O livro , visões plurais, organizado por Dora Incontri e Franklin Santana dos Santos, que acaba de ser lançado pela Editora Comenius, tem a força da brasa que ilumina o breu. Acadêmicos da Universidade de São Paulo especializados em tanatologia, os autores explicam no livro uma “arte de morrer” que, paradoxalmente, revela uma “arte de viver”

” É impossível conhecer o homem sem lhe estudar a morte, porque, talvez mais do que na vida, é “É na morte que o homem se revela. É nas suas atitudes e crenças perante a morte que o homem exprime o que a vida tem de mais fundamental.” Estas palavras de Edgar Morin, um dos intelectuais mais brilhantes de nosso tempo, explicitam o quanto a morte ocupa espaço central em nossas vidas. Apesar de tão reveladora, a morte, contudo, tem sido negada, escondida, permanecendo como sombra e incógnita mesmo ainda hoje, nestes tempos em que tudo é informação. Porém, na escuridão em que jaz este tema, uma luz se acende. O livro , visões plurais, organizado por Dora Incontri e Franklin Santana dos Santos, que acaba de ser lançado pela Editora Comenius, tem a força da brasa que ilumina o breu. Trata-se de um trabalho pioneiro, sério e de fôlego.

O livro é uma novidade no cenário brasileiro e internacional porque, pela primeira vez, vários estudiosos, de diversas especialidades e de diferentes correntes ideológicas, discursaram sobre a morte em sua amplitude. De fato, a morte é analisada, questionada, interpretada, perscrutada, vasculhada pelos mais diversos ângulos, colocada do avesso.

Tenta-se revelar a natureza da morte e sua alma, sem dogmatismos, sabendo- se por antecipação que essa é uma tarefa a ser refeita tantas vezes quantas vezes a humanidade se refizer. Embora alguns de seus textos tenham uma estrutura mais acadêmica, o livro é acessível a qualquer leitor. São artigos instigantes, nos quais pode-se ficar sabendo, por exemplo, que para Sócrates o propósito da filosofia era descobrir o significado da vida em relação à morte e entender a natureza da alma. Sócrates sustentava que o filósofo verdadeiro praticava a arte do morrer o tempo inteiro.

Distante de qualquer morbidez que o tema possa suscitar para alguns, Dora Incontri e Franklin Santana dos Santos estão, como dizem, “colocando a morte na pauta do dia”. Até o ano passado, a morte era estudada nas faculdades de medicina apenas através da tanatologia forense, disciplina que consiste em determinar a causa da morte, a data, a hora e como se processou a destruição celular do corpo sem vida.

Em 2007, os dois pesquisadores organizaram, na faculdade de medicina da Universidade de São Paulo, o 1° Curso de Tanatologia, Educação para a Morte – Uma Abordagem Plural e Interdisciplinar. O curso foi um sucesso e, ao mesmo tempo, um ato de coragem. Dora e Franklin são soldados de um pequeno exército de intelectuais que luta contra a hegemonia das ideologias que excluem temas ligados à transcendência da alma e à espiritualidade dentro dos meios universitários. Assim, sem dogmatismos científicos e sem preconceitos, a morte começa a ser estudada no Brasil de forma mais ampla e humana. Quem tiver acesso ao livro perceberá o quanto “a arte de morrer” é reveladora de nossa “arte de viver”.

Para o pesquisador Franklin Santana dos Santos, a morte foi “empurrada para a clandestinidade” e as pessoas perderam o controle sobre o ato de morrer.

ENTREVISTA com Franklin Santana dos Santos

Na Idade Antiga, a partir do mito de Adão e Eva, as tradições religiosas do judaísmo, islamismo e cristianismo passaram a conceber a morte como punição. Como é vista a morte no mundo ocidental hoje?

Eu diria que em algumas pessoas mais arraigadas no pensamento religioso ainda persista a idéia da morte como punição divina. Entretanto, a grande maioria das pessoas no Ocidente entende a morte como resultado de desgastes na maquinaria celular e de agressões do meio externo.

Há também uma compreensão inadequada da ciência e seus mecanismos de manutenção da vida, como se houvesse uma incapacidade técnica momentânea para se atingir a imortalidade física. Eu diria, portanto, que hoje a morte passa por uma visão mais biológico-mecanicista do que de uma punição de Deus.

Dora Incontri foi uma das organizadoras do 1° Curso de Tanatologia, Educação para a Morte – Uma Abordagem Plural e Interdisciplinar.

Citando Áries, você diz que a morte hoje foi “empurrada para a clandestinidade” e que os indivíduos perderam o controle sobre o ato de morrer. Você pode explicar melhor essa idéia?

Antigamente, as pessoas morriam em casa, na companhia de familiares e amigos e isso era um ato público e social. Ao saber que tinham uma doença fora de possibilidade de cura biológica, os indivíduos começavam a fazer os preparativos para morrer, tomando as providências necessárias. Mas, com o avanço da medicina, as pessoas passam a morrer em hospitais, distantes, muitas vezes, de familiares e amigos, sem controle do seu processo de morrer e na dependência dos profissionais da área da saúde. A morte é vista não mais como uma coisa natural, como parte da vida, mas, sobretudo como um fracasso da medicina.

Você concorda com a idéia de Edgar Morin de que “toda morte anuncia um renascimento, todo nascimento provém de uma morte – e o ciclo da vida humana inscreve-se nos ciclos naturais de morte-renascimento”?

Concordo plenamente, pois a ciência demonstrou que, ao ocorrer a morte de um ser vivo, toda a matéria que constituiu o corpo desse ser biológico volta a ser usada na fabricação de novos corpos. Além dessa visão positivista, estou pessoalmente persuadido, por vários motivos, a acreditar que os renascimentos fazem parte da evolução e das leis da natureza, falando agora “metafisicamente”.

Depois de tantos anos estudando essa área teoricamente e, em sua prática médica, convivendo com pacientes terminais, você diria que a morte é “um muro que nos limita ou uma porta de passagem”?

Por tudo aquilo que já li e aprendi, não apenas com os meus 17 anos de prática clínica em hospitais, enfermarias, pronto-socorros e UTIs mas também com as experiências e vivências parecidas de vários pesquisadores que lidaram com essa questão de maneira intensa, profunda e duradoura, eu diria, sem sombra de dúvida, que a morte é uma porta.

Você acredita que é possível desenvolver pesquisas científicas sobre a morte por meio do método experimental?

Sim. Acredito que a ciência detém um método, ainda que não seja infalível e que esteja em constante aperfeiçoamento, que possa estudar o tema e pesquisas sobre fenômenos empíricos que sugerem a sobrevivência pósmorte da consciência humana. É necessário, naturalmente, que a metodologia a ser empregada se coadune ao objeto de pesquisa e estudo, nesse caso a alma, espírito ou consciência.

As pesquisas produzidas atualmente em torno da hipótese de que sobrevivemos após a morte de nosso corpo físico estão, basicamente, voltadas para o experimento com portadores de uma sensibilidade mais aguçada, considerados médiuns; para a análise de vivências que sugerem a reencarnação; e o estudo das chamadas EQM, ou experiências de quase-morte. Você pode explicar o que vem sendo descoberto em cada ponta deste tripé?

Resumidamente, eu diria que grande parte dessas pesquisas consistiu e consiste no estudo da mediunidade, com fenômenos de materialização, psicografias, visões no leito de morte e outras formas de comunicação entre médiuns e consciências extrafísicas, as quais foram mais intensas no final do século 19 e início do século 20 e que mais recentemente estão sendo retomadas.

No campo da reencarnação são impactantes as pesquisas desenvolvidas pelo psiquiatra Ian Stevenson na Universidade da Virgínia (EUA) envolvendo crianças que lembram espontaneamente de vidas passadas e crianças que, além dessas lembranças, apresentam marcas ou defeitos de nascença que corresponderiam a lesões adquiridas em outras vidas.

da comunidade científica está centrado principalmente nas experiências quase-morte, as quais vêm desafiando o paradigma atual de que a mente é fruto de reações neurobiológicas do cérebro, ao evidenciar situações que indicam o funcionamento da mente independentemente de um substrato orgânico ou atividade elétrica cerebral.

Existe, então, alguma prova científica da sobrevivência da alma após a morte do corpo físico?

Eu entendo que existam muitas evidências e um grande conjunto de fatos e fenômenos que sugerem a sobrevivência da alma após a morte. Infelizmente, há um desconhecimento das pesquisas sobre sobrevivência após a morte no meio acadêmico. Além disso, há também muito dogmatismo científico e resistência preconceituosa em estudar as pesquisas realizadas e elaborar outras novas. Eu terminaria dizendo que as provas abundam em torno de nós, mas para enxergá-las é preciso se permitir abrir os olhos do corpo e da alma.

SERVIÇO

A Arte de morrer, visõoes plurais, organizadores Dora Incontri e Franklin Santana dos Santos, Editora Comenius.