Já faz cinco anos que militares da Turquia tentaram um golpe de Estado contra o presidente Recep Tayyip Erdogan. No entanto, o governo turco mantém até hoje a linha dura para seus potenciais opositores. Numerosos políticos, autores, acadêmicos e artistas perderam o emprego, foram presos ou fugiram para o exílio; quem segue expressando crítica ao status quo é perseguido pelo Estado.

Levent Üzümcü, um dos atores mais conhecidos do país, está entre essas vozes. Há muito ele é um calo no pé do governo Erdogan: em 2013, estava na linha de frente das manifestações contra o projeto urbanístico no Parque Gezi de Istambul, as quais desencadearam protestos de âmbito nacional por mais liberdade e direitos democráticos.

Em consequência, Üzümcü perdeu o emprego, após quase dez anos no Teatro Nacional de Istambul. Mas não ficou calado, mesmo depois da tentativa de golpe de 15 de julho de 2016, quando qualquer um que expressasse a menor crítica ao regime era imediatamente tachado de traidor.

Como em As feiticeiras de Salém

“Depois da tentativa de golpe, cada vez mais gente foi declarada ‘bruxa’, como na peça de Arthur Miller As feiticeiras de Salém”, comenta Üzümcü. “Atores deixaram de ser contratados, artistas foram impedidos de realizar seu trabalho.” A censura foi especialmente severa na Anatólia, região onde o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), de Erdogan, conta com o maior apoio.

A polarização que desde então atravessa a sociedade e os meios artísticos turcos já era aparente na noite do golpe, quando o presidente conclamou a população a se opor aos militares armados que tentavam derrubar o governo. Imediatamente, vários cantores e atores tuitaram que atenderiam ao chamado, indo às ruas para proteger a democracia.

Quase simultaneamente, dedos acusadores apontaram para quem não havia comentado os incidentes. E foram bem poucos os que ousaram manifestar publicamente sua condenação ao procedimento do Estado, como o mestre do teatro turco Genco Erkal: “Eu pensava que a Praça Taksim não fosse um local de aglomeração. Cadê os seus canhões d’água, suas bombas de gás lacrimogênio, seus campeões da democracia?”

Com essas palavras, o ator nascido em 1938 se referia ao fato de que os opositores de Erdogan foram expulsos pelas forças de segurança da praça no centro de Istambul, mas não os simpatizantes do político conservador islâmico.

Cultura à beira da sobrevivência

Em meio à atmosfera tensa dos últimos anos, a onda global de covid-19 também foi conveniente ao governo, afirma Üzümcü: “Eles disseram que havia uma pandemia, e de repente teatros, cinemas, exposições e filmagens foram fechados.”

Para muitos, a suspensão das operações culturais não visou unicamente conter o alastramento do novo coronavírus. No fim de junho, Erdogan declarou que a intenção era retornar à normalidade, e que os toques de recolher seriam retirados a partir de 1º de julho, mas que permaneceria a proibição de música após a meia-noite.

As reações nas redes sociais foram rápidas e furiosas: sob a hashtag #KusuraBakıyoruz (“nós levamos a mal”), milhares expressaram sua cólera, inclusive numerosos artistas e políticos. A pesquisadora e curadora independente Eda Yiğit também se ocupou da situação dos que trabalham no setor de cultura durante a pandemia.

“Para a cena cultural, a pandemia representa uma profunda ruptura e perdas severas. Muitíssimos artistas escorregaram para uma vida abaixo da linha da pobreza, estão seriamente endividados e dependentes da ajuda financeira de suas famílias e parceiros. Alguns deram até fim à própria vida, de desespero.”

Muitos sequer requisitaram a complicada e pequena ajuda estatal, por considerarem-na mera esmola. “O fato de esses atuantes no campo da cultura serem tratados com tão pouco valor, de terem tão pouca segurança, e de não estarem sendo encontradas soluções para esse problema, significa que lhes estão sendo negados seus direitos fundamentais de cidadãos”, reforça Yiğit. “É responsabilidade das autoridades municipais e estatais encarar esse problema.”

Esperança de um país melhor

Mas onde o Estado abandona os artistas à própria sorte, eles também tentam se apoiar mutuamente. Através de campanhas de solidariedade, ajudam-se financeiramente, para conseguir atravessar os tempos difíceis. “Se um país quer se tornar mais bonito e evoluído, ele precisa de arte”, afirma Üzümcü, que se irrita quando os colegas se esquivam de se posicionar publicamente.

Ainda assim, ele está otimista quanto ao futuro de seu país: embora nos últimos anos a Turquia tenha perdido muito tempo em empreender mudanças, ela agora está tensionada como um arco e flecha, e pronta para dar grandes passos na direção da democracia e do Estado de direito, acredita.

O autor e jornalista Barbaros Altuğ é menos otimista. Ele também esteve ativo nos protestos do Parque Gezi, e quando eles foram brutalmente terminados pela polícia, se mudou para Berlim, onde escreveu seu primeiro romance. Contudo sentiu necessidade de retornar a seu país.

Quando em 2016, porém, o AKP usou a tentativa de golpe como pretexto para a repressão de intelectuais e oposicionistas, ele voltou as costas à Turquia de vez, vivendo desde então em Paris. Em suas obras, ele aborda o tema “exílio”.

“Esse golpe foi basicamente um golpe contra nós, isto é, todos que exigem liberdade e igualdade. Alguns foram jogados na prisão, outros fugiram para todas as partes da Terra, outros, ainda, não puderam escapar do país, embora quisessem.”

A partir do exílio, Altuğ acompanha de perto a situação em seu país natal: “Há artistas resistindo com força, apesar de tudo. A Turquia tem um poder de resistência que espanta todo mundo – em especial os políticos fascistas – e é entre os artistas e intelectuais que esse poder é mais forte.”

Os exilados turcos estabeleceram sua própria comunidade, de Zagreb a Berlim e Toronto: “A pátria a que nós pertencemos é um país que está no passado”, resume o autor, não acreditando que ainda vá ver a Turquia se transformar no lugar que ele desejaria que fosse.

Mas para os milhões de habitantes, e sobretudo para a geração mais jovem, seu desejo é que não percam a esperança. Pois pode ser que consigam criar um país novo e livre. E isso, afirma Barbaros Altuğ, é algo por que vale a pena lutar.