A Amazônia está assombrada por previsões climáticas catastróficas. Mas para o ecologista Paulo Moutinho é possível acreditar no desenvolvimento sustentável.

Quando ainda era estudante de ciências biológicas, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, há três décadas, o primeiro contato com a fl oresta amazônica deixou Paulo Moutinho encantado. Após um estágio em Parintins (AM), voltou decidido a trocar “a imensidão do azul do oceano pelo verde da Amazônia”. 

Em 1995, Moutinho ajudou a fundar em Belém o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), uma das ONGs mais respeitadas da região, que promove campanhas e já produziu mais de mil artigos científicos sobre o desmatamento, a floresta, seus povos e a emissão de gases de efeito estufa. O Ipam distingue-se por utilizar um método de “pesquisa participativa” que procura envolver a comunidade na produção do conhecimento.

Após três anos como diretor-executivo do instituto, agora o biólogo vai se dedicar a um “projeto de educação para cidadania climática” voltado para os alunos do ensino fundamental. Para ele, trata-se de formatar um programa que devolva aos jovens “a esperança de um planeta minimamente habitável no futuro”.

Há graves problemas e inúmeros impasses a resolver na Amazônia, como se percebe nesta entrevista. Mas, para Moutinho, o desenvolvimento sustentável está mais perto do que se pensa.

Muitos países com sociedades civilizadas falharam em harmonizar o desenvolvimento com a conservação dos recursos naturais. Você acha que o Brasil poderia ser bem-sucedido nesse desafio? 
Sim. O Brasil possui elementos fundamentais para promover um novo desenvolvimento com baixas emissões de gases de efeito estufa, deixando de derrubar fl orestas, aproveitando melhor as terras e produzindo energias renováveis. Temos algumas vantagens: uma produção científica bastante ativa na previsão dos impactos e na mitigação das mudanças climáticas, e uma sociedade suficientemente democrática para produzir informação independente e cobrar do governo. Mas falta um elemento fundamental: vontade política. Existe vontade política em várias instâncias do país, mas o desenvolvimento de baixa emissão precisa de um projeto de longo prazo. 

E o que impede esse projeto?
Não há uma orientação de Estado voltada para esse novo rumo ao desenvolvimento. O planeta está mudando drasticamente. Precisamos gerar crescimento econômico a partir de atividades que preservam a natureza. O mundo em aquecimento exige essa nova postura. 

O que o sr. acha da senadora Kátia Abreu no Ministério da Agricultura e do deputado Aldo Rabelo no Ministério da Ciência e Tecnologia? Ele não acredita no aquecimento global como produto da civilização. 
O Brasil avançou bastante nos esforços para a redução das emissões de gases de efeito estufa, especialmente aqueles oriundos do desmatamento amazônico. Há de se imaginar, por coerência, que os novos ministros sigam a orientação do governo. Aqueles que ainda duvidam da existência do aquecimento global, terão que ser mais crédulos quanto ao tema. Aqueles que, por miopia, ainda não consideram o problema climático como parte de seus programas, terão de corrigir suas visões. O caldo entornará se a presidente abandonar a orientação que mantém o país entre as lideranças mundiais de combate ao aquecimento do planeta.

O governo anunciou uma redução de 18% na taxa anual de desmatamento de 2013-2014 e minimizou os grandes aumentos mensais apontado pelo Imazon em agosto, setembro, outubro e novembro passados. Há uma nova onda de desmatamento? 
O sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, registrou uma redução de 18% no desmatamento anual. Mas medições como as do sistema Deter e o sistema Imazon, que aferem o desmatamento mensalmente, indicam aumentos recentes na derrubada da floresta, 427% em novembro de 2014 comparado com novembro de 2013. Avaliando os números de todos, o que se pode dizer é que um grande sinal vermelho se acendeu. O conjunto de dados indica que o governo enfrenta difi culdades para continuar reduzindo as taxas de desmatamento ilegal. É preciso avaliar seriamente se a tendência de queda, reafirmada desde 2006, não foi quebrada. Há motivos de sobra para suspeitar disso, tais como investimentos regionais em infraestrutura sem salvaguardas socioambientais e dificuldades na implementação do Código Florestal.

Em termos de infraestrutrura, não é possível fazer hidrelétricas “justas”, respeitando e indenizando os direitos das populações atingidas?
Claro que é. É tudo uma questão de processo. O que algumas áreas governamentais colocam é que os críticos dos movimentos sociais e ambientais têm empurrado o país para as termoelétricas, que produzem mais poluição e agravam o aquecimento do planeta. Isso é bastante falacioso. Se hoje as hidrelétricas são demonizadas, especialmente na Amazônia, a culpa é do próprio setor elétrico, que não faz os processos com o devido planejamento. Eles não promovem as devidas consultas, não distribuem compensações eficientemente e não escutam a sociedade. Dá para fazer perfeitamente, mas leva um pouco mais de tempo. Não será com audiências públicas isoladas e conversas de bastidores que vamos ter consultas e participação da sociedade a contento. O governo não faz porque quer construir essas obras a toque de caixa.

Os ambientalistas condenam a pecuária extensiva na Amazônia como atividade tosca, imediatista e de mínimo investimento. Mas ela continua a existir e a dar lucro. Você acha que a atividade evoluiu?
Está evoluindo e a gente não pode confundir o pecuarista com o grileiro. O setor está cada vez mais aberto a algo fundamental para se livrar da fama de desmatador: aproveitar melhor as pastagens e intensificar a produção de carne. Se tivermos mais bois por hectares, teremos mais área para a agricultura e não será necessário desmatar. Teríamos produtos mais saudáveis do ponto de vista  ócioambiental. Isso é perfeitamente possível. Se aumentássemos a carga de cabeças por hectares de 0,9 para 1,5, liberaríamos 30 milhões de hectares de pastagens que poderiam ser incorporadas à agricultura. 

Há muita área subutilizada.
Esse é o problema. Você tem quase 150 mil quilômetros quadrados subutilizados na Amazônia, talvez mais. Em grande parte, são pastos degradados que foram usados de forma errada, depois abandonados e substituídos por novas áreas de florestas desmatadas. Nós vamos deixando um rastro de pastagens degradadas que podem voltar a ser produtivas se forem recuperadas. 

Produtores que cumprem as leis na Amazônia reclamam do Código Florestal. Qual é a principal distorção da lei? 
Para quem cumpriu a lei o Código resulta numa punição. Aqueles que desmataram ilegalmente até 2008 foram anistiados e agora possuem mais área para produção. Enquanto isso quem não desmatou possui área menor. Na Amazônia, a reserva obrigatória de floresta é de 20% da propriedade. Colocar o produtor que cumpriu a lei como “bobo da corte” é um das perversões do Código. Ele precisa ser atualizado para que o produtor rural que não desmatou receba incentivos, e não punição.  

Fala-se muito sobre a riqueza da biodiversidade, mas não aproveitamos essa vantagem competitiva. A criação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, em 2001, para regulamentar o uso dos recursos, parece ter criado mais entraves do que estímulos. Dormimos em berço esplêndido? 
Acho que há dois fatores fundamentais que explicam a morosidade nesse processo. O primeiro é que aqueles que teriam interesse no uso da biodiversidade não foram ouvidos. Existem muitos interesses em termos de regulamentação das comunidades tradicionais, da indústria e do governo, o que torna a negociação complicada demais. Em grande parte, o peso precisa cair mais naqueles que produzem a informação de biodiversidade que pode ser aproveitada economicamente. O segundo ponto é que os serviços ambientais da Amazônia precisam ser entendidos como um todo. A biodiversidade é fundamental para manter a produção de chuvas da região. A Amazônia é uma grande bomba de água que transfere umidade para a atmosfera e distribui chuvas. As discussões dos anos 70 a 90 eram em função do valor das espécies para a medicina, a indústria, a alimentação etc. Mas o grande valor da biodiversidade é a sinergia com as funções que o ecossistema proporciona à sociedade. 

Muitos acreditavam ser mais fácil controlar a inflação do que controlar o desmatamento na Amazônia. Ambos já foram controlados, mas ambos teimam em fugir do controle. Há um paralelo entre os dois?
Não vi nenhum país, por mais quebrado que fosse, mesmo com inflação de 80% por mês, como o Brasil viveu, que tenha entrado em colapso. As sociedades passam por crises, a pobreza pode aumentar, mas o processo social continua. Porém, no caso do desmatamento, a floresta é finita. A Amazônia é finita. Mesmo com perdas reduzidas como as de hoje, de 4,5 mil quilômetros quadrados por ano, o desmatamento é muito grande. Se mantivermos essas taxas vamos comer a floresta de maneira lenta, e ela vai acabar um dia. 

É possível explorar a madeira da Amazônia de forma sustentável?
Vários estudos mostram que o manejo florestal sustentável funciona usando ciclos de 30 anos de corte de árvores, o suficiente para a floresta se regenerar. Mas uma mudança no clima pode abalar essa regeneração. A floresta pode não conseguir se recuperar dentro desse período.