. Também a PLANETA brasileira foi vítima de muita incompreensão e passou seus maus bocados em termos de críticas que a tachavam de reacionária (porque não se adequava aos padrões considerados “revolucionários” na época), divulgadora de “pseudociências” como a parapsicologia, a psicotrônica e afi ns, defensora de crendices e superstições. Até hoje, PLANETA paga o preço do seu inconformismo.

Felizmente, o leitor da revista é especial? Sim, muito especial e particular. Eu mesmo, que dirigi PLANETA duas vezes – a primeira, de 1975 a 1980, a segunda, de 2004 a 2010 –, levei muito tempo para entender o que caracteriza nosso leitor-tipo. Quando, em 1975, Ignácio de Loyola Brandão, primeiro diretor de PLANETA, me passou o bastão de comando, entregou-me um grosso volume de capa cor de vinho. Eram os resultados de uma pesquisa de mercado do instituto Marplan, encomendada pela Editora Três, na tentativa de definir o perfil do leitor de PLANETA. A revista era um grande sucesso de vendas, mas ninguém sabia ainda quem a comprava. E não foi essa pesquisa que chegou a uma definição.

Lembro-me que, no último capítulo, o das conclusões, o analista dizia com toda a sinceridade: “Concluídas todas as análises, não foi possível definir – a partir dos parâmetros convencionais da pesquisa de mercado (classe social, nível cultural, poder aquisitivo, etc.) – o perfil do leitor de PLANETA.”

Que leitor é esse?

Um leitor misterioso, portanto. Só encontrei uma chave para o enigma alguns anos depois, quando, além da revista, dirigia em São Paulo uma livraria especializada, a Zipak Livraria. Corria o ano de 1978 e PLANETA acabara de publicar uma matéria de capa sobre as ideias do livro Astrologia, Karma e Transformação, de Stephen Arroyo, recém-lançado em português. Certa manhã, chegou à livraria um rapaz de aspecto modesto e pediu um exemplar do livro de Arroyo. Era um jovem sapateiro, cuja oficina ficava ali perto. Tinha lido a matéria de PLANETA e ficara interessado em se aprofundar no assunto.

Na tarde do mesmo dia, um carrão preto com motorista parou diante da loja e dele desceu um homem engravatado. Logo o reconheci: era Arnaldo Prieto, então ministro do Trabalho. Ele trazia nas mãos um exemplar da nova edição de PLANETA. Entrou na livraria e… pediu o mesmo livro de Arroyo: Astrologia, Karma e Transformação.

O episódio ficou gravado para sempre na minha memória. Ambos, ministro e sapateiro, estavam motivados e interessados pelo mesmo livro, o mesmo assunto, a mesma revista. Qual seria o denominador comum entre aqueles personagens, um situado no ápice da pirâmide sociocultural, o outro na base da pirâmide? O que os unia? A resposta, enfim, chegou: não se tratava de um denominador comum objetivo, e sim subjetivo. Em ambos, apesar de todas as diferenças, habitava uma mesma inquietude existencial: a necessidade de investigar o porquê das coisas fora do âmbito das respostas convencionais. Ambos, ministro de Estado e sapateiro do bairro de Vila Buarque, eram fundamentalmente inconformistas.

Virada natural

Hoje, PLANETA prefere ser apresentada como uma revista de conhecimento, dedicada sobretudo a questões ambientais, sustentabilidade, responsabilidade social, psicologia, comportamento, espiritualidade, cultura, ciência de ponta, saúde e viagens. Desde 2005 mantém uma parceria com a Unesco para trabalhar na área do Patrimônio da Humanidade – material, imaterial e científico.

A atual ênfase que a revista atribui ao campo das ciências da Terra – a ecologia e disciplinas afins – não é produto de modismo. É, mais uma vez, uma escolha natural. É na ecologia – e não apenas a da Terra, mas também a do homem e a da sociedade – que se aglutinam e concentram hoje todos os conhecimentos do passado, do presente e do futuro, todas as preocupações voltadas à sobrevivência do homem e da própria vida na superfície deste planeta, tão frequentemente ameaçado.

Leitores, editores, redatores e colaboradores, estamos todos de parabéns. Longa vida a PLANETA!