Em agosto de 1849, relata o site Earth Observatory, da Nasa, o fazendeiro americano George Thorp notou alguns ossos estranhos e estriados saindo de uma pilha de terra desenterrada por trabalhadores da ferrovia que construíam uma nova linha em Charlotte, Vermont (nordeste dos EUA). O osso vinha de um grande animal, mas não de algo familiar como um cavalo ou uma vaca. Thorp embalou o osso misterioso e alguns outros que encontrou na pilha. Em seguida, enviou-os de carroça para o naturalista Zadock Thompson, da Universidade de Vermont.

Depois de examinar os ossos e consultar os principais cientistas americanos e europeus, Thompson ofereceu uma resposta: eram ossos de baleia. Especificamente, uma baleia beluga. “Como você consegue uma baleia em Vermont?”, Thompson se perguntou. Os ossos foram escavados em uma parte central do estado sem litoral, cerca de 60 metros acima do nível do mar e a 300 quilômetros do oceano.

A questão ocuparia algumas das maiores mentes científicas da época, conta Jeff Howe, autor de um livro sobre a “Baleia Charlotte”. Descobertos em uma época em que pouco se sabia sobre como ou por que a Terra tinha eras glaciais, os ossos de baleia acabaram se tornando uma peça-chave de evidência de que uma enorme camada de gelo glacial havia coberto grande parte do leste do Canadá e da Nova Inglaterra (região do nordeste dos EUA onde fica Vermont).

Área aproximada ocupada pelo Mar de Champlain. No braço mais ao sul está o atual Lago Champlain. Crédito: Orbitale/Wikimedia Commons
Peso imenso do gelo

Os ossos também serviram como uma dica de algo que não era inicialmente óbvio. Não foram apenas os níveis mais altos do mar que colocaram essa parte de Vermont debaixo d’água há cerca de 13 mil anos. A própria terra havia afundado.

O manto de gelo Laurenciano cobriu quase todo o Canadá e a Nova Inglaterra no pico do Último Máximo Glacial. Como os mantos de gelo da Antártida e da Groenlândia hoje, grande parte do manto de gelo Laurenciano tinha pelo menos 1,6 quilômetro de espessura. Como a crosta terrestre fica sobre uma camada de rocha flexível no manto superior, o imenso peso de tanto gelo teria empurrado a superfície terrestre para baixo por centenas de metros.

“Uma maneira de entender o que os mantos de gelo fazem às massas de terra é pensar no que aconteceria se você colocasse um saco de gelo em um colchão inflável flutuando em uma piscina”, explicou o geofísico Erik Ivins, do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, na sigla em inglês). “O colchão – a terra – iria ceder. E quanto mais gelo você empilha, mais ele afunda.”

Crosta flutuante

Depois do pico do máximo glacial, à medida que o clima esquentou significativamente, a altura da terra e do mar mudou. “Uma grande quantidade de gelo foi perdida das camadas de gelo globais durante esse período – equivalente a cerca de 40 metros de aumento médio do nível do mar global”, explicou Ivins, que estuda o aumento do nível do mar passado e atual. À medida que o manto de gelo recuou para o norte, a água do oceano e o derretimento inundaram a vasta depressão na superfície da terra criada pelo peso do gelo. Essa área incluía o vale do rio São Lourenço, o sul de Quebec e o leste de Ontário (Canadá) e partes de Nova York (EUA). O Mar de Champlain estava então formado.

Em sua maior extensão, o mar provavelmente cobria uma área comparável à do moderno Lago Michigan (cerca de 58 mil quilômetros quadrados, um pouco mais que a área da Paraíba). Sua costa norte era flanqueada por penhascos de gelo altíssimo que lançavam um suprimento constante de icebergs no mar. Sua costa sul transformou-se em tundra pantanosa e florestas. Com base na diversidade de fósseis encontrados nos sedimentos de granulação fina abaixo dele, o Mar de Champlain deve ter fervilhado de vida marinha. Ela variava de cracas e mariscos a focas e morsas – bem semelhante à da Baía de Hudson (Canadá) hoje.

Mudanças sutis na órbita da Terra, chamadas de ciclos de Milankovitch, desempenharam um papel fundamental no desencadeamento e no fim das eras glaciais por milhões de anos. Cerca de 12 mil anos atrás, as condições orbitais haviam se tornado menos favoráveis ​​ao gelo. Isso empurrou a Terra para o nosso atual período interglacial mais quente, conhecido como Holoceno.

Elevação em ritmo lento

“Apesar do derretimento contínuo do gelo glacial durante o Holoceno, o aumento do nível do mar não conseguiu acompanhar um efeito competitivo – o aumento da terra”, disse Ivins. Depois de ser pressionada para baixo e comprimida por tanto gelo, a superfície terrestre lentamente se recuperou depois que o gelo que a recobria se esvaiu. O processo – conhecido como ajuste isostático glacial – ocorre lentamente porque a crosta da Terra “flutua” em uma camada de rocha parcialmente derretida de fluxo lento chamada astenosfera.

“O leste do Canadá estava subindo cerca de 5 a 8 vezes mais rapidamente que o nível do mar entre 12 mil e 8 mil anos atrás. Em alguns milhares de anos, essa elevação separou o Mar de Champlain do Oceano Atlântico. Ele então começou lentamente a desaparecer”, explicou Ivins. Conforme a terra subiu, o Mar de Champlain se transformou primeiramente em uma série de lagos de água doce. Com o tempo, a maioria desses lagos secou, ​​embora uma grande relíquia persista até hoje como Lago Champlain.

A elevação da terra devido ao ajuste isostático glacial continua, embora em um ritmo lento. A maioria dos cientistas acha que a terra na Nova Inglaterra levará várias dezenas de milhares de anos para se recuperar completamente.