Microestruturas inspiradas na forma de espinhos de cactos permitem que um material recém-criado no Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) recolha água potável do ar de dia e de noite, combinando duas tecnologias de coleta de água em uma. Um artigo sobre elas foi publicado na revista Nature Communications.Visualizar (abrir em uma nova aba)

Constituído por uma membrana de hidrogel, o material pode produzir água por meio da geração solar de vapor-água e da coleta de névoa. Esses dois processos independentes normalmente requerem dispositivos separados.

A coleta de névoa parte de uma ideia simples. À noite, as nuvens baixas ao longo do litoral estão carregadas de gotas de água. Dispositivos capazes de aglutinar e coletar essas gotículas podem transformar a névoa em água potável.

Outra técnica de coleta de água, a geração de vapor solar funciona especialmente bem nas áreas costeiras porque também é capaz de purificar a água, embora atue durante o dia, e não à noite. Por esse método, o calor do sol faz com que a água evapore na forma de vapor, que pode ser condensado em água potável.

Imagem de uma “microárvore” criada na Caltech. A barra de escala equivale a 1 milímetro Crédito: Caltech
Dispositivo único

Operando em condições tão diversas, as duas tecnologias normalmente requerem materiais e dispositivos diferentes para funcionar. Mas o material desenvolvido no Caltech poderia combiná-los em um único dispositivo, trabalhando para gerar água limpa 24 horas por dia.

“A escassez de água é um grande problema que a humanidade terá de superar à medida que a população mundial continua a crescer”, disse Julia R. Greer, professora de Ciência de Materiais, Mecânica e Engenharia Médica do Caltech e diretora do Kavli Nanoscience Institute, ligado à instituição. “A água cobre três quartos do globo, mas apenas cerca de metade de 1% é água doce disponível.”

Greer passou sua carreira desenvolvendo materiais com micro e nanoarquitetura – isto é, materiais cujas próprias formas (controladas em cada escala de comprimento, nanoscópica e microscópica) lhes conferem propriedades incomuns e potencialmente úteis. Nesse caso, ela colaborou com Ye Shi, ex-bolsista de pós-doutorado na Caltech e agora bolsista de pós-doutorado na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), para criar uma membrana com minúsculos espinhos dispostos. Eles lembram árvores de Natal, mas na verdade são inspirados no formato dos espinhos de cactos.

Água do vapor e da névoa

“Os cactos são adaptados de forma única para sobreviver em climas secos”, afirmou Shi. “No nosso caso, esses espinhos, que chamamos de ‘microárvores’, atraem gotículas microscópicas de água suspensas no ar, permitindo que deslizem pela base do espinho e se aglutinem com outras gotículas em gotas relativamente pesadas que posteriormente convergem em um reservatório de água que pode ser aproveitada.”

Feitos de hidrogel, os espinhos constituem uma rede de polímeros hidrofílicos (que amam a água) que atraem água naturalmente. Devido ao seu tamanho minúsculo, eles podem ser impressos em uma membrana fina. Durante o dia, a membrana de hidrogel absorve a luz do sol para aquecer a água presa abaixo dela, que se transforma em vapor. O vapor então se condensa novamente em uma tampa transparente, onde pode ser coletado. Durante a noite, a tampa transparente dobra-se e a membrana de hidrogel é exposta ao ar úmido para capturar a névoa. Como tal, o material pode coletar água tanto do vapor quanto da névoa.

Em um teste de operação conduzido durante a noite, amostras dos materiais com uma área de 55 a 125 centímetros quadrados conseguiram coletar cerca de 35 mililitros de água da névoa. Em testes durante o dia, o material foi capaz de coletar cerca de 125 mililitros do vapor solar.

Estrutura porosa da matriz de gel. Crédito: Caltech

O design exato da membrana foi criado usando o programa de design SolidWorks.

Tamanho e forma mais eficazes

O hidrogel em si é um gel composto de álcool polivinílico/polipirrol (PVA/PPy). Esse material não tóxico e flexível é usado em inúmeras aplicações, como capacitores, sensores de tensão e temperatura vestíveis e baterias.

Para ajustar o design das microárvores, Greer e Shi trabalharam com Harry Atwater, professor de Física Aplicada e Ciência dos Materiais do Caltech, e Ognjen Ilic, ex-bolsista de pós-doutorado no Caltech e agora professor assistente de Engenharia Mecânica na Universidade de Minnesota (EUA).

Usando modelagem por computador, Ilic calculou a distribuição de calor dentro das microárvores para ajudar a definir o tamanho e a forma mais eficazes para extrair água do ar. Com essa prova de conceito bem-sucedida, a equipe agora espera encontrar um parceiro privado capaz de comercializar a tecnologia para regiões com escassez de água.

“É realmente inspirador que uma membrana de polímero hidrofílico relativamente simples possa ser moldada em uma morfologia que se assemelha a espinhos de cactos e ser capaz de um grande aprimoramento na coleta de água. Acho que a evolução realmente funciona”, afirmou Greer.